O “Não” para a paz: a Colômbia e as FARC

O fato de que a Guerra às Drogas foi um fracasso global não é novidade para muitos. Entretanto, o modo como a mesma foi tratada dentro de cada Estado, em especial na América Latina, após sua constatada falência é pouco trabalhada pela mídia convencional, ainda mais em um cenário geral de polarização política crescente que tem sido perceptível em vários países da região. Ao unir esses dois aspectos – consequências da Guerra às Drogas e polarização recente da política- temos como principal caso para atenção dos efeitos escalonados que essa política de segurança trouxe: a relação Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC).  

O confronto entre esses dois agentes beligerantes não é novo, data a partir de 1964, quando o grupo revolucionário foi criado, junto a vários outros dentro do cenário de questionamento ao status quo político nacional. Muitos desses grupos detinham ideários revolucionários inspirados na Revolução Cubana, cujo resultado contra a elite política e tradicional de seu país logrou instaurar o comunismo dentro da ilha caribenha. Inspirados nesse mote, as FARC iniciaram seu processo de questionamento político e também do uso da violência como modus operandi de atuação, utilizando-se das táticas de guerrilha para o combate. No evoluir desse confronto, as FARC encontraram como parte de financiamento, ao mesmo tempo, a aliança com a plantação e venda de drogas ilícitas, chegando a controlar zonas dentro de distritos da Colômbia.

É neste exato sentido que a expansão da Guerra às Drogas, promovida pelos Estados Unidos, a partir dos anos 1980, refletem particularmente na Colômbia e transborda para os seus vizinhos. Conhecidamente iniciada a partir de incursões dentro do país sul-americano na caça ao “patrón” Pablo Escobar, os Estados Unidos sagram sua permanência em território colombiano em 2001 com o Plano Colômbia, instalando bases militares e mobilizando tropas para o combate ao narcotráfico em sua fonte, considerado por este país não como um assunto doméstico, mas como um problema transnacional. A entrada do exército estadunidense e o intenso combate nas zonas ocupadas de fato escalonaram o conflito e ampliaram de uma questão interna para um problema regional, transpassando os meros atores beligerantes iniciais.

A partir do ponto de vista social e político do processo de construção da paz na Colômbia, a entrada dos Estados Unidos provocou a ascensão da violência e a perda de diversos canais para o diálogo. Um dos objetivos primais das FARC é ser reconhecido como partido político e lutar por suas causas pelos meios legislativos dentro do cenário nacional. A entrada dos EUA no conflito fez apenas com que, por mais de uma década, a possibilidade fosse negada, sendo simbólico o reconhecimento do grupo como uma ameaça ao Estado, aplicando a excepcionalidade aos seus partícipes, imediatamente identificados ou como criminosos ou como inimigos de guerra.

Tal percepção também ofusca o entendimento das FARC como um fenômeno social de resistência. Não justificando aqui os meios empregados para fazer valer o ponto de vista da guerrilha, mas é comumente esquecido ao tratar do grupo que o mesmo tem adesão de camadas populares no interior do próprio país, em um fenômeno que mostra a rebelião do povo contra os políticos e classes dominantes a partir “ das vias de fato”.

Entender também o confronto a partir de tal perspectiva explica parcialmente o porquê do grupo durar tanto tempo e manter ainda tanta relevância.
E, além desses fatores, o confronto também reverbera nas disputas geopolíticas regionais, em especial pela presença dos Estados Unidos no sub-continente. Com as bases colombianas, os EUA ganham espaço para rápida ação e mobilização próximo aos países da bacia Amazônica em qualquer um dos lugares que mantenham interesse. Tais bases também geraram um grau de maior animosidade entre a Colômbia e a Venezuela, este tendo seu território violado pelas forças que agiam na Colômbia contra as FARC. O imbróglio diplomático foi resolvido e suavizado pelo Brasil em ação conjunta com os outros países da região, dando espaço para a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, dentro da UNASUL, justamente para afastar os EUA de temas que tratassem especialmente da América do Sul. 

Em Outubro de 2016, no entanto, o confronto parecia caminhar para o fim que poderia levar à paz. Depois de quase 4 anos de negociação e mediação internacional, o governo colombiano de Manuel Santos levou à votação de plebiscito o tratado de Paz entre as FARC e a Colômbia, já tendo sido iniciado o processo com um cessar fogo no mesmo ano. Entretanto, de modo surpreendente, a votação pelo “SIM” ao acordo de paz perdeu para o “NÃO”, impedindo o avanço nas negociações. Dentro do acordo, estavam inclusas cláusulas que reconheciam as FARC como partido político e lhe dariam 10 cadeiras no poder legislativo, além de perdoar parcialmente aos crimes de guerra, convertendo-os em penas de trabalho comunitário. O que também impressionou pela vitória do “NÃO” foi a demografia de seus votos, cujo peso maior teve em zonas na qual as FARC não ocupa e que as partes ocupadas, o “SIM” deteve a vitória, entretanto, não em número suficiente.

Mais do que uma aparente sensação de revanchismo de parte da população colombiana contra o grupo guerrilheiro, é demonstrada na votação a vontade daqueles que convivem com as ações do grupo a vontade de uma negociação para a paz. O acordo, em realidade, não seria a garantia do fim da violência dentro da Colômbia, o fim do narcotráfico e nem de que a paz e as soluções chegariam a todos os lugares que sofreram com a guerra. No entanto, seria o primeiro passo para o alento das feridas já marcadas por um longo confronto, enaltecido pela distorção da natureza de um conflito, transbordando para uma situação que divide o país e traz riscos ao próprio continente. A posição das FARC é continuar com o diálogo, entretanto, Manuel Santos termina seu mandato em 2018, deixando para o próximo presidente o destino entre afirmar o caminho do diálogo e recrudescer nas vias do conflito.

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