Os incômodos e os incomodados do Pré-Caju

Quinta-feira, 23 de janeiro de 2014. O Pré-Caju ainda não começou, mas já são 31 dias de interrrupção da ciclovia da Avenida Beira Mar para a realização da maior festa privado-comercial de Sergipe. Festa privada, sim, afinal nunca é demais lembrar que nem todos podem participar. E dentre os que participam, nem todos têm o mesmo nível de segurança (não faltam relatos de como a PM usa uma medida para os que estão dentro das cordas e outra, bastante distinta, para os que estão espremidos fora das cordas). Festa comercial, sim, porque o objetivo é apenas um: gerar lucro para a Associação Sergipana de Blocos e Trios. Importante frisar isso para, em meio a nossa cultura festiva, não cairmos na falácia de que o Pré-Caju é uma festa "pública" ou "do povo", como tentam nos empurrar ouvido abaixo.

Na madrugada de domingo para segunda, o Pré-Caju 2014 será oficialmente encerrado. Apenas oficialmente, já que as suas consequências para a mobilidade urbana na capital permanecerão por um razoável tempo. Caso seja mantida a média dos últimos anos para desmontagem de toda a estrutura, teremos, aproximadamente, mais um mês inteiro de ciclovia invadida.

E não é só a ciclovia que é afetada. Ruas são interditadas, pontos de ônibus desativados, trânsito é alterado, áreas de lazer e prática esportiva são fechadas. Tudo isso numa época em que muitos trabalhadores estão de férias e podem caminhar pelo calçadão durante o dia, momento em que crianças e adolescentes estão sem aulas e podem aproveitar melhor a ciclovia, ocasião em que turistas visitam Aracaju e desejam passear pela cidade. Em síntese: é a livre locomoção pelo espaço urbano, direito garantido constitucionalmente, que é afetada.

Tem mais. Durante os três dias de festa, a Secretaria de Segurança Pública colocará 1300 policiais para trabalhar exclusivamente no Pré-Caju. Lembremos: Polícia Militar, instituição pública. Pré-Caju, festa privada. E o policial que se negar a trabalhar para a ASBT pode, simplesmente, responder por crime à Justiça Militar.

Sem falar nos investimentos públicos. No site oficial do Pré-Caju temos lá como patrocinadores oficiais: Banese, Governo Federal e Petrobrás. Como apoio, Prefeitura de Aracaju e Governo de Sergipe.

Os donos da ASBT ignoram todos os problemas e alardeiam o mantra “o Pré-Caju é um sucesso”. A Prefeitura Municipal e o Governo Estadual fingem não estar vendo nada e fazem de conta que não têm nenhuma responsabilidade. Na abertura da festa, estarão de mãos dadas. Ao final da festa, inundarão a imprensa com números do “sucesso” do evento para o turismo, a geração de empregos (?) e a economia da cidade.

Já os legislativos municipal e estadual, depois que incluíram o Pré-Caju no calendário da cultura e do turismo de Aracaju (1993), definiram a ASBT como gestora da festa (1996) e lhe concederam o status de Utilidade Pública Estadual (1997), nada fizeram. Ou melhor, algumas audiências públicas até discutiram o tema, como uma que aconteceu em abril do ano passado na Câmara de Vereadores. Na oportunidade, os parlamentares da bancada governista se preocuparam em apenas criticar os que criticam a realização da festa na Beira Mar. Alguns chegaram a dispararar: “isso [criticar os problemas de mobilidade gerados pelo Pré-Caju] é coisa de quem não gosta de festa, de quem é contra o desenvolvimento de nossa cidade”.

Realmente, eles devem estar certos. Afinal, como escreveu essa semana o jornalista Rian Santos, no Pré-Caju prevalece a lógica “os incomodados que se mudem”…

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