Musiqualidade

R E S E N H A

Cantor: DJAVAN
CD: “VIDAS PRA CONTAR”
Gravadora: SONY MUSIC

Talvez a mais sintomática faixa de “Vidas pra Contar”, o novo e recém-lançado CD que o cantor e compositor Djavan está pondo no mercado através da gravadora Sony Music, seja “Dona do Horizonte”. Nela, o artista relata que, desde muito cedo, sua mãe já sabia de sua vocação inata para a música e incentivava-o, desejando-lhe um futuro promissor, o que, de fato, veio a ocorrer. Quem sabe seja o prenúncio do fechamento de um ciclo de menor inspiração do alagoano que conheceu o sucesso já no início de sua carreira, em 1975, quando o sergipano João Mello, então um dos diretores da gravadora Som Livre, nele acreditou, escalando-o para pôr sua abençoada voz em “Alegre Menina” (de Dori Caymmi e Jorge Amado), canção instantaneamente propagada de norte a sul do país ao integrar a trilha sonora da telenovela global “Gabriela”, protagonizada por uma jovem e sensual Sônia Braga.
Dali em diante, o Brasil passou a conhecer (e a cantar) diversos temas que, hoje, já se encontram entranhados no inconsciente coletivo nacional, a exemplo de “Flor de Lis”, “Fato Consumado”, “Cara de Índio”, “Lambada de Serpente”, “Meu Bem Querer”, “Faltando um Pedaço”, “Samurai”, “Pétala”, “Açaí”, “Lilás”, “Esquinas”, “Asa”, “Soweto”, “Oceano”, “Se”, “Nem um Dia” e “Eu te Devoro”. Tendo desenvolvido parcerias com nomes da fina flor da MPB, como Chico Buarque (em “Tanta Saudade”), Caetano Veloso (em “Linha do Equador”) e Dominguinhos (em “Retrato da Vida”), Djavan compunha, há décadas atrás, com tanta fartura que não apenas alimentava os seus próprios discos com inéditas como também as fornecia a intérpretes tidos como muito exigentes, caso de Roberto Carlos (“A Ilha”), Maria Bethânia (“Álibi”), Gal Costa (“Azul”), Simone (“Liberdade”), Amelinha (“Água de Lua”) e Zizi Possi (“Lábios”).
Fato é, contudo, que, desde 2001, quando lançou o CD “Milagreiro”, Djavan não engata uma música que estoure mesmo (naquela ocasião, o destaque foi a faixa-título da qual participou, como convidada especial, a saudosa Cássia Eller). E, embora continue compondo regularmente e mantendo sua digital (tantas vezes copiada, mas sempre única), ao menos em seus dois últimos trabalhos autorais (“Matizes”, de 2007, e “Rua dos Amores”, de 2012), ele não conseguiu se mostrar inspirado como outrora.
O CD que ora chega às lojas não possui nenhuma grande música, daquelas que possam se perpetuar no tempo como várias daquelas acima mencionadas, mas no geral resulta acima dos dois supracitados álbuns. Como cantor, é lógico que um ouvinte mais apurado já encontrará vestígios do tempo em sua potência vocal, mas Djavan, blindado por um repertório solitariamente autoral de uma dúzia de canções inéditas, sabe o que e como fazer, mostrando-se um intérprete ainda seguro de suas intenções.
Com a produção a cargo dele próprio (que também assina os arranjos) e gravado em estúdio caseiro de sua propriedade, Djavan praticamente chama para si a responsabilidade do CD. Cercado de músicos que sempre estão ao seu lado (caso de Carlos Bala na bateria, Jessé Sadoc e Marcelo Martins nos sopros, João Castilho no violão e na guitarra, Marcelo Mariano no baixo e Paulo Calasans ao piano e nos teclados), ele abre o trabalho com a boa “Vida Nordestina”, um xote que ressalta a capacidade do povo de sua região em superar as adversidades. E se a romântica “Encontrar-te” deve ganhar alguma visibilidade por conta de sua inclusão na trilha da divertida “Totalmente Demais”, as melodias suingantes de “Só Pra Ser o Sol” e “Aridez” fazem com que os fãs reconheçam a obra do artista já nos primeiros acordes.
Alguns dos melhores momentos ficam por conta da sofisticada faixa-título, de “Não É um Bolero” (já em rotação em algumas rádios) e da bem construída “Se Não Vira Jazz”. Completam o repertório a apaixonada “Primazia”, a estranha valsa “O Tal do Amor”, a quebrada “Enguiçado” e o samba sincopado “Ânsia de Viver”.
Com merecidos elogios para o fato de continuar produzindo, Djavan segue sua trajetória com um CD que, se não figura entre os melhores de sua discografia, possui lá o charme e a elegância musicais que lhe caracterizam. Avante sempre!

N O V I D A D E S

* Realizadas em outubro próximo passado no Teatro de Santa Isabel, em Recife (PE), as duas apresentações do show “Vivo! Revivo!” realizado por Alceu Valença foram devidamente registradas para se transformar em DVD que será lançado em 2016. O repertório prioriza canções seminais da obra do artista pernambucano. A conferir!

* Não fosse pela desnecessária e confusa regravação de “Esperando Aviões”, bela música de autoria de Vander Lee, “Vanusa Santos Flores”, o novo CD da cantora Vanusa, o qual chegou há poucos dias às lojas através do selo Saravá Discos, quebrando um jejum fonográfico de mais de vinte anos, poderia ser adjetivado como primoroso.  Produzido por Zeca Baleiro, o álbum tenta resgatar a visibilidade da cantora que frequentou com assiduidade as paradas de sucesso nas décadas de setenta e oitenta do século passado. Com sua voz ainda bonita, aguda e de timbre claro (embora, em alguns momentos, já se constate uma pronúncia meio cansada), Vanusa se entregou às mãos do artista maranhense que soube selecionar canções que tivessem a ver com sua história. Assim, o CD se abre com uma releitura de “Compasso”, de Angela RoRo e Ricardo MacCord, canção marcada pelos versos: “Amo a vida a cada segundo pois pra viver eu transformei meu mundo”. Tudo a ver para alguém que vem sendo testada com episódios rumorosos que não têm a ver com a arte de cantar. O próprio Zeca dividiu os vocais com Vanusa na faixa “Tudo Aurora” (composta pelos dois) e escolheu para o repertório do recém-lançado disco uma bela música pouco conhecida de Zé Ramalho, “O Silêncio dos Inocentes” (para vem não sabe, Vanusa foi a primeira artista a gravar uma canção do paraibano, o qual, em seguida, veio a se notabilizar pela voz gutural e criações lisérgico-sensoriais), transformando-a em um dos destaques do set list. Como compositora, Vanusa assina solitariamente a mediana “Traição” e, ao lado de Luis Vagner e Antonio Luis, a ótima “Tapete da Sala”. Há também uma boa regravação de “Haja o que Houver”, de Pedro Ayres de Magalhães, tema propagado pelo grupo português Madredeus, mas outros grandes momentos ficam mesmo é por conta da interessante “Abre Aspas”, de Nô Stopa e Marcelo Bucoff, da bonita “Mistérios” e da contagiante “Era Disso que Eu Tava Falando”, estas duas de autoria Mario Marcos (um compositor sempre presente nos discos de Vanusa), a primeira feita com Zé Geraldo e a segunda criada com Renata Fausti. Vale a pena conhecer!

* O cantor e compositor paulistano Romulo Fróes está lançando, primeiramente em edição digital e através da gravadora YB Music, o seu sexto CD. Trata-se de “Por Elas sem Elas”, gravado com voz e violão e que traz, sob a ótica autoral, canções do artista já gravadas por intérpretes tais como Elza Soares, Juçara Marçal, Juliana Perdigão, Manuela Rodrigues, Mariana Aydar, Natália Matos e Nina Becker.

* Guidi Vieira começou na música aos dezesseis anos. Cantora, compositora e guitarrista, ela integrou uma banda de rock formada só por mulheres e, depois, lançou dois discos independentes com a Pic Nic, também de peso roqueiro. Com o encerramento desta segunda banda, a artista passou a se dedicar ao teatro e foi também atrás de outros sons para a sua carreira musical. É com essa perspectiva que ela está lançando o seu primeiro CD solo. Intitulado “Temperos”, o álbum independente foi produzido por Daniel Medeiros (integrante do Fino Coletivo) e possui o repertório formado por nove canções inéditas assinadas por nomes ainda pouco conhecidos, além de uma boa regravação de “Tigresa”, de Caetano Veloso. Cercada de músicos experientes (Chico Chagas no acordeão, Caio Márcio na guitarra, Donatinho nos teclados, Jurim Moreira na bateria, Marco Lobo na percussão e Zé Paulo Becker no violão), Guidi apresenta um disco alegre e redondo em que predominam samba, choro, salsa e outros ritmos tropicais. Dona de voz de belo timbre, ela se mostra segura e afinada e pronta para voos mais altos. Entre os destaques do repertório estão “Choro” (de Marcelo Calldeira), “Pronta Entrega” (de Arildo de Souza e Adriana Cunha), “Samba do Pé” e “Début” (estas duas de Luis Pimentel e Sandro Dornelles). Bem legal!

* Para comemorar as recém-completadas sete décadas de vida do compositor Aldir Blanc, a cantora carioca Mariana Baltar anuncia o lançamento de um disco inteiramente a ele dedicado, o qual se encontra em fase de pré-produção e será lançado no próximo ano. O repertório contará com alguns temas inéditos.

* Parece inacreditável que uma cantora do porte de Cida Moreira, com trinta e quatro anos de carreira fonográfica, tenha lançado até agora somente dez discos. Mas infelizmente em um país onde os modismos musicais oportunistas dão as cartas há tempos isso é verdade. Então, é com muito estardalhaço que se deve levar ao conhecimento geral o lançamento de “Soledade”, álbum que chegou recentemente às lojas através da gravadora Joia Moderna sob a direção musical dela própria ao lado do multi-instrumentista Omar Campos. É esse o novo disco dessa especial artista paulista que começou sua carreira na década de setenta do século passado, trabalhando em teatro e musicais. Também uma exímia pianista, Cida é dona de um estilo bastaste pessoal. Passional, ela se entrega inteira às canções e isso certamente decorre de sua experiência como atriz. Esse décimo álbum, composto por quinze faixas, a mostra engajada no tempo presente, embora sem medo de resgatar o passado, seja através da inclusão, no repertório, da única canção conhecida do poeta paulistano Mario de Andrade (“Viola Quebrada”), seja por conta do apropriado resgate de belo tema de domínio público (“Moreninha”). Em ótima forma vocal, ela se permite dividir os vocais da vinheta “Preciso Cantar” com Arthur Nogueira e empresta sua inconfundível voz aos versos da balada folk “Forasteiro”, interessante parceria de Helio Flanders e Thiago Pethit. Os três são nomes emergentes no cenário atual da música popular e já tomaram Cida para madrinha que sabe, como poucas, arrebanhar novos talentos. Ela mesma que, em 1993, já havia dedicado um disco inteiro à obra de Chico Buarque, retorna agora ao poeta de olhos cor de ardósia através de impactante versão da obra-prima “Construção” com arranjo adornado por cordas. Entre citações (“Poema”, de Alice Ruiz, e “As Pastorinhas”, de Noel Rosa e João de Barro), Cida passeia por um Brasil que canta o trabalhador que acorda cedo para pegar no batente (em “Bom Dia”, de Gilberto Gil e Nana Caymmi, com destaque para o acordeão do sergipano Mestrinho) e ironiza a situação do país com o atemporal, satírico e utópico rock “A Última Voz do Brasil” (de Tico Terpins, Zé Rodrix, Próspero Albanese e Armando Ferrante), grande destaque do material apresentado, ao lado da inspirada “Oitava Cor” (de Luís Felipe Gama e Tiago Torres da Silva) e de “Poema da Rosa” (de Auguisto Boal e Jards Macalé a partir de poema de Bertold Brecht). Cida também se apropria de “Feito um Picolé no Sol” (de Nico Nicolaiewski) e de “Outra Cena” (de Taiguara). Tecendo como uma delicada e esperta artesã a sua colcha de retalhos muito bem trabalhada, ela ainda redesenha “Um Gosto de Sal” (de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos) e reconstrói “O Pulso” (de Marcelo Fromer, Tony Bellotto e Arnaldo Antunes). Trata-se, enfim, de um CD realmente obrigatório em toda e qualquer cedeteza que se preze!

* A cantora e compositora carioca Ana Clara Horta está de volta ao mercado fonográfico com “Dialeto”, seu segundo álbum, o qual, produzido de Mauro Mota, apresenta um repertório inédito e autoral: são nove faixas compostas pela artista com seus parceiros Gabriel Pondé, João Bernardo e Miguel Jorge.

* Semana musical agitada em nossa Capital: na quinta-feira, dia 03, às 17 horas, no Centro Cultural de Aracaju, haverá o show de pré-lançamento do CD “Expedito”, projeto de estreia da cantora e compositora Celda Fontes; já na sexta-feira, dia 04, será a vez de o grupo Samba do Arnesto se apresentar no Espaço Reciclaria a partir das 21 horas. Vamos todos nos encontrar por lá?

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o programa "Musiqualidade", veiculado pela 104,9 Aperipê FM, todos os sábados das 13 às 15 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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