Reflexão à Quaresma

Eis que de novo, inicia-se uma nova Quaresma.

 

Eu sou do tempo em que na Quaresma, as imagens dos Santos eram cobertas de roxo em todas as Igrejas.

 

Dizia-se nas minhas lembranças, que os Santos exibiam assim o seu luto, o seu pesar, que devia ser de todos, frente a morte anunciada do Senhor.

 

Quaresma era um tempo de penitência, de oração diária nas recitadas Vias Sacras, percorrendo as cenas da crucificação de Jesus expostas para veneração nas laterais e contornos das Igrejas.

 

Quaresma, de quarenta, alusão ao tempo em que Jesus, após ser Batizado por João Batista no Rio Jordão, retirara-se para um jejum no deserto de quarenta dias, preparando-se para a sua pregação pública.

 

Quaresma de quarenta também, porque foram estes os números dos anos que os Judeus vaguearam pelo deserto do Sinai, seguindo Moisés, após o cativeiro no Egito, em demanda da Terra Prometida por Deus, onde jorraria, em promessas, leite e mel.

 

Quaresma que era um tempo de Jejum e Abstinência, onde jejuar e se abster de carne consistiam preceitos tão recomendados, que os não cumprir, consistia uma falta assaz gravosa, um Pecado Mortal, como se dizia então, passível de punição perpétua e definitiva.

 

Hoje, os pecados são outros e a punição também.

 

A Igreja nos seus misteres entendeu tematizar o assim chamado “Pecado Social”, onde no centro, por origem, jaz uma condenação do Capital, entendido como recesso de todo o mal, da comum desigualdade, nivelando-o, sem afirmar no tanto, com a luta política das ideologias igualitárias, para as quais toda fé constitui “ópio do povo”, sem a qual toda prece se faz inútil.

 

Se não é assim, vê-se hoje um excessivo “horizontalismo”, por inspiração nos braços da cruz, desprezando a verticalidade do madeiro, porque segundo interpretação de alguns, tal vertente do crucifixo ao voltar-se para o alto, onde está, ou estaria, o Salvador, ensejar-se-ia uma tosca ilusão, um alienamento indiferente, enquanto só no braço horizontal, mereceria a verdadeira prece, por ofertório, qual seja aquela de alcançar a inteira humanidade, numa igualdade construída, no aqui e no agora já, entre irmãos.

 

Interessante, é que esta vertente hoje importante, se fez impotente, após dois mil anos de Igreja, justo quando resolveu encarar para si o que lhe era crítica; o anticlericalismo revolucionário dos enciclopedistas do século XVIII, e as utopias brandas ou raivosas dos igualitaristas que os seguiram.

 

Dito assim, volta-se em eterno retorno, àquilo que campeia na prece, à Quaresma, ao jejum e à penitência, porque para estes, agnósticos apressados e desenganados, somos cadeia simples e alimentar de vermes.

 

Não, e aí está o cúmulo da pregação Crística: a longo prazo, nós não somos pura e simples cadeia alimentar vermicular.

 

Somos pó, diz a prece em toda Quarta-Feira de Cinzas, mas o Cristo Jesus, em morte anunciada hoje, por início da Quaresma, irá ressuscitar mais uma vez no seu fim, no Domingo Feliz da Ressurreição, porque assim de fato aconteceu, em promessas a nós todos também.

 

Esse mesmo Jesus desconhecido, esse ser marginal, como bem refletiu o Padre John P. Meier (1942-2022) em sua notável trilogia “Jesus, A Marginal Jew”, que ensejou supremos esforços no resgate de sua figura, enquanto homem perdido na poeira do tempo, e que jamais restou corroído pela História, justo por sua mensagem e promessa.

A obra magistral de John P Meier (volume 1) em sua edição francesa e portuguesa.

Jesus Marginal, porque insignificante enquanto relato dos cronistas de seu tempo, Flávio Josefo e Tácito,imperceptível mesmo como hebreu, e menos notado ainda do que fora João Batista, aquele que o clamara anacoreta no deserto.

 

Jesus Marginal, pelo tipo de condenação que sofreu, tanto aos olhos dos romanos quanto dos judeus, contemporâneos, por reprovação revoltante, medonha e repugnante, só destinada aos verdadeiros, e assim chamados; “marginais”!

 

Jesus Marginal, porque “se marginalizara”, abandonando trinta anos de carpintaria, profissão que em tese exerceria, por mister de seu pai, José, ele carapina também, virando um andarilho, um desocupado, ousando pregar na Sinagoga, sem estudo, sem preparo, e sem ser um cultor da Torah. Alguém que em lugar de se honrar adquirindo uma atividade útil, resolveu se cobrir de vergonha numa sociedade fundada no binômio “honra-vergonha”.

John P. Meier – Professor da Universidade de Notre Dame – USA, pregador católico, e renomado pesquisador bíblico falecido em 18 de outubro de 2022, aos 80 anos de idade.

Jesus Marginal, porque “se marginalizara” em seus ensinamentos conflituosos contra o sistema vigente condenando o divórcio, o jejum, o celibato e os fariseus enquanto “sepulcros caiados”.

 

Jesus Marginal, pelo seu estilo de vida, que se fizera como verdadeiro insulto, afinal no momento de sua morte estava tão odiado, por perigoso e altamente malquisto por todos que tinham algum papel político, seja dos piedosos fariseus, seus escribas e sábios, a Pilatos, o Governador Romano, e até dos comuns circunstantes, afinal ninguém lhe saíra em defesa, isso pelos fatos conhecidos e relatados em no ano 30 a.D., no principado de Tibério Augusto.

 

Jesus Marginal, enquanto estudo sociológico, por ser pobre, tornado profeta e mestre a chocar a sociedade urbana, sacerdotes ricos e aristocráticos, tudo o que podia ser varrido para o lixo da morte sem problemas.

 

Jesus, este mesmo ser Marginal, que a Quaresma nos convida a refletir.

 

E é isso que pretendo, retornando às minhas leituras de John P Meyer, livro que adquiri em 2005, “Um Certain Juif Jésus – Les Donnés de l’Histoire – I Les sources, les origines, les dates”, ou em sua publicação pela Imago: “Um judeu Marginal – repensando o Jesus histórico”, cuja leitura é fascinante.

 

Quanto a John Paul Meier, vejo na internet o que nunca antes dele soubera.

 

Ele foi um padre católico, um estudioso bíblico norte-americano e autor da obra monumental “A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus”, em 5 volumes, e também de outros seis livros, e de mais de 80 artigos para revistas, que desconheço, e que faleceu em South Bend, Indiana em 18 de outubro de 2022, após uma longa e produtiva vida.

 

Algo que bem merece refletir nessa Quaresma iniciada.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais