A VOZ DA OAB

O que esperar da OAB quando solicitada a externar publicamente uma opinião sobre determinado tema? Como se forma o querer desta entidade que tanta polêmica causa quando externa uma opinião, mesmo quando não provocada? Qual deve ser o comportamento de seu dirigente quando escalado para fazer valer a vontade da instituição que representa? E, afinal, deve ou não a OAB se intrometer em assuntos estranhos à advocacia? Estas são algumas das perguntas que rolam em vários cantos do país, mesmo porque a OAB não tem o costume de responder com o silêncio quando convocada para opinar ou agir. Foi assim quando enfrentou a Ditadura Militar, quando exigiu o fim das torturas, o retorno do habeas corpus, a aprovação da anistia, a convocação da Assembléia Nacional Constituinte e, agora, quando combate a anomalia jurídica conhecida como medida provisória. Foi assim quando exigiu a ética na política, assinando, dentre outras medidas, o impeachment que corretamente afastou o ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Foi assim quando denunciou as escandalosas transações que resultaram nas vendas das estatais brasileiras, inclusive ingressando com ação direta de inconstitucionalidade em face da venda da Companhia Vale do Rio Doce. O trabalho voluntário dos advogados em defesa da cidadania e do Estado Democrático de Direito, sem medo de errar, teve papel decisivo na consolidação da nossa História. Não é sem razão que se diz que a história da luta democrática do Brasil se confunde com a própria história da OAB. Não por presunção ou sentimento de superioridade de uma profissão, mas tão-somente por saber que um país só é forte quando reconhece a importância do somatório ético dos esforços de todos os cidadãos, cada um fazendo a sua parte. Certamente foi esta a motivação que levou o Constituinte, num gesto típico dos grandes parceiros, a destacar no texto constitucional a importância cidadã da OAB, tornando-a uma espécie de porta-voz da sociedade, inclusive com legitimidade para ingressar com ação judicial defendendo os interesses da própria da sociedade. O compromisso ético-político que motivou a OAB no passado se tornou, hoje, um dever constitucional, ainda que se tenha mantido o caráter voluntário da ação dos advogados brasileiros. E sabem os seus dirigentes desse compromisso social, tanto é assim que abdicam de suas convicções pessoais para abraçarem o querer coletivo da instituição que representa. Não buscam a comodidade da omissão, tampouco fazem da OAB um espaço para a defesa de ideologia política-partidária ou interesses profissionais, tanto assim é que, não raro, desagradam políticos ou magistrados. Mas, como diz o seu Estatuto, “nenhum receio de desagradar a magistrado ou qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”. É o que fez o Presidente Roberto Busato quando da posse do Ministro Nelson Jobim na Corte Constitucional do Brasil. Ao dizer que o Brasil não precisa ser reformado, mas sim urgentemente constitucionalizado, cumpriu o Presidente da OAB a sua missão institucional, nada mais que isso. Pedir que a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, previstos na própria Constituição Federal, sejam observados e cumpridos não pode ser considerado ofensivo. Falar que é dever de todo governante, como quer a Carta Constitucional, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, não pode ser apontado como grosseria, ainda mais quando pronunciado na Casa responsável pelo cumprimento da própria Constituição Federal. Constitucionalizar o Brasil é o que se espera de todos, especialmente dos governantes, dos magistrados, dos procuradores, dos advogados e de todos aqueles que estavam presentes naquela solenidade. Afinal, há muito tempo os nossos cancioneiros, com suas vozes características, têm nos alertado que as “asas brancas continuam deixando sertão”, “a fome permanece em grandes plantações”, “as mortes e vidas continuam severinas”, “a igualdade só aparece nas antenas da tv”, “enquanto a pátria-mãe é subtraída em grandes e tenebrosas transações”. Como se vê, a voz da OAB ainda terá muito assunto para falar, até porque seu compromisso sempre foi, agradando ou não, com a Verdade. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br

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