SOBRE O LIVRO LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE

LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE NA OPINIÃO DE UM PROMOTOR DE JUSTIÇA PARAIBANO

O livro “LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE”, de autoria de Archimedes Marques, nós consideramos a contrariedade do libelo-acusatório ao livro “LAMPIÃO – O MATA SETE”, de autoria de Pedro de Morais.

Se tivéssemos a oportunidade de participar de um julgamento, fundamentado nas provas concretas constantes nos autos, nós absolveríamos o livro "LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE”, pelo o conteúdo irrefutável, e, por via de consequência, condenaríamos o livro “LAMPIÃO – O MATA SETE”, que se baseou tão somente em vagos indícios orais, na visão do autor e que lhe foram revelados por fontes frágeis de uma sustentação plausível.

O escritor Archimedes Marques usou uma linguagem corrente de fácil compreensão. Além dessa linguagem de cunho jornalístico transformou em palavras eloquentes porque soam a verdade dos fatos. Rebuscou o aprofundamento na verdade histórica com o devido cuidado de citar a fonte de onde retirou a informação.

Não emitiu juízo de valor porque tinha material suficiente para provar e comprovar a sua verdade. Mostrou ser um pesquisador obstinado, um zeloso pelo manancial abundante do cangaço, e, sobretudo, um relator que usa a decência para expor o fato com a naturalidade dos acontecimentos chegando repetir a lição com o reforço da pergunta nas suas justificativas.

Não se apegou a pequenez, nem distorceu o conteúdo, nem tampouco contrariou a história, simplesmente, foi verdadeiro. Por seu turno, as linhas tortuosas do livro o “LAMPIÃO – O MATA SETE”, infelizmente, o autor esqueceu o rumo da história do cangaceirismo, de modo diverso, tentou contrariá-la, afastou o seu roteiro, escondeu os caminhos claros e andou pelas veredas.

Trouxe um conteúdo que não interessa a ninguém, muito menos aos amantes, pesquisadores, curiosos da história do cangaço no Nordeste brasileiro. É patente a premeditação do enredo em busca do ataque.

A partir do primeiro capítulo e quando chegou ao último capítulo à emissão de juízo de valor subjetivo pelo autor fluiu de forma exacerbada que faz os pelos do leitor se arrepiar a ponto do tamanho do sobressalto e cair no campo da indignação.

O nosso entendimento sobre a história do cangaço, percebemos que a sua existência verificou-se entre o final do século XIX e começo do XX quando surgiram, no Nordeste brasileiro, grupos de homens armados conhecidos como cangaceiros. Estes grupos apareceram em função, principalmente, das péssimas condições sociais da região nordestina.

O latifúndio, que concentrava terra e renda nas mãos dos fazendeiros, deixava às margens da sociedade a maioria da população. Desde o século XVIII, com o deslocamento do centro dinâmico da economia para o sul do Brasil, as desigualdades sociais do Nordeste se agravaram. Entretanto, no sertão, onde predominava a pecuária, consolidou-se uma forma peculiar de relação entre grandes proprietários e seus vaqueiros.

Entre eles, estabeleceram-se laços de compadrio (tornavam-se compadres), cuja base era a relação de fidelidade do vaqueiro ao fazendeiro, com este dando proteção em troca da disponibilidade daquele em defender, de armas nas mãos, os interesses do seu patrão.

Os conflitos eram constantes, devido à imprecisão dos limites geográficos entre as fazendas e às rivalidades políticas, transformadas em verdadeiras guerra entre poderosas famílias. Cada uma destas fazia-se cercar de jagunços (capangas do senhor) e de cabras (trabalhadores que ajudavam na defesa ), formando verdadeiros exércitos particulares.

Nos últimos anos do Império, depois da grande seca de 1877-1879, com o agravamento da miséria e da violência, começaram a surgir os primeiros bandos armados independentes do controle dos grandes fazendeiros.

Por essa época ficaram famosos os bandos de Inocêncio Vermelho e de João Calangro. Contudo, somente na República o cangaço ganhou a forma conhecida, com Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Que aterrorizou o nordeste de 1920 a 1938.

Havia uma razão para esse fato. Com a proclamação da República em 1889, implantou-se no Brasil o regime federalista, que concedeu uma ampla autonomia às províncias, fortalecendo as oligarquias regionais. O poder dessas oligarquias regionais de coronéis se fortaleceu ainda mais com a política dos governadores iniciada por Campos Sales (1899-1902).

O poder de cada coronel era medido pelo número de aliados que tinha e pelo tamanho de seu exército particular de jagunços. Esse fenômeno era comum em todo o Brasil, mas nos estados mais pobres, como Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, os coronéis não eram suficientemente ricos e poderosos para impedir a formação de bandos armados independentes.

Foi nesse ambiente que nasceu e prosperou o bando de Lampião, por volta de 1920, coincidindo o seu surgimento com a crise da República Velha. Depois da morte de Lampião, em 1938, nenhum outro bando veio ocupar.

Portanto, podemos entender o cangaço como um fenômeno social, caracterizado por atitudes violentas por parte dos cangaceiros. Estes, que andavam em bandos armados, espalhavam o medo pelo sertão nordestino. Promoviam saques a fazendas, atacavam comboios e chegavam a sequestrar fazendeiros para obtenção de resgates. Aqueles que respeitavam e acatavam as ordens dos cangaceiros não sofriam, pelo contrário, eram muitas vezes ajudados.

Esta atitude fez com que os cangaceiros fossem respeitados e até mesmo admirados por parte da população da época. O cangaceiro – um deles, em especial, LAMPIÃO tornou-se um personagem do imaginário nacional, ora caracterizado como uma espécie de Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres, ora caracterizado como uma figura pré-revolucionária, que questionava e subvertia a ordem social de sua época e região.

O nosso livro – “A VIDA DO CEL. ARRUDA CANGACEIRISMO E COLUNA PRESTES”, que este teve já vários enfrentamentos com o bando de Lampião, nós contamos o fato da história do ferimento no calcanhar de Lampião que passamos a reproduzir:

“Uma outra astúcia e habilidade de Lampião. Lampião vinha a cavalo com Antônio Ferreira, em dois cavalos meeiros, esquivadores, o Teófanes de Ferraz, o mesmo que prendeu Antônio Silvino, em Taquaratinga-PE, vinha com oitenta praças. Encontravam-se nos espigões das serras: Serra Pintada e Serra do Catolé. A força volante deu uma descarga e Lampião deitou-se no „santo Antônio da cela?, e saiu atirando com o mosquetão para trás e recebeu um balaço no calcanhar. Desse balaço, os cangaceiros fizeram um rancho no mato, na ponta da serra.

Depois Cícero Costa visitou o Lampião. Tinham dezesseis cangaceiros. Lampião anda nu, da cintura para cima, de cueca, de quatro pés, não podia se firmar em pé, sendo tratado por um raizeiro, conhecido por Valões. O Teófanes tomou conhecimento do rancho, voltou novamente e atacou o rancho. Não o cercou porque não tinha lugar disponível para o cerco. Nesse tiroteio morreram Cícero Costa, o Lavandeira, tendo os cangaceiros despitados, conduzindo nos braços Lampião e Antônio Ferreira. Adiante, quiseram deixar Antônio Ferreira, porque já quase morto com um balaço em cima do peito.

Foi quando Lampião reagiu: __ Não, se deixar o meu irmão, eu prefiro ficar com ele e morrer com ele. Durante a noite tinha chovido muito e caiu um grande pau de angico enramado. Imediatamente Lampião sugeriu: __ Vocês me deixem aqui debaixo desse angico e saiam deixando vestígio.

Ora, o plano fora um feito admirável. A força volante saiu atirando atrás, passou por cima dos galhos de angico com Lampião embaixo. Os cangaceiros levaram Antônio Ferreira. No dia seguinte, Lampião com sede e com fome, vinha um vaqueiro puxando uma vaca. Uma vaca chocalhada, aboiando e Lampião começou a gritar. O vaqueiro aproximou-se. Era o vaqueiro João Menino, pertencente ao engenho Montevidéu. O Lampião mandou buscar leite. O João Menino veio e ele disse que fosse a Patos avisar a Marcolino.

Patos se refere a Patos de Princesa, e não Patos Espinhara. Marcolino juntou sessenta homens e mandou buscar em redes, Lampião e Antônio Ferreira que se escondera em outro ponto. O Antônio Ferreira, apesar do ferimento mais grave, ficou bom, dentro de três meses já andava e conversava. Mas Lampião levou seis meses na casa de Luis Leão, sendo tratado por dois médicos. Luis Leão morava no sopé da Serra de Triunfo, casa grande, caiada, mas vivia em Princesa. Os médicos chamavam-se Dr. Severino Diniz e Dr. João Lúcio. Toda manhã o Sabino saia com uma bolsa de ferramenta, num burro e o Severiano a cavalo preto „estrela? e iam fazer os curativos de Lampião”. (fls. 38/39).

Nesse sentido – heroico/mitológico – o cangaço é precursor do banditismo que ocorre atualmente nos morros do Rio de Janeiro ou na periferia de São Paulo, onde chefes de quadrilhas também são considerados muitas vezes benfeitores das comunidades carentes.

Outro livro de nossa autoria “O PODER DA CIDADANIA”, assim explicávamos que o cangaço não acabou: “O antigo e autêntico cangaceiro nordestino caracterizava-se pela sua indumentária: roupa de cáqui, chapéu de couro, com as abas quebradas para cima, duas cartucheiras cruzadas no tórax e uma cercada nos quadris, um rifle, uma pistola, um facão afiado, um bornal, um par de sandálias de rabicho, cabelos puxados à brilhantina, cordão de ouro e o pescoço envolto de patuás e vivia no meio das caatingas ressecadas do sertão.

Enquanto que o novo e moderno cangaceiro, que atua em todas as regiões, o distintivo é sua vestimenta de etiqueta, paletó, gravata, sapatos macios, relógio de marca, cabelos escovados, frequenta hotéis e restaurantes de cinco estrelas, mansões e palácios, gabinetes e escritórios notórios, utiliza celular, Internet e televisão, municiado de armas de fogo de alto potencial ofensivo, dinheiro depositado em contas secretas no exterior, desvios e gastos excessivos do dinheiro público.

Mudou somente o perfil do cangaceiro da Antiguidade para o gangster da modernidade. A título de ilustração, trazemos à baila, com o fito de arregimentar o nosso artigo, comentários de pesquisadores na matéria e como analisaram o mundo do cangaceirismo”: Na visão de Billy Jaynes Chandler:

“O cangaço era um fenômeno exclusivamente do sertão”. “Sem encontrar garantia de proteção nem do patrão, nem do Estado, muitas dessas povoações do sertão se transformaram em verdadeiras selvas, onde cada um lutava pela sua sobrevivência. Parece, portanto, que o aparecimento do cangaço esteja intimamente ligado a este estado de desorganização social” …

“Naquele tempo, a polícia era quase igual aos bandidos, e buscas como estas significavam a destruição quase total das casas e de seus conteúdos, além de maus-tratos aos seus habitantes1”.(fls. 167/168).

Parabéns! Archimedes Marques, o livro de sua autoria “LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE”, de forma resumida, mas autêntica, resgate toda a história verdadeira do cangaço no Nordeste brasileiro, que os grandes pesquisadores já haviam contado nos livros publicados anteriormente, no entanto, serve também como fonte ideal para os novos aprendizes questionarem este fenômeno social de sangue, suor e lágrimas.

João Pessoa, 25 de julho de 2012.

SEVERINO COELHO VIANA (Promotor de Justiça)
scoelho@globo.com

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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