Ensaio sobre a ironia

A ironia vem nas entrelinhas. Sem inteligência não adianta ler nada irônico, pois os “bons de olhos” não percebem as circunstâncias, muito menos a acidez dos comentários. A ironia faz parte do dia-a-dia do ser humano, como uma espécie de dom.

Não se nasce irônico, se aperfeiçoa no caminho. E em minha opinião, não se trata de uma reação ao outro, mas sim, uma cobertura levemente fabricada para enfrentar os desmantelos do cotidiano. A ironia mostra-se mais próxima ao acaso do que imaginamos. “É como ter dez mil colheres quando tudo o que se precisa é de apenas uma faca”, já dizia Alanis Morissette.

Ser taxado de irônico é muito melhor do que cínico, admito! Porque o cinismo é maldoso enquanto a ironia, não! Ela (bem mais doce), chega até ser engraçada e na maioria dos casos, mórbida. Por exemplo: vivemos num mundo digital, onde cada informação é inteiramente exposta em questões de milésimo de segundos. Sempre que apertarmos o F5 do teclado do computador, pronto, já temos algo novo. Tudo é assim agora. Tudo é tão rápido, que se não pararmos para pensar um pouco, acabamos avaliando algo sério como sendo insignificante. Um prato cheio para o não raciocínio. Mas a ironia sobrevive do pensamento lógico. A razão não ficou para qualquer um, muito menos para os que não sabem contemplar o belo, com seu próprio par de olhos.

Oscar Wilde, escritor irlandês que pagou o alto preço por se envolver numa sociedade injusta e infame, acabou maculando durante um bom tempo toda sua obra. Ele saldou com o peso de sua vida, toda a ironia que o destino lhe deu nas mãos. Morreu na miséria, mas não deveu cabeça para ninguém, porque soube se expressar. Sabia ser irônico como ninguém.

Pensando em Wilde, percebo que a ironia causa certo desconforto, mas ao mesmo tempo chama a atenção para o quanto somos pequenos em nossas avaliações e preconceitos. Tentar calcular o incontestável é perder tempo ou filosofar? (Pequeno tempero para o seu pensar).

Numa pesquisa rápida pelo universo da Rede, encontramos definições simples sobre o que vem a ser a tal ironia. “É deixa transparecer a contrariedade por meio do contexto do discurso, ou através da alguma diferenciação editorial, entoativa ou gestual”, diz uma tese que aceito naturalmente, pois tudo depende do tom e da sutileza para acontecer. “A função da ironia geralmente é crítica e impressionista”.

Para o linguista Oswald Ducrot, a ironia está relacionada à Polifonia e pode assim trazer vários sentidos de interpretação, o que ocasionalmente acarretará também em interferência na comunicação (o que pode ser positivo e negativo para a interação entre o emissor e o receptor).

Para mim, a ironia, perante a vida é não temer a inconstância do ser humano e se sair (numa boa), de uma má situação. Compreender a sociedade em que vivemos é pensar sobre o que somos também. O irônico cumpre a cada instante o ritual do fazer pensar. Ele pode machucar com um gesto, mas quase sempre depende da palavra para ferir. Se a intenção não é aparente, a ironia é mais bonita, pois machuca sem querer fazer mal e assim, o “atingido” pode sobreviver de forma mais digna e sábia.

A ironia deveria ser ensinada na escola, principalmente na rede pública, pois o adolescente (a criança é inocente demais para usá-la), seria encaminhado para a vida de forma mais realista. O irônico percebe tudo melhor que os demais, porém não pode ser auto-suficiente, pois corre o risco de errar feio e não ser compreendido.

A pessoa que se basta é a causadora de muitos desenganos e na ironia, o legal é não desdenhar sem se desfazer de si mesmo. É uma atitude classista e um tanto burguesa, mas traz uma felicidade danada experimentar. Utilize-a você também!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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