Eles são deuses. Pensamos que são magistrados

Em 2011, o deus João Carlos de Souza Corrêa foi autuado por não portar os documentos do automóvel celestial que dirigia. Ao ser parado por uma agente de trânsito – que, pela ausência de placa no veículo, não conseguiu identificar que o automóvel pertencia a um ser supremo -, o deus João Carlos, que exerce os seus poderes no Rio de Janeiro, processou a agente por danos morais. O resultado saiu este ano e a agente terá que pagar uma indenização de R$ 5 mil. Bem feito! Como uma simples mortal ousa parar e pedir documentos a um senhor dos senhores, a um rei dos reis? Caso não pague a indenização, a agente pode não ganhar sua vaga no céu. Ou pior, pode ganhar vaga é em outro lugar que nem de longe lembra o céu.

Em abril deste ano, o deus Eugênio Rosa de Araújo resolveu interferir na crença e na fé alheias e afirmou que umbanda e candomblé não são religiões. Um dos mandamentos de Eugênio é que para ser religião é preciso a existência de um texto-base (como a bíblia, o alcorão ou o Vade Mecum), de uma estrutura hierárquica (juiz, desembargador…) e de um deus a ser venerado (como ele próprio).

Esses dias, no último sábado, outro deus, que atende pelo nome de Marcelo Baldochi, precisou tomar um avião até Rio Preto, interior de São Paulo. O deus maranhense chegou atrasado ao aeroporto e mesmo assim exigiu a sua entrada na aeronave. Mas é claro! Quem cometeria a insanidade de proibir um deus, mesmo atrasado, de ganhar os céus? Não é que dois atendentes da companhia aérea cometeram? Por isso, receberam voz de prisão.

Mas o fato acima não tem nada a ver com a história do deus Baldochi. Só que não! Contam os jornais que em 2009 ele foi denunciado por manter 25 pessoas em situação de trabalho escravo na fazenda Pôr do Sol, na cidade de Bom Jardim, Maranhão. Dentre as 25, um adolescente de 15 anos que nunca havia frequentado a escola.

Pra não começarem a achar que eles vivem longe de Sergipe, um deus aqui da terra está prestes a receber R$ 30 mil de uma indenização por danos morais. O valor, segundo o seu colega de reino, Aldo de Albuquerque Mello, é “ínfimo em relação à gravidade da conduta”. Só para esclarecer, a “conduta grave” foi um texto ficcional, sem qualquer menção a pessoas, lugares e tempos, escrito por um jornalista sergipano. O que o jornalista não lembrou é que deus está em todos os lugares, até mesmo em textos ficcionais.

O que esses quatro deuses fizeram parecem fatos extraordinários, isolados, mas são apenas extensões do que outros deuses fazem todos os dias, por exemplo, ao emitir ordens de despejo de famílias sem teto e sem terra; ao determinar a ilegalidade de greves de trabalhadores; e ao estabelecer, para eles próprios, o recebimento de auxílios moradia e alimentação.

Na última segunda-feira, 8 de dezembro, foi celebrado o Dia da Justiça. Mas, como temos visto, isso não é coisa para o Brasil. O que temos aqui são deuses, apesar de pensarmos que são magistrados.

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