E O QUE FAZER COM UMA GERAÇÃO?

Ainda que se diga, como fez Nelson Rodrigues, que “toda unanimidade é burra”, somos forçados a afirmar que têm assuntos em que o consenso parece imperar sem qualquer dissenso. Paradoxalmente, é exatamente na dramática área da educação que a máxima do dramaturgo pernambucano está sendo assumidamente desafiada, mais especificamente no que se refere ao ensino público. É que ninguém ousa discordar da tragédia que se abateu sobre o ensino público brasileiro, tão longe da sonhada promessa de ser gratuito e de qualidade.

 

E se o script deste drama tiver como foco o ensino médio ou fundamental, ou mesmo o sobre casal, o “obvio se torna ululante”, outra das preciosas expressões de Nelson Rodrigues. São raras as escolas públicas que conseguem fugir da patética condição de sobrevivente desta tragédia secular e exageradamente dramática. Quando não falta o ar cristalino do professor para oxigenar o saber, carece de um corpo equilibrado para agasalhar o aprendizado ou mesmo de um coração para manter batendo a esperança de um futuro mais digno e qualificado para os filhos pobres da nação.

 

E o grave é que o abandono material-intelectual decorre da opção política do governante eleito para cuidar do saber público, salvo honrosas e contáveis exceções. Um abandono perfeitamente consciente, assumido e calculado, pois todos sabem que o saber faz livre o homem, tornando-o capaz, inclusive, de substituir o próprio governante. Exatamente por assim ser, não se investe adequadamente em um sistema educacional libertador, de qualidade e acessível a todos.

 

As maiores vítimas desta criminosa política do “deseducar consciente”, como é sabido, são os alunos rurais e das pequenas cidades brasileiras, onde a democracia se resume ao querer do chefe político de plantão. Nestes casos, sequer disfarçam que estão a condenar os filhos dos munícipes à mais completa ignorância, pois somente assim serão frágeis e dependentes  eleitores. Basta se observar que as escolas ruem, os professores inexistem ou são pessimamente remunerados e alunos enfrentam quilômetros de sofrimento para que possam chegar a estas escolas moribundas.

 

Não se tem qualquer dúvida, portanto, que os alunos oriundos destas escolas são certificados como filhos de um ensino de má qualidade, ainda assim quando têm a “sorte” de serem concludentes. Também é incontroverso que, em geral, não conseguem ingressar no ensino superior, pois impedidos pela ausência de recursos financeiros ou pela concorrência com os alunos credenciados nas escolas particulares e nas poucas públicas que priorizam a qualidade. E no mundo competitivo em que vivem, são obrigados a disputar a cobiçada vaga para o sonho do ensino superior com aqueles que tiveram o privilégio de fazer cursinhos dos mais variados, além de internet, livros, cinemas e outros métodos complementares do saber.

 

Como se vê, ninguém discorda da tragédia que se abateu sobre gerações e gerações de brasileiros que precisaram e precisam estudar em uma escola pública. Não se discorda que estas gerações de brasileiros não têm como competir com aquelas gerações que tiveram acesso a um ensino de qualidade. Por fim, não há ainda qualquer discordância no que se refere a necessidade urgente de melhorar a escola pública, permitindo, assim, que todos possam ascender na vida pela via do saber.

 

Mas enquanto se discute estes consensos e certezas, o que fazer com a chamada geração perdida, mesmo porque não mais poderá ser beneficiada pela improvável melhoria do ensino público? Devemos continuar mantendo-a excluída do libertário saber, condenando-a a nunca ascenderem socialmente através do ensino superior? Devemos dizer que nada se pode fazer contra o “azar da pobreza” em que nascera, talvez porque a sua sina fora mesmo a de ser excluída?

 

No campo das soluções, infelizmente a não-unanimidade é burra ou esperta demais, pois é forte o grupo que defende a tese do abandono da geração vitimada pela lógica da deseducação consciente. E, ironicamente, combate o sistema de cotas, criado para permitir a inclusão destes excluídos do saber, exatamente porque provocaria a exclusão dos que já têm acesso ao saber. Somente não se diz, no meio desse dissenso, o que realmente fazer com a geração que passou e a que continua esperando que a sua escola um dia melhore, sonhando que a esperança e o saber, um dia, repousem alegremente na sua mochila escolar.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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