Menos um tirano

Marcos Cardoso

Os ditadores são uma raça em extinção. Constantemente correndo perigo, acabam quase sempre no buraco, figurativa ou literalmente. Agora há somente pouco mais de duas dezenas de remanescentes dessa espécie de gente espalhados pelo mundo, a maioria deles na África subsaariana ou na Ásia Central. A América, a Europa e a Oceania estão praticamente livres deles – embora não se possa dizer o mesmo com relação ao poder imperial e tirano do capitalismo especulativo, que está varrendo nações calcadas em bases democráticas sólidas. Mas aí é outra história.

Muamar Kadafi, que durante 42 anos governou a Líbia com punhos de ferro e dedos leves, foi a última peça a cair no dominó dos tiranos. Ele foi capturado vivo, humilhado e executado na cidade onde nasceu, Sirte, onde se refugiava com o que lhe restou do séquito de auxiliares e militares fiéis e pelo menos um filho, também morto. Seu comboio foi identificado por um moderno drone, avião não-tripulado americano, e perseguido até sua captura pelos combatentes do Conselho Nacional de Transição.

Retirado à força de uma tubulação sob uma rodovia, Kadafi ergueu as mãos para o céu e implorou aos inimigos: “Não me matem, meus filhos”. Há imagens com ele vivo, sangrando, sendo puxado pelos cabelos cacheados e pintados, uma das marcas da outrora excêntrica vaidade. Pouco depois aparece morto, vingado por décadas de ódio. Combatentes desfilaram seu corpo ensanguentado no capô de uma caminhonete. Há dúvida sobre como morreu, mas certamente com um tiro na cabeça.

O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos pediu uma investigação sobre as circunstâncias da morte do ex-ditador, diante das circunstâncias não muito claras. É provável que não se apure nada. Incerto mesmo é o destino do povo líbio, agora governado por um grupo apoiado pelas potências militares européias e americana. Esse filme já passou antes…
O fim do tirano de Trípoli foi discretamente comemorado pelo governo – e até pela oposição republicana – dos EUA como parte do sucesso da estratégia econômica de combate de Barack Obama ao terrorismo. Num período de seis meses o mundo assistiu às mortes de Muamar Kadafi, Osama bin Laden e Anwar al-Awlaki, um americano agente e propagandista da Al-Qaeda, que foi morto no Iêmen. A coisa toda custou R$ 1 bilhão, festeja o governo americano, considerando barato o “investimento” na derrota e morte do ex-aliado ditador líbio.

O problema para Obama, dizem analistas, é que a Líbia não chega a ser um modelo para outros conflitos. No Bahrein, por exemplo, considerações estratégicas e a resistência da Arábia Saudita restringem as opções dos EUA. Na Síria, a Rússia e a China têm bloqueado os esforços para aumentar a pressão sobre o violento presidente Bashar Al-Assad.

Derrubado por um levante popular iniciado em fevereiro que se tornou uma sangrenta guerra civil apoiada pelo poderio bélico ocidental, Kadafi, 69 anos, foi o primeiro chefe de Estado deposto pelas revoltas da Primavera Árabe que acabou morto. Antes dele, Saddam Hussein, ditador do Iraque de 1979 a 2003, havia sido assassinado pelos americanos.

A gota d’água, ou o fósforo que incendiou o mundo árabe, deu-se em Túnis, capital da Tunísia, balneário dos europeus, quando um jovem imolou-se publicamente ateando fogo ao próprio corpo depois que a polícia confiscou a banca de frutas que garantia a sua subsistência. A panela de pressão explodiu. Em poucos dias, o poder das ruas derrubou o presidente Ben Ali, aboletado no poder por 23 anos à custa da repressão e corrupção – um traço em comum na maioria dos regimes árabes. Hoje, o ex-ditador esconde-se na Arábia Saudita.

O exemplo tunisiano contaminou os vizinhos. A peça seguinte do jogo de derrubar ditadores seria Hosni Mubarak. Uma peça vital por se tratar do Egito, um dos países mais importantes da África e do mundo árabe, pela relevância histórica, turística e econômica e por ser parceiro fundamental do mundo ocidental, de Israel e dos Estados Unidos. O governo provisório foi entregue às Forças Armadas, que são o pilar do poder no Egito desde 1952, quando o movimento liderado pelo militar Gamal Abdel Nasser derrubou o rei Faruk I.

Os militares já dão demonstrações de impaciência com os mesmos ativistas que fizeram da Praça Tahir o quartel general do movimento que os conduziram ao poder provisório, enquanto um decrépito Mubarak responde aos seus crimes no tribunal. Entre ele, Ben Ali e Kadafi outra coincidência: possuíam bilhões de dólares espalhados no mundo.

Nesse planeta em que a internet provocou uma revolução nas comunicações, onde a tecnologia suplanta o poder dos governos que tentam impedir a difusão de informações e idéias, os acontecimentos do Mundo Árabe demonstram como as ditaduras caíram em desuso e confirmam que o poder de mudar está nas mãos do povo.

Atenção senhores José Eduardo dos Santos, ditador de Angola desde 1979; Robert Mugabe, ditador do Zimbabue desde 1980; Ali Abdullah Saleh, ditador do Iêmen desde 1978; Ali Khamenei, que sucedeu o aiatolá Khomeini como líder supremo do Irã após a sua morte em 1989; Bashar al-Assad, ditador da Síria desde 2000, quando sucedeu o pai;  Hamid Karzai, ditador do Afeganistão desde 2001; Alexander Lukashenko, mandatário desde 1994 da Bielorússia, a última ditadura da Europa; Kim Jong-il, ditador da Coréia do Norte desde 1994, após a morte do pai; Raúl Castro, que ao lado do irmão Fidel controla Cuba desde 1959; e, por que não?, Hugo Chávez, que manda na Venezuela desde 1999 e tem poderes especiais concedidos pelo Parlamento para decidir sozinho e governar por decreto: PONHAM AS BARBAS DE MOLHO!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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