É PRECISO COMBATER O NEPOTISMO

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em boa hora, lançou no dia 20 de abril de 2005 a Campanha Nacional de Combate ao Nepotismo. Espera, assim, mobilizar e sensibilizar a sociedade brasileira contra uma de suas mais devastadoras pragas. Mas antes que se avance no tema, cumpre-se conceituar o vocábulo nepotismo, evitando, desta forma, qualquer confusão sobre o que pretende a OAB.

Nepotismo é, assim, definido como abuso de poder em favor de parentes e amigos (Grande Enciclopédia Delta Larouse) ou como favoritismo, proteção escandalosa, compadrio (Dicionário Caldas Aulete, Ed. Delta, 5ª ed., vol. IV, p. 1.324). Da mesma forma, é possível conceituá-lo como favoritismo de certos governantes aos seus parentes e familiares, facilitando-lhes a ascensão social, independentemente de suas aptidões (Dicionário da Língua Portuguesa, Enciclopédia Britânica do Brasil, 11ª ed., Vol 2, p. 1201).

 

Observa-se, assim, que o nepotismo está intimamente ligado ao conceito de abuso poder, ainda mais quando, como ensina MARCOS OTÁVIO BEZERRA, “Corrupção. Um estudo sobre o poder público e relações pessoais no Brasil” (Rio de Janeiro, Relume-Dumurá: ANPOCS, 1995, p. 40), o favorecimento de parentes não se reduz à condução destes a cargos específicos ou, como ocorre freqüentemente, a cargos que foram criados exclusivamente para que sejam ocupados por estas pessoas; parece, antes, estar associado às oportunidades que se tem ou que são criadas para que se atenda aos interesses dos parentes que conservam, inclusive, uma expectativa quanto a benefícios que podem ser obtidos pelo fato de se ter uma pessoa próxima ocupando um cargo público.

 

O festejado pesquisador aponta ainda que, além da manifesta imoralidade decorrente da idéia de favorecimento no trato do patrimônio público, verifica-se existir uma íntima vinculação entre as pessoas envolvidas em práticas concebidas como corruptas e as distintas categorias de relações de natureza pessoal – parentesco, amizade, patronagem, ou camaradagem, dentre outras.

 

É de se rejeitar, de forma contundente, a comum afirmação de que o nepotismo é uma questão cultural ou de mero foro íntimo do administrador público. É que estes não podem administrar como se gerissem coisa particular; vez que são delegados da sociedade, incumbidos de gerir um negócio de interesse público e, como tal, estão limitados por princípios e normas de caráter administrativo, devendo seus atos serem submetidos aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e finalidade.

 

José Alberto Couto Maciel, em artigo publicado no Suplemento Trabalhista da Revista LTr, nº 090/83, citando a Juíza Federal ANNA MARIA PIMENTEL TRISTÃO, da 2ª Vara de Brasília, registra que “ao administrador é vedado decidir como um particular, porque ele está adstrito à lei. O particular pode fazer tudo que a lei não proíbe. O administrador pode fazer tudo que a lei permite. Os atos administrativos praticados em desconformidade com a lei são viciados e configuram abuso ou desvio de poder. O administrador não age porque quer, mas porque deve e assim dispõe o interesse público.”

 

Não resta dúvida, portanto, que a prática do nepotismo agride mortalmente o art. 37, caput, da Carta Magna, vez que imoral, pessoaliza o beneficiário da coisa pública e permite a prática de atos ilícitos, inclusive porque inibe, em face da ligação pessoal, uma fiscalização mais rigorosa por parte do nomeante, ainda que apontado como sério.

 

Mas se é grave a prática do nepotismo, gravíssima se torna quando executada por integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, pois destes, além da observância da lei, se espera o exemplo da ética na administração da coisa pública. E não bastam crises de consciência ou a recusa individual em praticar nepotismo (calando-se quanto aos colegas), é preciso mais. É preciso a de adoção medidas efetivas de combate imediato ao nepotismo, pois urge que se revogue tal prática da história administrativa do Brasil, como fez a OAB ao editar o Provimento nº 84/96.

 

É necessário o exemplo ético e legal para que se exija ética e legalidade de terceiros. Basta de esconder o óbvio, o nepotismo é uma doença crônica e que deve, portanto, ser combatida. Doença que tem cura, bastando que a sociedade se mobilize e exija que o Congresso Nacional, definitivamente, aprove as medidas legais necessárias e urgentes.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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