Bases Constitucionais da Justiça Gratuita II

Bases Constitucionais da Justiça Gratuita – Parte II

 

 

 

A grande base constitucional da “Justiça Gratuita” é a instituição, pela Constituição Federal, de um Estado Social, destinado não somente a assegurar o respeito do Poder Público aos direitos e liberdades individuais, mas destinado também a intervir em diversas áreas da atividade social e econômica, objetivando reduzir os antagonismos sociais e assegurar a igualdade efetiva entre os seus cidadãos.

 

Em boa verdade, a Carta Política de 1988 institui um Estado Democrático de Direito (Art. 1º, caput), que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), que se revela em tríplice dimensão (individual, social e fraternal). Nesse diapasão, a Constituição impõe ao Estado a adoção de uma postura pró-ativa, que interfira diretamente nas relações sociais de modo a proporcionar uma efetiva inclusão dos grupos historicamente marginalizados e discriminados.

 

Daí ter previsto esses tão elevados objetivos fundamentais da República (Art. 3º): I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Nesse contexto, o princípio constitucional da igualdade de que cuida a Constituição, a contemplar não somente a igualdade formal, mas também a igualdade material – que, na célebre lição de Rui Barbosa, consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades” – também aparece como base constitucional da justiça gratuita.

 

Não seria justo nem razoável, por exemplo, exigir do trabalhador (que foi demitido de seu emprego sem justa causa e que, durante a relação de emprego, não recebeu diversas verbas remuneratórias a que fazia jus, verbas essas da maior importância para a sua própria sobrevivência) que, ao intentar a competente reclamação trabalhista, tivesse de arcar ainda com despesas processuais. Ele já é o hipossuficiente na relação de emprego, ou seja, o pólo economicamente mais fraco: é preciso que seja feito algo em seu benefício para que possa se igualar ao patrão, pelo menos durante a contenda judicial, e esse algo é também a gratuidade da prestação jurisdicional.Não seria materialmente igualitário que somente quem possuísse patrimônio suficiente para arcar com o pagamento das custas processuais pudesse ter acesso à prestação jurisdicional do Estado. 

 

Outro fundamento constitucional da maior relevância está no dispositivo do inciso XXXV do Art. 5º da Constituição Federal (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), com status de direito fundamental, o que em simples palavras pode ser explicado como um direito que goza do mais alto grau na hierarquia dos direitos em determinado ordenamento jurídico, essencial à satisfação plena da dignidade da pessoa humana. É portanto direito fundamental de brasileiros e estrangeiros a apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão ou de ameaça a direito.  Não é uma mera apreciação, mas uma apreciação efetiva, capaz de proporcionar ao cidadão lesado em seu direito uma efetiva reparação ou proporcionar ao cidadão ameaçado em seu direito uma tutela jurisdicional que impeça efetivamente a ocorrência da lesão.  Como pode o cidadão que não possui recursos financeiros para arcar com as custas processuais ver apreciada pelo Poder Judiciário a sua pretensão? Através dos benefícios da justiça gratuita.  Só assim poderá a jurisdição estatal ser efetiva, atendendo aos anseios daqueles que não possuem os meios financeiros com que custear a atividade estatal consistente na prestação da tutela jurisdicional.

 

Outra faceta da justiça gratuita é aquela que decorre da norma constitucional do Art. 5º, inciso LXXIV (“O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”), que assegura aos hipossuficientes o direito fundamental à assistência jurídica gratuita.

 

Essa específica faceta da “justiça gratuita” será objeto da parte final da abordagem, a ser apresentada na próxima semana.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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