O cenário da Proclamação da República em Sergipe

Maria Luiza Pérola Dantas Barros

Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPQ)

E-mail: perola@getempo.org

 

Capa da Revista Fon-Fon!, 13 de novembro de 1909. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

 

Na próxima quarta-feira, comemoraremos o aniversário da Proclamação da República, ocorrida em 15 de novembro de 1889. A ideia de República, entre nós, parece estar associada à ideia de democracia, de progresso, de nossa formação enquanto povo. Estudamos na educação básica o fato geralmente a partir de uma lente macro (nacional), envolvendo conspiradores que teriam se reunido na casa do Marechal Deodoro da Fonseca para preparar o levante e, já em frente ao quartel, após uma espécie de parada militar, teriam deposto o gabinete Ouro Preto e proclamado a mudança de regime. Mas, vez por outra, é válido diminuirmos a escala de observação para melhor entendermos como tal fato se processou no cenário local: como Sergipe esteve inserido naquele contexto de crise do Império e mudança do regime? Como a notícia circulou? E o que ocorreu aqui após a Proclamação da República?

Tanto a nível nacional quanto local, a década de 1880 pode ser descrita como de agitação política no Brasil. A nível local, a província de Sergipe, apesar de uma economia voltada para monocultura da cana-de-açúcar e de um lucrativo comércio de cabotagem, fazia parte das províncias esquecidas pelo Império; um exemplo disso seria o fato de que apenas Sergipe, em relação às demais províncias do velho norte, não possuía uma ferrovia para escoar a sua produção. Em virtude disso, as reclamações circulavam em um dos principais meios de comunicação da época: os jornais.

É importante ressaltar que, no século XIX, os jornais (e as revistas ilustradas) eram também meios de luta política. Mais do que lucro, grande parte deles buscava uma inserção, um lugar de fala nos debates e campanhas que ocorriam no Brasil naquele momento, a saber: a campanha abolicionista e a campanha republicana.

Assim, reclamações pelos altos impostos, e a falta de retorno destes em forma de melhorias para a província, circulavam em Sergipe no período em questão. Jornais como O Horizonte aproveitavam-se da insatisfação para apresentar a República como a grande solução para os problemas, pois ela propiciaria “a firme manutenção da ordem, uma grande liberdade, a estabilidade de um governo progressivo, sem o qual a ordem tornar-se-ia um perigo” (O HORIZONTE, nº 18, 11 de outubro de 1885).

É valido pontuar que, nem a nível nacional nem a nível local, o grupo de republicanos representaria algo homogêneo. Pelo contrário: havia disputas quanto aos objetivos e a forma que a República a ser implantada adotaria (disputas essas que continuaram após a proclamação). Em Sergipe, por exemplo, é possível perceber uma distinção em três subgrupos entre os republicanos, em virtude do período de filiação, como bem escreveu a pesquisadora Mallu dos Santos em sua dissertação: os republicanos históricos, seriam aqueles que fizeram campanha republicana a nível local; os republicanos oportunistas, aqueles que se ressentiram com o Império após a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888; e os adesistas, a maioria, que aderiram ao regime após a proclamação ser consumada.

A notícia do 15 de novembro de 1889 não tardou a circular em Sergipe, principalmente entre os que faziam parte do governo ou com ele tinham algum envolvimento. Jornais como Estado de Sergipe veiculavam que o ocorrido “tudo demoliu, tudo arrasou, sem protestos, sem lutas, sem sangue” e conclamava aos leitores a contribuírem “com o seu esforço para a difícil, mas grandiosa obra da reconstrução da pátria” (ESTADO DE SERGIPE, 06 de dezembro de 1889, p. 1).

Se, a nível nacional, a proclamação foi sucedida pela instauração de um governo provisório, tendo à frente o Marechal Deodoro da Fonseca, visando garantir a integridade da nação e assegurar o funcionamento administrativo; a nível local, segundo o que escreveu a historiadora Terezinha Oliva, haveria dois triunviratos, formado por militares, adesistas e republicanos históricos, que dirigiriam Sergipe, passando o poder depois para as mãos de Felisbelo Freire.

Assim que a notícia chegou em Sergipe, o que se sucedeu pode ser descrito como uma chuva de adesões instantâneas: os antigos monarquistas locais escreviam cartas de adesão ao novo regime e enviavam para o governo, além de publicar felicitações ao feito nos jornais que circulavam a época. Eram verdadeiros “camaleões políticos”, como bem escreveu Mallu dos Santos em sua dissertação, que até uma Festa Cívica organizaram para saudar o novo regime.

Mas o que se seguiria em Sergipe? Se antes os republicanos lutaram contra a Monarquia, após a Proclamação da República, eles passaram a lutar entre si pelo poder. Os republicanos históricos queriam o poder e a liderança no novo regime, mas não tinham experiência política nem administrativa para se firmarem. O poder continuaria nas mãos dos antigos monarquistas que aderiram ao regime, mesmo sem tantos ideais republicanos.

Cisões e criação de novos partidos, dissidências, disputas pelo poder; eis o cenário que marcou o início da República em Sergipe. Tudo isso culminou nas eleições fraudulentas de 1894, quando os republicanos históricos, insatisfeitos com a derrota, dão um golpe e depõem o governo eleito de José Calasans.

Aqueles que se diziam democráticos agiram de maneira autoritária e deram um golpe pelo poder. Não seria contraditório? Seja como for, tal fato serve para elucidar que, da passagem da Monarquia para a República, haveria muito mais permanências do que grandes rupturas, tais como: disputas pelo poder, autoritarismos, exclusão de grande parcela da população e o poder concentrado nas mãos de poucos. Não foi à toa que, vinte anos depois da implantação da República, circulava na sociedade brasileira uma charge da senhora Monarquia que, questionando a jovem República, diz: “eu esperava outra coisa”, ao que esta, com vestes que remetiam à Revolução Francesa (vestido vermelho, fita azul, barrete por sobre o chapéu) diz: “eu também!”.

 

Para saber mais:

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2 ed., 2017.

DANTAS, Ibarê. História de Sergipe República (1889-2000). Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2004.

SANTOS, Mallu Ticiane Conceição dos. “Viva a república”: análise das disputas pelo poder em Sergipe entre os Republicanos Históricos e os Adesistas (1889-1898). 2021. 138 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2021.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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