E se fosse um policial?

Será que o povo brasileiro cansou de ser cordial? Ou cansou de ser violento e corrupto, o que historicamente sempre foi? Será que melhorou de vida e descobriu que pode mais? Há uma insatisfação no ar contra os poderosos, contra o governo, os políticos, o Judiciário, os bancos, o serviço público e privado que não funciona, as multinacionais, a polícia, contra os manifestantes mascarados, o time que não joga bem, a possibilidade de não ganharmos a Copa…

O brasileiro acha que de certa forma foi passado para trás e quer recuperar o que lhe foi subtraído desde antes de constituirmos uma nação, mas não sabe por onde começar. Salvo honrosas exceções, o brasileiro não tem cacoete revolucionário, sempre se dobrou à violência trazida pelos portugueses e apreendida pelo império e pelas republicanas forças militares, incluindo aquelas getulistas.

O brasileiro não quer saber ou lembrar, mas um dia desses houve um período longo e obscuro que calou a sociedade e impôs regras determinantes para o nosso atraso em relação aos países que democraticamente cresceram e souberam distribuir riquezas e benefícios sociais. Mas e daí?

Todo esse passado nos fez violentos e corruptos, ou tanto mais violentos quanto corruptos. Há permissividade e entrelaçamento entre as duas coisas. Numa simplificação, por que a droga circula com cada vez mais liberdade em todos os meios sociais? Porque a corrupção é institucional e grassa nos três poderes da República e no aparelho policial que existe para combatê-la.

Por que os políticos roubam e não vão presos? Só os politicamente vesgos podem achar que o julgamento do mensalão resolveu o problema da corrupção na política. Para não ir muito longe e desenterrar operações policiais honestas que não deram em nada, basta lembrar do mensalão mineiro, que foi a matriz utilizada pelos aloprados do PT. Não vai dar em nada e a punição para Eduardo Azeredo e quadrilha já está prescrevendo.

Para quem não sabe, 16 anos atrás o governador tucano de Minas Gerais implantou um esquema para se reeleger que desviava dinheiro público para sua campanha usando serviços de uma agência de propaganda dirigida por um tal Marcos Valério e os favores de um tal Banco Rural. Com exceção de Azeredo, os processos não foram sumariamente para o Supremo Tribunal Federal, como aconteceu no mensalão do PT, mas para a justiça comum, onde se arrastam até hoje. E, que sorte, já há quem tenha se livrado porque o crime prescreveu.

É apenas um exemplo de que tudo continua como sempre e a maioria não sabe. O brasileiro hoje tem a percepção de que a corrupção virou uma craca sobre as suas costas e que a violência aumentou, e sente no seu cotidiano a necessidade de melhor o atendimento na saúde, de mais qualidade na educação, de transporte mais rápido e confortável.

Sabe que pode melhorar, mas não sabe por onde começar e faz as escolhas erradas. Quem está certo, o manifestante que vai às ruas, às vezes se excedendo e depredando, ou o policial que tem a obrigação de proteger o cidadão e os bens públicos e privados, mas também excede na violência? E quem está errado?

Quem está certo, o jovem da periferia que vai com sua turma ao shopping, porque também quer ter acesso aos bens de consumo da sociedade moderna, ou o comerciante que teme pelo seu patrimônio tão arduamente construído e os discrimina como baderneiros, porque não querem consumir mas apenas depredar? E quem está errado?

O Brasil ficou comovido com a morte do jornalista que foi atingido por uma explosão de rojão atirado por jovens provavelmente manipulados por políticos inescrupulosos. Na defesa eles dizem que não queriam atingir o cinegrafista Santiago Andrade, pois o artefato explosivo era para atirar na polícia. E se no lugar do cinegrafista da Band tivesse morrido um policial?

Se a vítima fosse um policial a comoção não seria a mesma, porque há um maniqueísmo da sociedade diante das manifestações de rua. Uma visão deturpada porque no balanço dos protestos há mais feridos do lado dos civis do que dos policiais.

Entre os jornalistas, segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, desde junho do ano passado 75% das agressões contra esses profissionais em manifestações partiram da PM ou da Força Nacional de Segurança. Já são 117 casos de agressão contra jornalistas e um deles ficou cego com um tiro de bala de borracha que lhe atingiu o olho.

Mas dá para demonizar a polícia? Os policiais são cidadãos pagos para defender aquilo que muitos só vão ali para quebrar, tocar fogo, saquear. É o bem contra o mal? Quem está do lado de que?

O sumiço de Amarildo exemplifica bem a nossa índole perversa que foi aperfeiçoada nas masmorras da ditadura militar, mas quando um policial é morto na defesa das UPPs ninguém nem lembra do ocorrido, quanto mais do nome dele. E estará sendo ingênuo quem disser que a força do poder estamental é desproporcional diante do cidadão e que isso explica tudo.
O bom dessa insatisfação é que o brasileiro está ajustando a lente e buscando o foco que nunca teve. Manifestar indignação é também uma catarse, é colocar para fora nossa indignação por tanto tempo contida. Mas que sociedade queremos, que valores buscamos? Sem isso, a luta se dispersa e cairemos na vala comum de sempre.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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