Cotas: e se o resultado fosse diferente?

Uma pesquisa realizada pelo Programa de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Sergipe revelou que não há disparidade entre os estudantes cotistas e os não-cotistas quando o assunto é desempenho acadêmico. Pelo contrário, os estudantes cotistas têm praticamente a mesma média avaliativa dos não-cotistas e, além disso, são os que menos abandonam os cursos e menos faltam às aulas.

Os dados relativos às cotas na UFS estão em sintonia com a realidade nacional das pesquisas sobre cotas na educação pública, divulgada no início do mês pela Revista Istoé. Em todos os estados analisados os resultados foram os mesmos: não há diferença no desempenho acadêmico entre cotistas e não-cotistas; e os estudantes cotistas não abandonam tão facilmente à universidade e quando abandonam o motivo é a ausência de uma política de permanência e assitência estudantil e não o baixo rendimento discente.

O resultado – tanto local quanto em nível nacional – contraria os argumentos de que a política de cotas acarretaria uma série de problemas para a educação superior pública, como o rebaixamento da qualidade do ensino e o aumento nas reprovações e desistências.

As pesquisas reforçam, sem dúvida, a importância da política de cotas para o acesso da população negra e pobre à universidade pública. Reforçam o discurso dos que defendem a adoção de cotas como um instrumento que contribui para a redução do abismo econômico, político e social que distancia brancos e negros no Brasil.

Mas num momento de avaliações da política de cotas, surgem questionamentos: e se o resultado fossse diferente? E se o resultado apontasse que os estudantes cotistas não conseguem acompanhar o ritmo acadêmico? E se o resultado revelasse que houve uma queda na qualidade do ensino? Se essas teses se confirmassem seria motivo para não defender o sistema de cotas?

Não. A política de cotas não deve ter a sua aceitação e implementação a partir das avaliações dos rendimentos dos estudantes que entram através desse sistema, afinal desempenho é algo que pode mudar de um período para outro, por uma série de fatores e condições.

As cotas raciais e sociais devem ser garantidas, acima de tudo, porque compõem a necessária política de reparação histórica, porque atacam a desigualdade racial e social, que ainda separa negros e brancos em nosso país.

As cotas raciais e sociais na educação pública devem ser garantidas porque contribuem para transformar a realidade da própria universidade pública brasileira, em que menos de 1% dos professores são negros.

As cotas raciais e sociais na educação pública devem ser garantidas porque contribuem para transformar a face da pesquisa e da ciência no Brasil, que ainda é majoritariamente branca, como ficou comprovado no livro comemorativo dos 50 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, com 61 pesquisadores, em que apenas um era negro (o géografo Milton Santos, já falecido).

As cotas raciais e sociais na educação pública devem ser garantidas porque contribuem para combater a desigualdade no mundo do trabalho, em que os brancos têm salário médio de R$ 1.850, enquanto os negros de R$ 850. Devem ser garantidas porque contribuem para combater a desigualdade que garante às mulheres negras apenas 30% do salário que homens brancos recebem, ocupando a mesma função.

Enfim, as cotas raciais e sociais devem ser garantidas porque são um mecanismo para reparar a opressão histórica ao povo negro, herança dos quase quatro séculos de escravidão. Escravidão que foi abolida oficialmente, mas que ainda permanece no mundo do trabalho e no tratamento dado pela polícia aos moradores das favelas e periferias. Escravidão que é refletida e reforçada nos programas televisivos que colocam negros e pobres, apenas por serem negros e pobres, como bandidos.

Por isso, a avaliação de que os estudantes cotistas estão no mesmo patamar ou acima dos estudantes não-cotistas é um tapa na cara dos que acreditavam que as cotas comprometeriam a qualidade da educação superior pública. É um tapa na cara da elite branca brasileira, que vê a sua hegemonia ameaçada pela entrada de negros e pobres nas universidades. Porém, independente das avaliações numéricas, o fundamental é defender a política de cotas pelo que ela representa em termos de superação de uma história passada e presente de humilhação, de desigualdade e de opressão.

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