A “onda” de cassações de mandato pela Justiça Eleitoral

Dúvida não pode haver: ultimamente, a Justiça Eleitoral tem sido mais rigorosa no exame de processos que cuidam de abuso de poder político, abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio (conhecida como “compra de votos”) no processo eleitoral.

 

São fatos que bem traduzem essa constatação a recente cassação dos mandatos de Cássio Cunha Lima (Governador do Estado da Paraíba) e de Jackson Lago (Governador do Estado do Maranhão). A prioridade que o Tribunal Superior Eleitoral tem dado à tramitação de processos que podem gerar a cassação de mandatos de outros governadores é mais um dado objetivo que permite chegar à conclusão que faz parte da premissa inicial deste artigo.

 

Pois bem, trata-se de uma boa oportunidade para analisar, criticamente, os aspectos positivos e os aspetos negativos dessa postura mais severa da Justiça Eleitoral no trato dos processos eleitorais em que se coloca em julgamento a ocorrência – ou não – de eventos que tenham comprometido a livre manifestação do eleitor, bem como a igualdade da disputa eleitoral.

 

Os aspectos positivos

 

A democracia representativa, na qual o povo exerce a sua soberania mediante representantes eleitos periodicamente, é exigente da presença de alguns pressupostos de legitimidade, como por exemplo a liberdade de manifestação do eleitor (de modo que sua manifestação seja consciente, imune a interferências indevidas) e a igualdade de competição entre os postulantes.

 

Porém, a história brasileira é recheada de práticas que deturpam a legitimidade das escolhas populares efetuadas nos processos eleitorais. Relembremos os fenômenos do “coronelismo” ou do “voto de cabresto”, em que o abuso do poder e a “compra de votos” eram a tônica, significando que os eleitos não representavam verdadeiramente a vontade popular.

 

Consciente da existência de resquícios como esses (vícios próprios da “República Velha”), a Constituição de 1988 estabeleceu uma série de mecanismos com que garantir a autenticidade da democracia representativa. Ainda assim, tais vícios persistem, ainda que em escala muito menos abrangente.

 

Nesses mais de vinte anos da Constituição redemocratizadora, não foram poucas as situações em que abusos de poder político e econômico, bem como “compra de votos” ou “uso da máquina administrativa” em proveito de determinadas candidaturas corromperam a livre manifestação da vontade soberana do povo. A maioria de votos obtida de forma imoral e anti-jurídica, a traduzir verdadeira fraude da representação supostamente democrática.

 

Daí é possível afirmar que a adoção de critérios mais rigorosos de julgamento, pela Justiça Eleitoral, nos casos de abusos praticados nos processos eleitorais, traz à sociedade a sensação positiva de que as coisas podem estar mudando, no rumo da garantia de lisura das eleições, tal como preconizado pela Constituição. Quando o povo brasileiro assiste à cassação, por órgão judicial independente que compõe a Justiça Eleitoral, de Governadores de Estado, por supostas práticas abusivas e corrompedoras da legitimidade do processo eleitoral, recebe a mensagem positiva de que os “poderosos” também podem ser punidos por desvios de conduta.

 

Nesse sentido, a recente “onda” de cassação de mandatos eletivos – pela Justiça Eleitoral – possui os aspectos positivos de garantir a pureza do sistema eleitoral, a autenticidade da democracia representativa e a legitimidade da vontade popular soberana, além de transmitir mensagem pedagógica preventiva de abusos semelhante nas eleições vindouras.

 

Os aspectos negativos

 

Há outro lado, todavia. Essas cassações de mandatos não deixam de soar como uma espécie de “vitória no tapetão”, para usar uma linguagem tão familiar aos que acompanham o esporte e, em especial, o futebol, a querer dizer que o perdedor consegue obter nos tribunais a vitória que não conseguiu em campo (nas urnas).

 

Essa sensação de “vitória no tapetão” é acentuada com a manutenção da jurisprudência segundo a qual, decidido que o candidato foi eleito com abuso de poder (político ou econômico) ou captação ilícita de sufrágio (“compra de votos”), os votos por ele recebidos são considerados inválidos, excluindo-se do cômputo da maioria necessária para a proclamação do eleito, o que redunda quase sempre no seguinte resultado: assume o cargo o segundo colocado na eleição.

 

Explica-se: a Constituição exige que, na eleição para o cargo de Governador de Estado (assim também para o cargo de Presidente da República e Prefeito de Município com mais de duzentos mil eleitores), só se considerará eleito o candidato que obtenha a maioria absoluta dos votos válidos. Os votos nulos e brancos não são considerados votos válidos. Assim, considerar que os votos dados ao candidato eleito – posteriormente cassado pela Justiça Eleitoral – são votos nulos, significa dizer que são votos inválidos e excluídos do cálculo da maioria absoluta. Em conseqüência, só se consideram válidos os votos dados aos outros candidatos (ou, se o caso é de segundo turno, ao outro candidato), e, portanto, o segundo colocado passa a ter a maioria absoluta de votos.

 

Convenhamos que essa fórmula parte de uma premissa de difícil sustentação lógica. No momento em que o eleitor vota no seu candidato, ele faz uma opção entre as tantas que lhe são apresentadas. Está, portanto, a efetuar um voto válido. Se a sua vontade fosse invalidar o voto, não teria votado no candidato, mas sim dado um voto nulo ou votado em branco. Considerar que o voto dado ao candidato que posteriormente foi cassado pela Justiça Eleitoral é um voto inválido representa consagrar a investidura no cargo daquele candidato que, no dia da eleição, não obteve o voto da maioria absoluta e, muito pelo contrário, foi rejeitado pela maioria absoluta. Em outras palavras, significa aviltar o regime democrático, ao consagrar a vitória da minoria, como tem alertado o colega e amigo advogado sergipano José Rollemberg Leite Neto em recentes artigos publicados no “Jornal do Dia”.

 

A alternativa democrática

 

Haveria alternativa? Sim: a realização de nova eleição, oportunizando-se que o povo decida, livre dos abusos que teriam sido anteriormente praticados – garantida a escolha pela maioria absoluta real – quem deve governar, no exercício da legítima representação política.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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