A resiliência da reprovação escolar

Josué Modesto dos Passos Subrinho

Imagem disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/comportamento/meu-filho-reprovou-na-escola-preciso-muda-lo-de-colegio/amp/

 

A recente divulgação das taxas de rendimento escolar (aprovação, reprovação e abandono) derivadas do Censo Escolar do ano de 2022 nos permitem retomar uma discussão que, no nosso entender, não tem merecido a devida atenção, tanto da opinião pública quanto dos mais diretamente envolvidos cotidianamente com o assunto: gestores e professores.

A literatura especializada internacional e a nacional consolidaram o julgamento de que a reprovação escolar é extremamente danosa para a trajetória da criança e do jovem e, em outro nível, o dos sistemas escolares, é ineficaz para incrementar a qualidade da aprendizagem e a equidade além de aumentar os custos econômicos. Para os não especialistas que desejem uma boa abordagem desse assunto, recomendo o livro de Antônio Gois, “O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente”.

As controvérsias sobre a realização e divulgação dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no ano de 2021, colocaram inadvertidamente em segundo plano o grave problema da persistência das elevadas taxas de reprovação na Educação Básica Brasileira. No segundo semestre de 2021, quando foram aplicadas as provas do SAEB, um número considerável de escolas, especialmente das redes municipais, ainda não havia retornado às atividades presenciais e, mesmo em redes estaduais que haviam abandonado os modelos remotos ou híbridos, não havia segurança da presença nas provas de estudantes, capaz de garantir a participação mínima de 80% dos matriculados. Cogitou-se a suspensão da aplicação das provas, visto que: a) Possivelmente a participação dos estudantes ficaria sensivelmente abaixo do obtido na série histórica; b) A amostra estaria fortemente enviesada pela participação de estudantes que conseguiram ter acesso ao ensino remoto; c) Temia-se a exploração política da medição de um fracasso educacional decorrente dos efeitos da Pandemia da COVID 19; d) A adoção da aprovação automática, recomendada pelo Conselho Nacional de Educação e referendada pelos Conselhos Estaduais e Municipais, distorceria o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Ao final, o Governo Federal manteve a realização das provas do SAEB com o compromisso de que a divulgação dos resultados enfatizaria os indicadores da aprendizagem e minimiza o IDEB. Esse índice é o produto da multiplicação da nota média padronizada das provas de Português e de Matemática pela taxa de aprovação dos estudantes na etapa avaliada. A nota média é expressa na escala de zero a dez e a taxa de aprovação na escala de zero a um. O índice pode variar, portanto, de zero a 10, sendo de fácil compreensão para todos, ainda que as etapas de sua construção sejam complexas. Esse é exatamente o ponto a ser destacado. Ao focar a divulgação dos resultados no grave problema da aprendizagem, a taxa de aprovação dos estudantes ficou relegada, como se fosse, no limite, um problema resolvido.

Abaixo, apresentamos gráficos com a evolução da taxa de aprovação (em percentuais), por etapas da Educação Básica (Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio). As linhas apresentam a evolução das taxas do Brasil, da Região Nordeste e do estado Sergipe. Este exemplifica um conjunto de estados que ainda têm graves problemas de aprovação dos estudantes.

Como podemos ver no Gráfico I, as taxas de aprovação dos estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental apresentam uma tendência ininterrupta de crescimento. Se observarmos o Brasil, a taxa de aprovação cresceu de 92,2%, em 2015, para 95,3%, em 2019. Em 2020, ano sob forte influência dos efeitos da pandemia da COVID 19 e de adoção dos regimes de aprovação automática, a taxa chegou a 98,9%. Naquele ano, 0,5% das crianças brasileiras frequentando escolas públicas foram reprovadas e 0,6% abandonaram a escola, ou seja, aproximadamente 132.000 crianças, no auge da pandemia foram reprovadas ou abandonaram a escola pública. Em 2022, superados os impedimentos sanitários para o funcionamento presencial das escolas públicas, a taxa de aprovação dos estudantes ficou em 95,3%, acima do patamar atingido em 2019, mas retornando à tendência de crescimento paulatino da taxa de aprovação com o passar dos anos. No ano de 2022, a taxa de reprovação foi de 4,2% e a de abandono 0,5%, demonstrando que, ao lado das ações de recomposição de aprendizagem, faz-se necessária a articulação da busca ativa escolar, correção de fluxo e atenção aos fatores socioemocionais que eventualmente afastam crianças e jovens de nossas escolas.

Se analisarmos os dados da Região Nordeste do Brasil, podemos constatar um comportamento muito semelhante aos dos dados do Brasil como um todo, ou seja, há uma tendência de aumento das taxas de aprovação dos estudantes, persistindo a ligeira diferença com a região, apresentando taxas de aprovação menores. De forma semelhante, mas com maior gravidade, o Estado de Sergipe apresenta taxas de aprovação menores que as do Brasil como um todo e do que as da região Nordeste. O único ponto positivo para o Estado de Sergipe é que, no período entre 2015 e 2022, o aumento da taxa de aprovação foi de 7,5 pontos percentuais, enquanto o Nordeste e o Brasil apresentaram aumentos de 5,6 e 3,1 pontos percentuais, respectivamente.

Os Anos Finais do Ensino Fundamental apresentam desafios maiores para a elevação das taxas de aprovação. No Brasil como um todo, a taxa de aprovação no ano de 2015 foi de 84,1% enquanto 12,2% eram reprovados e 3,7% abandonavam a escola. Em 2022, atingiu-se uma taxa de aprovação de 91%, enquanto 6,8% eram reprovados e 2,2% abandonavam a escola. Na região Nordeste, a taxa de aprovação era ainda menor, no ano de 2015, chegando a 78,9%, enquanto 15,4% eram reprovados e 5,7% abandonavam a escola. Em 2022, na região, a taxa de aprovação chegou a 88,1%. Nesse ano, a taxa de reprovação foi de 8,7% e a taxa de abandono de 3,2%. 

Sergipe é um caso extremo da cultura da reprovação, que se manifesta com maior intensidade nessa etapa da Educação Básica. Em 2015, apenas 65,1%, em média, dos estudantes sergipanos dos Anos Finais do Ensino Fundamental foram aprovados, enquanto 26,4% eram reprovados e 8,5% abandonavam a escola. Nesse ano, a taxa de aprovação dos estudantes sergipanos foi a menor entre todos os estados. Em 2022, a taxa de aprovação chegou a 77,3%, enquanto 19,1% foram reprovados e 3,6% abandonaram a escola. Apesar da melhoria na taxa de aprovação, ela foi suficiente apenas para colocar Sergipe como o penúltimo estado com a menor taxa de aprovação. Ou seja, ainda há muito trabalho para debelar a cultura da reprovação nas escolas públicas sergipanas e substituí-la pela cultura da aprendizagem. Enquanto para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, especialmente para o ciclo de Alfabetização, há um importante programa de colaboração do Estado com os municípios para a alfabetização na idade certa, o Programa Alfabetizar Pra Valer, nos Anos Finais do Ensino Fundamental não há iniciativas de tal porte. 

A taxa de aprovação das escolas públicas para o Estado de Sergipe é muito baixa, mas o conjunto das redes municipais apresenta resultados ainda mais preocupantes, com uma taxa de apenas 74,9%, no ano de 2022. Há, entretanto, municípios que apresentaram, nesse ano, taxas relativamente elevadas de aprovação, a exemplo de Neópolis, com 96,2% e General Maynard, com 95,7%. A troca de experiências entre esses municípios e os que apresentam maiores dificuldades e o apoio do Estado pode mudar o quadro e elevadíssimas taxas de reprovação em Sergipe.

Analisando-se os dados do Ensino Médio, percebe-se o quanto ainda precisa ser feito para elevar a taxa de aprovação. Para o Brasil como um todo, em 2015, a taxa de aprovação foi de 79,8% enquanto 12,4% dos estudantes eram reprovados e 7,8% abandonaram a escola. Na Região Nordeste, os dados eram ligeiramente piores com taxa de aprovação de 78,8%, e 12,2% e 9,0% de taxas de reprovação e abandono, respectivamente. Sergipe apresentou, em 2015, dados significativamente piores que os do Brasil como um todo e que os da Região Nordeste. No ano citado, a taxa de aprovação em Sergipe foi de 66,8%, enquanto 16,9% dos estudantes eram reprovados e 16,3% abandonavam as escolas. Os dados de 2019 demonstram evolução nas taxas de aprovação tanto do Brasil quanto da Região Nordeste e de Sergipe. A taxa de aprovação da Região Nordeste (85,3%) supera a média brasileira (84,7%), enquanto Sergipe mantém taxa de aprovação menor (78,3%), porém diminuindo a diferença entre as taxas do Brasil e da Região Nordeste. Em 2022, chama atenção a redução da taxa de aprovação da Região Nordeste em relação ao percentual atingido em 2019, ao tempo que o Brasil mantém a tendência de crescimento da taxa de aprovação. Sergipe também mantém a tendência de melhoria da taxa de aprovação atingindo 82,5% e se aproximando dos níveis atingidos pelo Brasil e pela Região Nordeste. A melhoria na taxa de aprovação no Ensino Médio, em Sergipe, tem sido consistente no transcorrer do tempo. Em 2015, o Estado era o penúltimo com a menor taxa da aprovação entre as unidades da federação; em 2019, já atingia a 21ª posição e, finalmente, em 2022, a 17ª posição. As evoluções nas demais etapas da Educação Básica, em Sergipe, têm sido menores.

O Brasil é tão heterogêneo que, por vezes, esquecemos as limitações do uso dos dados médios. Uma melhoria na média, por vezes, esconde a persistência de dados ruins em populações e ou regiões. Adicionalmente, o baixo crescimento de indicadores importa. É o caso das taxas de aprovação dos estudantes. Ainda que as médias tenham apresentado melhorias consistentes, os níveis ainda são altos e convivem com um grande apelo entre educadores e leigos da cultura da reprovação que tem sido associada a ideia de cultivo da qualidade de ensino. 

Para os que acreditam que o “método das peneiras”, ou seja, a reprovação massiva com a seleção de campeões, induz à qualidade, vejamos o conhecido caso de sucesso do Estado do Ceará. Em 2022, a taxa de aprovação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental nas escolas públicas (incluí as escolas municipais) foi de 99,6%; nos Anos Finais do Ensino Fundamental, foi de 98,4% e, finalmente, no Ensino Médio, foi de 96,9%. Neste caso, não há espaço, ou pouco espaço, no caso do Ensino Médio, para elevação do IDEB através da elevação da taxa de aprovação, restando focar o esforço na melhoria da aprendizagem de todos os estudantes. Alguns estados se aproximam da situação do Ceará, outros estão muito distantes, mas não é coincidência que os que apresentam as menores taxas de aprovação apresentem também menores índices de aprendizagem. Para esses, há uma dupla batalha. Melhorar a aprendizagem e melhorar as taxas de aprovação. Na realidade, há uma nova batalha adicional para todos: diminuir os desníveis de aprendizagem entre os mais pobres e os mais ricos, entre os brancos e os não brancos. Brevemente, a mensuração desses resultados provocará cobranças efetivas.

Sergipe, de uma certa forma, é a prova do insucesso do “método das peneiras”, as elevadas taxas de reprovação não induzem os maiores índices de aprendizagem. No caso do Ensino Médio, em que estamos apresentando melhorias de aprendizagem consistente, permitindo, inclusive, uma progressão no ranking dos estados, houve uma política deliberada de ampliação da oferta de vagas em tempo integral, cujos efeitos positivos puderam ser mensurados mesmo em colégios que ainda não haviam implementado todas as séries de ensino. O ponto de atenção é os Anos Finais do Ensino Fundamental. A persistência de elevadas taxas de reprovação e de abandono de estudantes na rede pública limitam o acesso dos jovens ao Ensino Médio, levando à baixa taxa de matrícula líquida, em Sergipe, nessa etapa. Dito de outra forma, não há como universalizar o acesso dos jovens sergipanos ao Ensino Médio sem um substancial aumento das taxas de aprovação em todo o Ensino Fundamental. Certamente, o caso Sergipano não é único no Brasil, demonstrando que a questão da melhoria das taxas de aprovação dos estudantes da Educação Básica precisa ser enfrentada simultaneamente à questão da baixa aprendizagem.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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