Corpos sob controle

Toda mulher já foi abusada. Essa frase pode parecer chocante, mas é uma realidade. Nos deparamos essa semana com casos emblemáticos que, infelizmente, são uma realidade para muitas e há muitos anos, e que só recentemente tem sido publicizada de forma mais ampla, encorajando outras mulheres a denunciar mais casos de abuso. Destaco que abuso não é somente o sexual, o estupro, apesar de que este, é uma das formas mais violentas e perversas de controle.

 

Violar nosso corpo, que é algo verdadeiramente nosso, é a cereja do bolo do machismo e do patriarcado. Se nem o corpo da mulher pertence a ela, o que a ela pertence? Não há liberdade quando existe um sistema que nos submete às mais variadas e cruéis formas de violência. Mulheres que precisam se encaixar em padrões de beleza, mulheres que são dependentes financeiras e emocionais de parceiros que se sentem confortáveis e eu diria que há ainda um sadismo em seus confortos, para submetê-las a seus domínios até quando eles quiserem.

 

Uma mulher não pode querer ser mais, pois é justamente na construção do amor e da confiança que a perversidade do machismo irá operar, para tirar dela tudo aquilo que este homem não consegue ter, uma carreira ascendente, segurança em quem é, e ainda a beleza. Para isso, o homem mediano cria a disputa entre nós, para se sentir melhor, superior, para ferir no âmago aquela mulher que parece indestrutível e inabalável. A mulher que não passou por isso, acredite, ainda irá passar, porque assim o machismo estrutural opera, com a perversidade das ações e o consentimento de toda a sociedade.

 

Se a mulher expõe uma traição, há um exército de mulheres e homens que procuram todas as justificativas possíveis: se apaixonou e confiou rápido demais; expôs demais o relacionamento; fez muita propaganda do marido; engordou; emagreceu; trabalha demais; não trabalha; não quer ter filho; quis ter filho rápido demais; mas por que só agora? A única coisa que não questionam é o caráter de quem comete a perversidade de trair uma mulher no final da gravidez, por exemplo. A única coisa que não questionam é a crueldade de tocar o corpo de uma mulher enquanto ela dorme, por se sentir no direito de ser dono dela, por exemplo.

 

E aí surgem os teóricos e as teóricas da internet para justificar a adoção da não-monogamia nas relações como se a traição só acontecesse na forma de se relacionar sexualmente com alguém. Justificam o não amadurecimento dos homens e até mesmo a criação das mães que são as culpadas para que seus filhos sejam assim quando crescem, afinal, da hora em que nasce até a hora em que morre, acho que até depois da morte, a culpa é sempre da mulher.

 

Para além de buscar justificativas ou ditar a forma como você faria se fosse com você, experimente vestir a sua própria pele e não hostilize as vítimas. Não existe receita de bolo para relacionamentos, mas existem pessoas que são perversas, que agem com mau caratismo e que colocam tudo a perder porque inconscientemente ou não, se sentir menor que uma mulher é uma grande ofensa para muitos homens, por isso, violar seu corpo de alguma forma, seja através de um abuso sexual, verbal, ou através da violação da lealdade e criação de disputa entre mulheres, é a forma legítima e aceita pela sociedade que adora vender o amor romântico, mas odeia a possibilidade de qualquer relacionamento dar certo. Por fim, aquele velho cliché: nem todo homem, mas sempre um homem.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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