O ditador eleito

O ditador nem sempre chega ao poder derrubando um regime constituído, como aconteceu no Brasil em 1964. O ditador também se alça ao poder pela via democrática e, como é da própria personalidade, eterniza seu governo como se democrático fosse. Engana a maioria, elege-se em nome de construir uma nova sociedade e, se não tomar cuidado, vai se perpetuando.

O ditador eleito é um populista autoritário, provavelmente conservador e corrupto, que prioriza atender aos seus seguidores e financiadores, é intolerante às diferenças, abomina as minorias e não vacila no uso da força contra os opositores. Não é apegado necessariamente a uma ideologia e quase sempre é mandatário de um país que ainda busca a trilha do desenvolvimento.

Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e Nicolás Maduro, na Venezuela, são os exemplos mais visíveis desses falsos democratas. E não seria exagero incluir nessa lista o autoritário Vladimir Putin, da Rússia, que está no poder desde 2000, como primeiro-ministro e depois presidente.

 

ERDOGAN

Senhor da Turquia, Recep Erdogan foi reeleito presidente há pouco mais de um ano, numa eleição até hoje contestada. Já está no poder há 16 anos, foi primeiro-ministro por 11 anos antes de ser o primeiro presidente eleito por voto direto, em agosto de 2014.

Ele endureceu o governo após uma tentativa de golpe em 2016. Desde então, 50 mil pessoas foram presas e estão à espera de julgamento, inclusive mais de 150 jornalistas. Nada menos que 107 mil servidores e soldados foram demitidos, incluindo 33 mil professores.

Erdogan tornou-se líder supremo e absoluto da Turquia desde que conseguiu extinguir o cargo de primeiro-ministro, podendo se reeleger presidente indefinidamente, já que alterou a constituição nacional para permitir a si próprio essa possibilidade.

Seus seguidores, de maioria muçulmana e conservadora, exaltam a forma como Erdogan fez a Turquia ascender como uma nação a ser levada em conta, proporcionando novos níveis de prosperidade para o país que é ponte entre a Europa e o Oriente Médio, e que, aliado da Otan, está a um passo de ingressar na União Europeia.

 

DUTERTE

Duterte, nas Filipinas, é impiedoso contra aqueles a quem considera o mal a ser combatido. Com sua retórica inflamada e odiosa, ele foi eleito em 2016 com apenas 38% dos votos válidos, sem segundo turno, desbancando seus opositores que ficaram na casa dos 20%.

Na noite da posse, detalhou durante o jantar oficial a principal promessa de seu programa: acabar com o tráfico de drogas nem que para isso precise exterminar os usuários. “Esses filhos da puta estão destruindo nossos filhos. Faço um alerta para não mexerem com isso, mesmo que sejam policiais, porque, estou falando sério, vou matar todos”, disse o valentão, conclamando a população a esse esforço coletivo: “Se conhecer algum viciado, mate-o você mesmo, porque seria muito doloroso pedir para seus pais fazerem isso”.

Na afirmação de sua política anticrime, Duterte já se comparou a Hitler. Assim garantiu a morte de mais de 10 mil usuários e notificou a família de mais de um milhão deles para que os encaminhem aos tratamentos, que em geral acabam se transformando em chacinas.

Num país de maioria cristã, chamou Deus de estúpido, inexistente e xingou o Papa Francisco. Também já declarou que se curou de ser gay “com belas mulheres”. Tudo em nome de cuidar bem das pessoas. Recentemente, no episódio do sargento da Aeronáutica da comitiva presidencial flagrado na Espanha com 39 quilos de cocaína, a política do presidente filipino foi citada como exemplo por Bolsonaro.

Filipinas tem hoje uma aproximação jamais vista com a toda poderosa China. Com popularidade em alta diante de um povo que ansiava por um líder autoritário, as últimas eleições parlamentares reforçaram o poder de Duterte. Sua agenda econômica e política inclui uma mudança constitucional na forma de governo que lhe permitiria permanecer no poder indefinidamente.

 

MADURO

É devastador o relatório produzido recentemente pelo Escritório da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, preparado após a visita de Michelle Bachelet à Venezuela. Graves violações dos direitos econômicos, sociais, civis e políticos. Violência e abusos da polícia. Um número assustador de mortes atribuídas à “resistência à autoridade”. Índices de homicídio mais altos da América Latina. Uma emigração sem fim. Em suma, uma profunda deterioração da democracia, resultado do chavismo que “desmantelou o sistema de controle institucional do Poder Executivo”.

O estudo exorta o Governo de Nicolás Maduro a “adotar imediatamente medidas concretas para impedir e remediar as graves violações” que asfixiam milhões de pessoas. Caso contrário, adverte, “continuará o êxodo sem precedentes de emigrantes e refugiados que abandonam o país e haverá piora das condições de vida dos que permanecem ali”. O relatório pede o desmantelamento das forças especiais da polícia, conhecidas como FAES, e dos grupos armados, os chamados coletivos. O governo o rejeitou.

Maduro está há seis anos no poder e sucedeu a Hugo Chávez, um militar que propôs romper com a política tradicional e que ali ficou por 14 anos, até a sua morte em 2013. El comandante pegou um país petroleiro em boas condições, viu as guerras no Oriente Médio favorecer o aumento do valor do petróleo até o valor da commodity baixar violentamente e a economia da Venezuela declinar. A crise se acentuou quando o país não pôde manter os investimentos sociais, ponto positivo do governo de Chávez.

O controle nos preços e do câmbio, para evitar a inflação e a fuga de dólares, desestimularam os investimentos de iniciativa privada e alimentaram a corrupção entre os militares e membros do governo. O desvio ilegal provocou escassez da moeda estrangeira dentro do país, agravando o problema de abastecimento.

Em 2015, o chavismo perdeu o controle do Parlamento e Maduro, temendo que os oposicionistas tentem tirá-lo do poder por meio de um golpe, decidiu convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, retirando totalmente o poder do Legislativo comandado pelos opositores e criando uma instância paralela de decisão. O chavismo também domina o Tribunal Supremo de Justiça.

Hoje, a Venezuela de Maduro sobrevive graças ao apoio da Rússia e da China. Caso contrário, os Estados Unidos, que deram sua contribuição ao desastre econômico, interviria militarmente, algo corriqueiro quando o assunto que mais interessa aos americanos é o controle do petróleo.

(Com informações de El País e da BBC)

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais