Intervenção Federal no Distrito Federal? – Parte I

Na coluna de hoje, daremos seqüência aos comentários sobre diversos temas político-jurídicos cuja oportunidade de abordagem decorre da crise política no Distrito Federal, inclusive com prisão preventiva do seu Governador, José Roberto Arruda, por determinação do Superior Tribunal de Justiça, mantida pelo Supremo Tribunal Federal. Nas semanas anteriores, analisamos as prerrogativas constitucionais do foro especial e as garantias do Presidente da República contra prisões, além das imunidades processuais do Chefe do Poder Executivo.

 

Pois bem, nesta semana vamos abordar o tema da intervenção federal no Distrito Federal.

 

Com efeito, na data de 11/02/2010, o Procurador-Geral da República propôs representação, no Supremo Tribunal Federal, destinada à decretação da intervenção federal no Distrito Federal (IF n° 5179).

 

Isso nos permite retomar, aqui, reflexões que já efetuamos neste mesmo espaço, nas colunas de 30/01/2008, 06/02/2008 e 13/02/208 (há mais de dois anos, portanto). Essa retomada ora se impõe, diante da iminência da apreciação, pelo Supremo Tribunal Federal, desse pedido de intervenção federal no Distrito Federal, formulado pelo Procurador-Geral da República.

 

Afinal, o que é, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a intervenção? Intervenção é o afastamento temporário da autonomia do ente federativo, que, por conta disso, suporta a incursão da entidade interventora em seus negócios.

 

O Brasil é uma República Federativa, formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal (Art. 1º da Constituição Federal), todos autônomos nos termos estabelecidos pela Constituição (Art. 18).

 

Ou seja: cada ente federativo é autônomo porque possui uma esfera da atuação livre da interferência de outrem, tudo dentro dos limites traçados pelo pacto federativo, que é a Constituição da República Federativa do Brasil.

 

Portanto, a autonomia dos entes federativos é elemento essencial da forma federativa em que se organiza a República Brasileira.

 

Se é assim, a intervenção – na medida em que representa afastamento temporário da autonomia do ente federativo – somente deve ocorrer em situações excepcionalíssimas, expressamente previstas e autorizadas no texto constitucional.

 

Com efeito, é na perspectiva da excepcionalidade que as normas constitucionais dos Arts. 34 e 35 cuidam da intervenção (“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (…)”; “Art. 35. O Estado não intervirá  em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: (…)”).

 

É dizer: o princípio consagrado pela Constituição Federal é o da não-intervenção, pois é a não-intervenção que combina com a autonomia!

 

Como explica o Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA,

 

Intervenção é antítese de autonomia. Por ela, afasta-se momentaneamente a atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou Município que a tenha sofrido. Uma vez que a Constituição assegura a essas entidades a autonomia como princípio básico da forma de Estado adotada, decorre daí que intervenção é medida excepcional, e só há de ocorrer nos casos nela taxativamente estabelecidos e indicados como exceção ao princípio da não intervenção, conforme o art. 34 e o art. 35, arrolando-se em seguida os casos em que é facultada a intervenção estreitamente considerados.[1]

 

E que situações excepcionalíssimas são essas em que se admite a intervenção federal nos Estados ou no Distrito Federal e a intervenção dos Estados nos Municípios?

 

Para intervenção federal, são as seguintes (Art. 34):

 

I – manter a integridade nacional;

II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

 

O Procurador-Geral da República argumenta, na petição inicial, que

 

Como evidenciam os elementos colhidos na investigação em curso perante o Superior Tribunal de Justiça (Inquérito n° 650), o Governador do Distrito Federal lidera grupo que, por ser constituído pelas mais altas autoridades do Distrito Federal, instalou-se no próprio governo e utiliza as funções públicas para desviar e apropriar-se do dinheiro público, que deixa de atender às finalidades legalmente previstas, em intolerável afronta aos que contribuíram com seus impostos para o orçamento do Distrito Federal e à própria República, especialmente porque os recursos desviados foram arrecadados não apenas dos contribuintes do Distrito Federal mas dos contribuintes de todo o país.

(…)

Não bastasse o desvio e a apropriação do dinheiro público, busca agora o grupo comandado pelo Governador apagar os vestígios de sua ação criminosa mediante coação de testemunha e também – o que é relevantíssimo para a presente representação – mediante o controle ilícito sobre os parlamentares da Câmara Legislativa, encarregados de processar e julgar o pedido de impeachment.

(…)

Não menos certo é, porém, que esgotadas as inúmeras medidas tendentes a recompor a ordem e a conferir legitimidade às decisões da Câmara Legislativa do Distrito Federal no curso da apuração das responsabilidades e a restaurar um mínimo de compostura numa administração distrital em que o Governador, Vice-Governador e Secretários de Estado aparecem envolvidos nos crimes, alternativa não resta senão a intervenção da União no Distrito Federal, no intuito de assegurar a observância do princípio republicano.

(…)

É dizer: não é suficiente que o Distrito Federal adote, nos moldes da Constituição Federal, um procedimento legislativo para a apuração da responsabilidade do Governador bem como dos integrantes da Câmara Legislativa. É necessário, sobretudo, que se consiga entrever no caso a efetiva aplicação de tais normas e a devida apuração das responsabilidades, sob pena de afronta ao princípio republicano.

Aqui, passados meses desde que deflagrada a Operação Pandora, nenhuma medida concreta foi adotada pela Câmara Legislativa, no intuito de promover a apuração das responsabilidades. Em vez disso, prodigalizam-se as discussões, tumultos, divergências e ações judiciais – diversas ações já foram ajuizadas, tendo poucas surtido algum efeito – sem que sequer tenha-se posto um fim na questão relativa à própria formação das comissões que analisarão a possibilidade de recebimento da petição da ação de responsabilidade formulada contra o Governador e o Vice-Governador do Distrito Federal.

(…)

Ante todo o exposto, o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA requer a procedência desta representação para que o Presidente desse Supremo Tribunal Federal, com fundamento no artigo 354 do Regimento Interno da Corte, requisite ao Presidente da República a decretação da intervenção federal necessária ao restabelecimento dos princípios constitucionais afrontados.

 

Sustenta o Procurador-Geral da República que, nesse quadro, patente a necessidade excepcional de intervenção federal no Distrito Federal para assegurar, lá, a observância dos princípios constitucionais republicano, democrático e do sistema representativo. Pedido de intervenção federal fundamentado, portanto, na hipótese excepcional de intervenção prevista no Art. 34, inciso VII, alínea “a” da Constituição Federal.

 

Caberá ao STF julgar se essa hipótese está realmente presente, a exigir a medida extrema da intervenção federal.

 

Na próxima semana, daremos seqüência a esse comentário, para abordar a posição de diversos juristas sobre esse específico pedido de intervenção no Distrito Federal, bem como analisar prognósticos e possibilidades de esse pedido vir a ser acatado pelo Supremo Tribunal Federal.

 

 

Férias dos Magistrados

 

O Ministro Cezar Peluso, que assumirá a Presidência do STF no próximo dia 23 de abril, para um mandato de dois anos, já agitou uma controvérsia: para ele, não há mais como sustentar, perante a opinião pública, as férias de 60 (sessenta) dias para os magistrados.

 

Entidades representativas de magistrados (a exemplo da Associação dos Magistrados do Brasil, Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho e Associação dos Juízes Federais) já se posicionaram contrariamente a essa visão do Ministro Cezar Peluso. No mesmo sentido contrário, manifestação do Ministro Marco Aurélio, também do STF. Outras entidades, a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil, emitiram posicionamento favorável à redução das férias dos magistrados, de 60 (sessenta) para 30 (trinta) dias.

 

E você, qual é a sua opinião?



[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 485.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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