Um alerta de Sergipe ajudou na prevenção de infecções

No momento onde o Programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, completa 50 anos, fiz uma reflexão: participei de uma importante matéria na década de 80, que serviu de alerta para o Brasil. Através de uma matéria da repórter Gloria Maria, alertei sobre os riscos da transmissão de infecções devido ao uso compartilhado de lâminas nos rituais de iniciação . Tudo começou num telefonema que recebi da própria Gloria Maria, revelando que tinha interesse de registrar, para o Programa Fantástico, o trabalho de prevenção que eu estava realizando nos terreiros de Aracaju. Ela ficou sabendo deste trabalho através de uma entrevista que dei no Jornal “A Folha de São Paulo”. A Glória Maria me disse que viria a Sergipe, porém com uma condição: “Se eu garantisse que ela poderia registrar o ritual de iniciação”. Eu disse para ela que o ritual era secreto, e eu não poderia garantir a filmagem. O que eu poderia garantir era a filmagem do meu trabalho, após a conversa com as lideranças da religião de matriz africana. Glória Maria então informou que não seria possível registrar o nosso trabalho sem a filmagem do momento dos cortes no corpo.

No dia seguinte, Gloria Maria ligou para mim novamente, dizendo que viria assim mesmo a Sergipe, para registrar o meu trabalho e que tentaria falar com as lideranças para a filmagem do ritual. Tudo bem. Glória veio à Aracaju, com uma grande equipe. Fez reuniões comigo e manteve contato com as lideranças de algumas casas. Ela passou uma semana aqui. Inclusive fique surpreso em acompanhar uma das entrevistas sobre a vida dela, onde afirmou que um dos lugares que mais viajou foi em Sergipe. Todos os dias, eu saia com Glória Maria e equipe, para as filmagens.

Embora, na época não tivesse comprovadamente nenhum registro de casos de HIV por transmissão sanguínea através do ritual, o meu trabalho visava a prevenção já que, pelos depoimentos de alguns filhos de santo que eu atendia no ambulatório do antigo Inamps (hoje é o Cemar do Bairro Siqueira Campos), eles usavam uma lâmina para o ritual em várias pessoas.

Fizemos reuniões com as lideranças e o comportamento mudou: passaram a usar uma lâmina para cada filho de santo. Fiquei muito feliz com a mudança. Também aproveitei para divulgar o preservativo junto aos frequentadores.

A partir da matéria do Programa Fantástico, vários programas de saúde dos estados passaram divulgar a prevenção em terreiros e muitas casas mudaram de atitude, adotando a prática do uso de lâminas individuais e descartáveis no ritual de iniciação.

Vendo ontem a comemoração dos 50 anos do Programa Fantástico, lembrei desse trabalho que fiz e que pode ter contribuído para a promoção à saúde de muitos adeptos das religiões afro. Portanto, Sergipe, passou a fazer parte da História do Fantástico e ajudou a proteger a vida das pessoas. Recebi várias homenagens dos frequentadores. Ganhei vários amigos nesse trabalho. Pena que essa matéria não veio ao ar, nos 50 anos deste tão importante programa. Foi uma matéria que mudou a vida de muita gente.

recebe marcas no braço ou na cabeça, geralmente feitas com espinhas de peixe. Essas cicatrizes simbolizam a porta de entrada do orixá durante a incorporação.

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Ingressar no candomblé

O ritual de iniciação no candomblé, denominado Feitura de Santo, é um ritual secreto, inacessível a não adeptos e, em alguns casos, somente permitido a indivíduos situados em escalas mais altas da hierarquia religiosa da casa – ou seja, em funções sacerdotais auxiliares à do iniciador;

O ritual de iniciação no candomblé, denominado Feitura de Santo, é um ritual secreto, inacessível a não adeptos e, em alguns casos, somente permitido a indivíduos situados em escalas mais altas da hierarquia religiosa da casa – ou seja, em funções sacerdotais auxiliares à do iniciador; somente pessoas que possuem cargos na religião participam. É o rito mais importante da vida candomblecista e sobre ele incide o maior grau de segredo ritual.

consulta o jogo de búzios

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Como parte dos rituais de iniciação de noviços no candomblé de Ketu3, são realizadas na pessoa a ser iniciada incisões na pele, cabeça e língua por meio de material cortante. Tais incisões, segundo Lody (2003), são chamadas de Aberés4 pelo povo de santo, mas foram popularizadas com o nome de Curas. As curas são as incisões feitas na pele do noviço por onde esse recebe o axé/conhecimento. Antigamente, se usava a mesma navalha em todos que eram filho da casa do pai ou mãe de santo. Assim, o procedimento para a realização da Iniciação do Yawo, desde que não tomadas medidas de proteção, tornar-se-ia um possível meio de contaminação (RIOS et al., 2013).

Nesse contexto, alguns babalorixás não aceitam interferências no modo como praticam seus rituais, uma vez que no Candomblé acredita-se na transferência de axé por intermédio das fissuras na pele. Alguns pais de santo creem que essa transferência ocorre de modo mais forte se houver o contato direto com o sangue. Sendo assim, mudanças na maneira ou materiais que esse culto é realizado quebrariam com o ciclo, perdendo-se assim o Axé. Diante de tal problema configurou-se a questão para a investigação apresentada neste artigo: Quais os significados sobre práticas de cuidado em saúde dentro dos rituais iniciatórios em alguns terreiros de candomblé de Ketu produzidos por pais/mães de santo?

Apesar de conhecida por muitos, creio ser necessário trazer informações básicas sobre o  Candomblé, uma das religiões afro-brasileiras presentes no Brasil. O Candomblé é uma religião de origem africana, trazida ao Brasil pelos escravos; volta-se para o culto das forças da natureza, representadas por deuses ou orixás. No Candomblé, diversos rituais preparam  o indivíduo para participar da força do seu orixá, fazendo-o ascender ao seu ser.