“Jornadas de Junho” e Serviços Públicos

Uma das motivações das “jornadas de junho” de 2013 (manifestações populares expressivas, a envolver milhares de cidadãos – cinquenta mil, setenta mil, cem mil – e simultâneas em todo o país) foi a má prestação/execução de serviços públicos, em especial do transporte coletivo urbano nas cidades brasileiras.

Excelente oportunidade para abordarmos, aqui, o tema dos serviços públicos, concessões e permissões, notadamente porque assistimos, em diversos lugares do Brasil e nas mais diversas instâncias de poder (municipal, estadual, federal), a prestação inadequada de serviços públicos por meio de concessões/permissões e a abstenção, pelo Poder Público, de suas responsabilidades e de seus deveres, inclusive o de supervisionar e fiscalizar a sua adequada prestação (levando em conta o interesse público) e, quando é o caso, de aplicar as devidas penalidades, intervir e até mesmo extinguir a concessão, assumindo a direta prestação do serviço.

Por serviço público entende-se “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.  17. ed.  São Paulo: Malheiros, 2005, p. 620).

A Constituição Federal aponta expressamente diversas atividades como sendo serviço público, a exemplo do transporte coletivo (Art. 30, inciso V), serviços telefônicos e telegráficos (Art. 21, XI), energia elétrica (Art. 21, inciso XII, “b”) (a enumeração é de ODETE MEDAUAR), deixando margem à legislação infraconstitucional para a definição de outras atividades como serviço público.

Os serviços públicos devem ser prestados diretamente ou sob regime de concessão ou permissão. É o comando do Art. 175 da Constituição Federal: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. A opção pela prestação direta do serviço público ou pela sua prestação mediante concessão ou permissão é uma opção política, observados os comandos legais.

Pois bem, no caso da prestação de serviço público mediante concessão ou permissão, devem ser observados, além dos princípios e das regras constitucionais e legais do Direito Administrativo (dentre elas a observância dos direitos dos usuários, da política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado – Art. 175, parágrafo único da Constituição), os comandos da Lei n° 9.987/95, que “dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal”.

Dentre as importantes prescrições da Lei n° 9.987/95, encontram-se aquelas relacionadas à prestação adequada do serviço (Art. 6º). Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (Art. 6°, § 1°). A atualidade do serviço, aí referida, é a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

A não prestação de um serviço adequado, nos termos legais, poderá acarretar a intervenção do poder concedente (Art. 32) ou até mesmo a extinção antecipada da concessão por falta de cumprimento, pelo concessionário, de seus deveres legais e contratuais (Art. 38, § 1°). É interessante transcrever as diversas hipóteses legais da chamada caducidade da concessão ou aplicação de sanções contratuais:

Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.

§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;
II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão;
III – a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;
IV – a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;
V – a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos;
VI – a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e
VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993.

E, ainda que o concessionário não tenha descumprido qualquer obrigação legal ou contratual, o poder concedente pode, a bem do interesse público, extinguir antecipadamente a concessão. Como bem explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

(…) tendo em vista que a concessão, conforme reiteradamente se vem lembrando, não é senão uma técnica através da qual o Poder Público visa a obter o melhor serviço possível no interesse dos administrados, compreende-se que a este caiba o poder de retomar o serviço sempre que o interesse público o aconselhar, ou seja: quando o concorram ponderáveis razões de conveniência e oportunidade ou por inadimplência do concessionário. Tal providência, mero corolário do princípio retro assinalado de que o serviço nunca é transferido, mas simplesmente se transfere seu exercício, responde a um elementar direito do concedente, ínsito em a própria natureza do instituto e irrenunciável pelo Poder Público (op. cit., p. 677-678).

A mais notória forma de extinção antecipada de concessão por interesse público é a encampação, que consiste na retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização (Art. 37).

Em qualquer hipótese de extinção da concessão, ocorrerá a reversão, ou seja, a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários (Art. 35, § 2°).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO bem explica os fundamentos e o conceito jurídico da reversão:

Portanto, através da chamada reversão, os bens do concessionário, necessários ao exercício do serviço público, integram-se no patrimônio do concedente ao se findar a concessão. Está visto que a reversão também não é, de modo algum – ao contrário do que às vezes se vê afirmado – uma forma de extinção da concessão. É, isto sim, uma consequência dela; portanto, a pressupõe. Sem a extinção da concessão não há reversão. Esta procede dela, mas, evidentemente, não se confundem as duas coisas.
É perfeitamente justo e razoável que ocorra a reversão com o encerramento da concessão. Com efeito, os bens aplicados ao serviço pouca ou nenhuma significação econômica teriam para o concessionário, apresentando, pelo contrário, profundo interesse para o concedente.
Realmente, a utilidade dos bens aplicados ao serviço só existe para o concessionário enquanto desfruta desta situação jurídica.
(…)
A razão principal da reversão reside precisamente nisto, a saber: dado o caráter público do serviço, isto é, a atividade havida como de extrema relevância para a comunidade, sua paralisação ou suspensão é inadmissível, por ofensiva a valores erigidos socialmente como de superior importância. O Poder Público, como guarda e responsável pela defesa dos interesses públicos, não pode permitir que estes sejam sacrificados ou postergados em nome de objetivos ou interesses particulares. Por isso, é assente na doutrina o princípio da continuidade do serviço público, o qual supõe a reversão como meio de dar seguimento à prestação da atividade, quando extinta a concessão do serviço (op. cit., p. 696-697).

Frise-se, ainda, que a Lei n° 9.987/95 prevê a aplicação de suas disposições também às permissões (Art. 40, parágrafo único).

Não é difícil perceber que o ordenamento jurídico nacional prevê, sem qualquer necessidade de ruptura, mecanismos para que os serviços públicos, prestados diretamente ou em regime de concessão ou permissão, sejam adequadamente prestados.

Que as “jornadas de junho” funcionem como legítimo impulso para que o Poder Público, quando omisso, assuma suas efetivas responsabilidades de poder concedente no que se relaciona à eficaz prestação e execução dos serviços públicos à coletividade.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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