Reflexão à Quaresma II

Num dos seus primeiros questionamentos, o Pesquisador e Padre Católico, John P Meier, procura saber se seria possível encontrar algum testemunho, alguma informação independente do Novo Testamento, a respeito do Jesus Histórico.

 

Quais seriam então tais conceitos de base?

 

O que seria o Jesus Real, e o que seria também o Jesus Histórico?

 

John P. Meier insiste no paradoxo: “O Jesus Histórico não é o Jesus Real e O Jesus Real não é o Jesus Histórico”.

 

Para Meier, não há clareza na distinção destes dois conceitos, o “Real” e o “Histórico”, com a pesquisa do Jesus Histórico se chocando com perenes confusões; “ses perpétuels malentendus”.

 

Daí ser preciso distinguir, em claridade, estes dois conceitos.

 

O que seria o Jesus Real, o Nero Real, o Alexandre, o Grande, Real, personagens perdidos na história do tempo, ou mesmo, Getúlio Vargas, na nossa história recente, e até mesmo por extensão de exemplo, Jair Messias Bolsonaro, uma citação absurda por certo, afinal a estes, e não a aqueles, é possível conhecer a sua realidade, definida de uma maneira global e radical, não tão isenta de passionalismos sobremodo, mas assim mesmo bem mais fácil de conhecer e preterir.

 

No caso destes personagens públicos mais recentes, o historiador e o biógrafo podem construir um retrato razoavelmente completo, juntando dados, testemunhos trágicos, jornais, uma montanha de informações, com certeza, não tanto porém, “bem comprovados e descontaminados”, como se exibem.

 

A título de modelo, John P Meier cita Richard Nixon, o ex-Presidente americano, então vivo, creio eu, ao tempo da feitura de seus livros.

 

Nixon que fora, ou era, um ser altamente político, mas ainda real, cuja biografia, a depender de quem a escreveria um dia, iria conter juízos de valor, e como tais nem sempre imunes, mesmo à farta documentação, em vídeo, foto, informações e estatísticas, sobretudo nos entreatos terminais da Guerra do Vietnam, esquecendo-se talvez, da sua vitoriosa política de “détente”, com a União Soviética e a China Comunista, gestada em parceria com Henry Kissinger, seu Ministro, em final da Guerra Fria, preferindo maximizar o traumático escândalo Watergate, que o levou à renúncia do cargo, ao qual fora eleito em expressiva maioria.

 

Em outros “approaches”, e mais próximos, porque nossos e já acontecidos, abro um colchete sem sair do tema, porque se fala mais do suicídio de Getúlio Vargas, causas e razões, do que da sua política social vitoriosa de pacificação nacional, presidindo o país como ditador sorridente de 1930 a 1945, charuto aos dentes, e entredentes, por quinze anos, longos anos, numa contradição jamais editada.

 

Poder-se-á falar das suas “rasteiras notáveis”, cantadas nos cafés-concertos de então, em rebolados de um Gegê, baixinho em bombachas, com erre de rei roído de rato, erre aspirado do Sul, homem quase da fronteira, acostumado ao “tempo e ao vento”, e até ao sota-vento dos chimangos e maragatos, muitos desgastes de desbastes e de desgostos, golpes incomuns de agosto, outras aves de arribação, como ximangos e pica-paus…

 

Tudo que foi e que não foi, com tanta gente “cantada no pau”, em fatos, versões e lamentos, como se diz ainda no mesmo colchete, e por ricochete, do Messias Jair, o Bolsonaro, o malfadado e mal falado “capitão de pijama” em  “rachadinhas”; e expertises outras, repetidas “ad nauseam”, de uma “bomba tentada e intentada”, em croquis seu imaginado e desenhado, nada de ingênuo ou de insinuo em apocrifia, de uma bomba de breu, para o que não creu, mas quis crer o que bem creu, porque mortífera, letal e determinante, era para ser, ou ter sido; no traque, no araque, ou no basbaque, um ataque que melhor o fulminasse, desde antes, no pré antes, sem pós e sem depois.

 

E como não houve tal esconjuro, por depois, “descondenou-se”, verbo defectivo e contumaz, por uso comum de contento, ou lamúria de lamento, porque se restou assim sua inocência processada e definida em maioria, de 9 a 4, documentada, por transitado e julgado, resolveu ser invertido o resultado, para ser condenado o réu insuspeito, por 4 a 9, em maioria, e que se danasse a melhor valia, erigindo-se o ser e a arrelia, por final de anomalia.

 

E porque nesse caso, o 9 a 4 invertido, até poderia virar unanime condenação, uma unanimidade que não seria burra, nem iria conflitar com a idiotia ao Rodrigues Nelson, porque a vida é assim, como ela não é, mas deveria ser, para uns, e só para estes, em “burrice crescente e eterna”.

 

Tudo isso gracejando a título de parênteses, só para “charlar”, palavra nova que pode tudo verter, para exarar o conteúdo esvaziado que alguns possuem e nada preenchem, nem a si, nem ao seu entorno, graças à Deus, e felizmente!

 

Em fechando o colchete, por explicitação de minha permanência por vigia na velha trincheira de luta, volto às minhas velhas costuras, por cerzideiras renhidas, só para dizer que o “Real” e o “Histórico”, tão distintos, quão diferentes, têm pouca coisa em comum, escapando-nos, ambos, numa realidade que o leitor bem pode aquilatar, aceitando, rejeitando, lamentando e até desistindo de ler por aqui, me abandonando!

 

Dito assim, se é difícil o traçado perfeito de um retrato, distorcido em tantas conveniências, de personagens afins, como os acima citados e polemizados, que dizer de Jesus de Nazareth, nunca isento de paixões, e de ódios também, porque em seu nome muitos erros foram erigidos, muitos patíbulos erguidos, muitas fogueiras ardidas, pelos homens, todos do nosso passado e presente, nós, os seus defensores, detratores ou indiferentes.

 

E nesse ingente contexto, John P Meier avisa logo por preâmbulo: se o leitor desejar conhecer o Jesus de Nazareth Real em seu livro, deve fechá-lo imediatamente, porque a “história razoavelmente completa do ‘Jesus Real’ está irremediavelmente perdida, não porque Ele não tenha existido, já que sua existência é uma certeza, mas porque as fontes que sobreviveram não registram e nunca procuraram consignar os atos e palavras do seu ministério público, sem falar do resto de sua vida”, que permanece esquecida na poeira do tempo, por relatos de lembrança.

 

Não é assim que acontece com todos os personagens históricos como Sócrates, Pitágoras, Alexandre, e que ninguém discorda da sua existência no tempo e na História?

 

E mais: algumas dessas figuras como Cícero, Júlio Cesar, Marco Aurélio deixaram um acervo de escritos, e ninguém os consegue biografar de uma maneira cabal, completa e definitiva.

 

Uma dificuldade inerente à História Antiga comparada com a natureza da Ciência, à falta de dados e estatísticas confiáveis, distinguindo-a das Ciências, ditas “Sólidas”, ou “Duras”, como a Física, a Química, por exemplo, ou “Exatas”, como a Matemática, e até mesmo das Ciências “Leves” e humanas, estas que só o homem pode conhecer, o homem e a mulher, que seja logo citado para eventual amparo “wokista”, por modismo hodierno de patrulhas, afinal são os homens e as mulheres que fazem e constroem a história humana em caminhos, descaminhos e experimentações de ensaio e erro.

 

O que me faz lembrar de Gian Batista Vico (1668-1744), o sábio napolitano em seu trabalho maior “La Scienza Nuova”, a Nova Ciência, em que disserta sobre as ciências, os tipos de governo, de linguagem, de jurisprudência e costumes, filosofia e filologia, teologia civil e racional da providência divina, a teoria histórica referida de corso e ricorso, avanços e recuos, célebre teoria de “Corsi e Ricorsi”, muitas vezes referida em meus textos, nunca na profundidade merecida, mas ousada e pesquisada, a suscitar pedradas, de quem não o faz, afinal aquele que não reza, sempre pode xingar a Deus, e por que não fariam a mim, lapidar um ser micuim, tão mirim e sem espadim?

 

Porque segundo Vico e não a mim, para se conhecer verdadeiramente a natureza de uma coisa é necessário tê-la construído.

 

As coisas criadas por Deus, fala o mestre Gian Batista, só Ele o pode conhecer, verdadeiramente.

 

O homem pode no máximo desvendar pouco a pouco os seus mistérios, postulados e enigmas.

 

Já a História Humana, o “mundo das nações”, porque criado pelos homens, homens e mulheres, porque assim o criaram podem estes “esperar conhecer”.

 

Onde o “esperar conhecer” está entre aspas, afinal falta-lhes, no meu entender, a clareza matemática, sem a qual tudo sucumbe.

 

Ou seja: tudo vira fato, enseja versão, eiva-se sobremodo de falta de clareza, quanto mais de perfeição.

 

E olhe que ao falar de clareza, não estou a me referir ao “frenesi de claridade”, que avocava para si, Dom Ortega e Gasset (1883-1955), no seu ensimesmar em “Esquemas de Crise à Galileu”, tentando entender a História e buscando salvar a si próprio e a sua circunstância, em seus ciclos e hemiciclos, e até aos eventuais hemistíquios rotineiros, porque aí esquecidos estão os eventuais geocentrismos ou heliocentrismos, e coisa que tais em fraude de ereção de fogueiras, preferindo se enveredar pelos versos e reversos da pior rima, por censura e cesura, da questura que vem, vai e volta, e que dura e perdura.

 

E aí eu me volto para a dificuldade de conhecer Jesus, mais difícil repito, que conhecer Tales, Empedocles, Arquimedes de Siracusa, bem lembrado por mim, nesse inicio de fevereiro, porque completei “Bodas de Ouro” sem alardes, nem festas, com minha Tereza, ao lado da nossa prole, abençoado pelo Padre Valtewan Cruz, fazendo as vezes, por missão do Monsenhor Eraldo Barbosa que nos casou no já distante 1973, e do Monsenhor Claudionor de Brito Fontes, que nos renovou as bênçãos nas Bodas de Prata, vinte e cinco anos passados, tudo na mesma Igreja Pequenina de Nossa Senhora Menina, onde trocamos alianças, deixando aquela de prata pela de ouro renovada, em mesmas juras de sonhos iguais.

 

A lembrança surgindo-me porque, em buscando a feitura das novas alianças, conheci o ourives, Sr. André Luiz Lima Santos, tendo com ele batido um bom papo sobre água régia, e outras misturas ácidas e básicas, cabendo até um pouco da conta, e por conta de um ex-professor, aposentado, falar do nônio, do vernier, das incertezas num paquímetro, medidor preciso de vaus internos ou externos, e até das eventuais reentrâncias dos objetos, oportunidade para lembrar, por que não?, da descoberta do Empuxo dos Líquidos, atribuída a Arquimedes de Siracusa, e aos seus alaridos famosos de “Eureka!”, do banho seminu, pelo burgo ensandecido, porque só com parcas pesagens, por demiurgo experimento, poder-se-ia saber o quanto de ouro e de prata, ou de cobre, estariam misturados numa joia, seu problema postulado por um rei desconfiado, cuja coroa fora malfeita, por um ourives adulterada.

 

O que me faz lembrar do meu mestre Leonidas Tancu, um “Sergipano nascido na Romênia”, que Sergipe esqueceu, ele um Homem notável, como Mestre de tantos que perlustraram as Ciências Exatas em nosso Estado.

 

Mas, o que fazer se tudo isso é o que foi, e que aconteceu, como assim deve ser, passar, seguir adiante, alçar vou, voar como as aves, que passam sem singrar rastos, como bem louvava o poeta?

 

Se ao homem é possível juntar cobre ao ouro, e enganar o que reluz sem desdouro, a dificuldade de conhecer Jesus se faz tão difícil que até mesmo figuras mais recentes como a mãe de Kepler e a avó de Ticho Brahe.

Não é assim que o vulgo fala do que não conhece nem deseja, e prefere a versão que melhor lhe soa e sobeja, por brilho tosco de cara e coroa?

 

Por acaso alguém duvida que Davi, Salomão, tenham realmente vivido e reinado, mas que, fora da Bíblia, nada ou pouco existe que comprovem seus feitos e realizações, inclusive como notáveis garanhões, promíscuos e conspícuos adulterinos, com centenas de mulheres, esposas e concubinas, em prole exígua, ao que parece , justo em tempos de grande longevidade e sem eréteis queixas!

 

Isso, porém, é outra história, estória que não interessa.

 

De concreto, esboça John P Meier, não podemos conhecer o Jesus Real.

 

Razoavelmente, todavia, pode-se conhecer o “Jesus Histórico”, embora não existam vídeos do seu julgamento perante Pilatos ou o Sinédrio.

 

Há ainda outras dificuldades em outros “alvédrios” ou alvedrios, afinal há um “Jesus Terreno”, um “Jesus em sua vida na terra”, e um “Jesus terreno também em suas aparições após a Sua Ressurreição, testemunhada até em imolação da própria vida por apóstolos e mártires”.

 

Nesse contexto, dissera Paulo, lapidarmente, ele um mártir também em lição para nós todos: “Se o Cristo não ressuscitou, vã é a vossa fé” (1 Coríntios 15:12-23).

 

Ao lado de tudo isso, há um outro debate, que se faz mais nebuloso, por científico, uma vez que há uma discussão do que seja “Histórico” e “Historial”.

 

E aí a coisa se complica para os comuns mortais como eu, afinal tais conceitos permeiam estudos de um teólogo alemão famoso, Rudolf Karl Bultmann (1884-1976) que construiu uma vertente onde não ouso adentrar.

 

“Histórico” viria, por raiz, do idioma alemão de “historish”, enquanto “Historial” derivaria de “geschichtlich”, palavra que não sei nem pronunciar, quanto mais nelas perquirir sem me perder.

 

Do idioma alemão, lembro de frases que gravei enquanto estudante: “Deutsch ist schwer?” O alemão é difícil? “Nein, Deutsch ist nicht scwer!” Não o alemão não é difícil! Valendo como piada, porque de alemão nada aprendi.

 

Para John P Meier, em discutindo o histórico (historish) e o historial (geschichtlich), Bultman tentara fazer uma síntese entre o cristianismo e o existencialismo na linha de Martin Heidegger (1889-1976) o celebrado, e mui execrado também, Reitor da Universidade de Freiburg, justo porque fora nomeado por Adolf Hitler e membro desde 1933 do “Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei” (NSDAP), Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou simplesmente Partido Nazista.  Heidegger, figura notável do pensamento filosófico europeu, que suscita ainda debates intermináveis sobre a periculosidade da filosofia, mestre, e que foi também namorado (o que não é importante) de Hannah Arendt (1906-1975).

 

Arendt que traça um perfil notável de seu mestre Heidegger, em seu celebrado ensaio sobre “Homens em tempos sombrios”, da Companhia das Letras, onde ali se lê sobre a vida e a obra de Herman Broch, Karl Jaspers, Bertolt Brecht, Angelo Roncalli o João XXIII, Isak Dinesin e Rosa Luxemburgo, entre outros.

Livros de Martin Heidegger e de seus muitos apreciadores e até detratores, o que é lamentável!

 

Heidegger que fora perseguido e proibido de lecionar no pós-guerra pelas nada ternas patrulhas ideológicas.

 

E nesse particular, leia-se tal discórdia em Victor Farias, Zeliko Loparic e Rüdiger Safranski, só para falar dos textos que vadeei e recomendo, e para dizer que no campo das ideias, nunca as disputas se fazem norteadas na razão e sem excessos de proselitismos.

 

E se os homens se digladiam, ofendem e matam, em tantas coisas, o que dizer do estudo do Jesus, do que foi ou do que não foi, a luz da ciência, ou a ela por distante e destorcido?

 

Assim, entendendo que vale à pena, a título de jejum e penitência de gozos, fazer um pouco de abstinência, por pausa, renovo o tema Quaresmal da fome que é minha e que escolhi, tentando saciar um pouco da minha necessidade de reflexão e estudo, sobre a fragilidade que todos temos e possuímos, tão imperfeitos quanto seres incompletos e vazios, a requerer do Deus Criador a inteligência, a vontade e a inspiração dos nossos dias, para vencermos juntos, ensimesmados ou sozinhos, o perscrutar das nossas dúvidas.

 

Vamos em frente!

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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