Judicialização das Eleições e Reforma Política

Os leitores que acompanham essa coluna bem sabem que tenho externado, ao longo dos últimos três anos, uma visão crítica do exagerado ativismo judicial – tão recente quanto intenso – do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal.

 

É verdade que em todo o mundo o Poder Judiciário assumiu, na contemporaneidade, papel de protagonista das relações sociais e mesmo políticas. Entretanto, o Poder Judiciário não pode se transformar no guardião paternalista da sociedade. A missão de formular e executar políticas públicas é dos poderes precipuamente legiferantes (Poder Legislativo e Poder Executivo), que possuem a legitimidade democrática que o voto popular lhes confere para tal fim. Entregá-la ao Poder Judiciário representa uma perigosa agudização da cada vez mais contemporânea tendência da chamada judicialização da política. O Poder Judiciário exerce importantíssima missão de guardião dos direitos fundamentais, em especial na proteção das minorias contra os eventuais abusos da maioria. Mas não é sua a missão precípua de estabelecer as regras de conduta e de convivência.

 

Pois bem, nesse ano de 2010, esse protagonismo judicial excessivo atingiu ponto culminante no processo eleitoral, ainda em curso. Nas eleições de 2010, o grande protagonista foi o Poder Judiciário. Pode-se afirmar seguramente que, para além da judicialização da política, tivemos a judicialização das eleições.

 

Chamou muito mais atenção e concentrou muito mais interesse o julgamento, pelo TSE e pelo STF, de questões jurídicas envolvendo a possibilidade de as emissoras de rádio e televisão efetuarem humor durante o período eleitoral, a aplicabilidade ou não da “lei do ficha-limpa” já para as eleições desse ano e a sua incidência ou não para fatos ocorridos antes dela, a possibilidade ou não de o eleitor votar portando apenas documento com foto, dispensada ou não a exigência estabelecida em lei de comparecimento para votar portando documento com foto e título de eleitor.

 

Foram muito mais debatidas essas questões jurídicas, envolvendo regras a ser aplicadas na eleição, do que as propostas, programas e biografias dos candidatos, partidos políticos e coligações partidárias.

 

Ora, quando numa campanha eleitoral os protagonistas são juízes e não candidatos, partidos e/ou coligações, quem perde o protagonismo é o eleitor. Na campanha eleitoral de 2010, o eleitor foi muito mais convocado a prestar atenção nas decisões judiciais sobre grandes controvérsias jurídicas do que a examinar as linhas ideológicas das candidaturas postas à sua avaliação.

 

Como já disse neste mesmo espaço, as decisões do STF e do TSE servem de alerta para o Congresso Nacional, para os partidos políticos, para os políticos e para os governos: é preciso consolidar a democracia brasileira mediante o fortalecimento dos mecanismos da efetiva representação da vontade soberana do cidadão.

 

Todavia, não dá para esperar que o detalhamento regulamentador desses mecanismos fortalecedores da efetiva representação da vontade popular advenha do Poder Judiciário.

 

A reforma política (que aprimore a democracia, que moralize as práticas políticas e eleitorais, que fortaleça a efetiva representação) é uma demanda popular. Que o Congresso Nacional saia, portanto, do seu estado de inércia e letargia. E realize a reforma política, antes que o Poder Judiciário o faça por inteiro!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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