Muitas vitórias e grandes desafios
Vem aí o mês de junho, e em plena Pandemia da Covid-19, a Pandemia da Aids estará completando 40 anos desde a descoberta do primeiro caso no mundo. Não apenas por coincidência, mas por decisão em abraçar a causa, estarei completando, este ano, 40 anos de formado em medicina, pela nossa querida Universidade Federal de Sergipe.
Pretendo, até lá, contar um pouco da história da Aids que pude vivenciar, encarando os desafios que surgiam no dia a dia, pois se tratava de uma doença pouco conhecida.
A Secretaria de Estado da Saúde de Sergipe faz parte desta história e aproveitará esta data para reforçar , nas redes sociais, as informações corretas sobre a infecção pelo HIV, a importância dos testes rápidos, o combate ao preconceito que ainda existe, as formas de transmissão, as novas tecnologias de prevenção e os dois grandes desafios: a eliminação da transmissão do HIV para as crianças e a melhoria do acesso aos serviços de testagem, prevenção e assistência às populações chaves e prioritárias.
As histórias que contarei mostrarão que, a luta contra o preconceito e discriminação, fez parte do dia a dia da minha atividade médica, bem como a “briga” pelos direitos das pessoas vivendo com HIV/Aids, desde o direito por exemplo, de um medicamento que estava faltando, de uma exame que estava faltando, de uma vaga num hospital, direito de ser atendido por um odontólogo e até o direito de uma cirurgia, pois no início era difícil encontrar um médico que realizasse um procedimento cirúrgico em pessoas soropositivas.
Quando abracei a causa pelo enfrentamento a uma doença nova e pouco conhecida, muitas pessoas que não me conheciam e não sabiam da minha origem humilde, faziam especulações sempre inadequadas , sobre a minha decisão de encarar uma doença que era apelidada de “Câncer Gay ou doença de “viado” : “Será que esse médico é Gay”?; “Será que esse médico só quer aparecer”?;”Será que esse médico tem algum parente com Aids”?; “Será que esse médico quer ser político”?; “Será que esse médico tem Aids”?:”Esse médico só fala coisa imoral” por causa das orientações sobre a sexualidade das pessoas. A Aids associava os extremos na vida das pessoas: Sexualidade e Morte. Foi, portanto, um início muito difícil.
O Preconceito também me atingiu
Paguei caro a decisão de enfrentar o HIV e os preconceitos que o acompanhavam: na época em que atendia, na atividade de Clinica Medica, num consultório particular, no centro de Aracaju, tive que encerrar as atividades como clínico geral. Em primeiro lugar, como me tornei conhecido e com muitas amizades, atendia muita gente de forma gratuita, pois não sabia dar “não” a quem não podia pagar a consulta. Outro fato que me fez abandonar o consultório foi o afastamento dos pacientes: cada vez que eu ficava mais conhecido na mídia, mais as pessoas se afastavam do meu consultório, com várias alegações: “alguém pode me ver lá e pensar que tenho Aids”; “Sei lá se no consultório dele, eu não pego essa doença de Gay”?. Optei por deixar o consultório pois o que eu ganhava não dava para pagar o aluguel.
Por que optei por abraçar uma causa de saúde pública tão difícil e preconceituosa?
Em primeiro lugar, sempre gostei de saúde pública, Por isso fiz especialização nessa área. Em segundo lugar, o meu principal objetivo como médico foi sempre de ajudar as pessoas. Achei que fazendo saúde pública, eu poderia ajudar a mais pessoas. Trabalhar com prevenção permite você observar mudanças comportamentais das pessoas e me permitiu associar a atividade médica a outra atividade que também adoro: ser professor. Trabalhar com solidariedade faz bem às pessoas e a mim mesmo. Tive uma origem simples. Foi difícil me formar como médico. Estudei em escola pública tanto no ensino médio como no ensino universitário (UFS) e decidir retribuir o que recebi, ajudando um número cada vez maior de pessoas. O que me influenciou também a abraçar a causa, foi a rejeição inicial dos colegas ao atendimento de pessoas vivendo com HIV/Aids naquela época. O primeiro caso de pessoa vivendo com HIV/Aids foi à óbito sem eu conseguir internação, pois os hospitais negavam o atendimento.
As histórias serão transformadas em livro
Nos artigos semanais seguintes, contarei para vocês uma diversidade de casos, evidentemente, sem identificação de nomes. Casos de forte preconceito e atitudes discriminatórias. Tive até casos de polícia, indo para a delegacia, para defender os soropositivos.
Também comentarei sobre diversos colegas que “chegaram junto” e que me acompanharam nessa luta. Comentarei sobre o importante papel que as primeiras damas de Governos passados tiveram nessa minha luta, incentivando e ajudando nas questões sociais.
A minha vida médica foi muito difícil. Tive momentos que chorei mas tive grandes alegrias e vitórias. Por isso, quero contar para vocês. Vou transformar as histórias em um livro para eternizar o que vivenciei. Um grande amigo e empresário de Sergipe se ofereceu a me ajudar na confecção deste livro.
Até os próximos capítulos dessa história de luta!