Por que a violência cresce?

Se os indicadores sociais melhoraram visivelmente no Brasil pós-Lula, por que a violência não para de crescer? Não se diz sempre, e com razão, que a violência está associada à miséria? Ao contrário de acompanhar a escalada dos mais pobres a um nível de vida melhor, os índices criminais projetam-se numa escala anual média de 5%.

Esse problema nas cidades grandes tornou-se crônico, mas já não se fala somente em violência urbana, porque a violência se disseminou por todos os lugares e hoje não se vive mais sossegado nem no campo. No Nordeste, os índices de violência já são assustadores. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 50% no número de homicídios em todo o estado da Bahia. Em Sergipe, é visível o crescimento da violência contra a mulher e contra o patrimônio alheio. E as chacinas?

Outro dado a se lastimar: oito dos nove estados nordestinos estão entre as 12 unidades da Federação onde é maior a proporção entre os assassinatos de negros e brancos jovens, de até 24 anos. Nessa faixa de idade, em Sergipe morrem 249% mais negros do que brancos, dados do Ministério da Justiça, 2008. (Confira o texto “Moreno escuro é seu passado”, de 27 de março)

A verdade é que a violência é a conseqüência de causas variadas. Os estudiosos relatam que as principais causas da violência são: o desrespeito, a prepotência e as crises de raiva causadas por fracassos e frustrações – além das crises mentais, anomalias patológicas que, em geral, são casos raros. A violência pode ser interpretada como uma tentativa de corrigir o que o diálogo não foi capaz de resolver e funciona como um último recurso que tenta restabelecer o que é justo segundo a ótica do agressor.

É um choque com a lógica do mercado, onde os menos favorecidos são excluídos, são marginalizados. Diante de sua própria indigência, esses não relutam em recorrer a práticas violentas para possuírem o objeto de seus desejos: o que tem a perder aquele que nada tem, nem mesmo dignidade humana? Portanto, o crescimento desmedido da violência também está focado no desemprego e no subemprego, que tem suas raízes no Estado Liberal.

“O Estado Liberal criou as condições para a sua própria superação. Em primeiro lugar, a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo, que ignorou a natureza associativa do homem e deu margem a um comportamento egoísta altamente vantajoso para os mais hábeis, mais audaciosos ou menos escrupulosos. Ao lado disso, a concepção individualista da liberdade, impedindo o Estado de proteger os menos afortunados, foi a causa de uma crescente injustiça social, pois, concedendo-se a todos o direito de ser livre, não se assegurava a ninguém o poder de ser livre”, leciona o jurista Dalmo de Abreu Dallari (Elementos de teoria geral do Estado, Saraiva, 2001).

Há 50 anos, o Rio de Janeiro tinha uma população de 3 milhões de pessoas e havia 300 mil favelados. Atualmente a capital do RJ possui 6 milhões de habitantes e 2 milhões de moradores em favelas e cortiços. Os mais propensos à exclusão ontem eram 10%. Hoje são 33%.
A questão essencial está no emprego e no salário que sustenha o mínimo e pelo menos acompanhe a inflação. A gritante e imoral distribuição de renda brasileira ainda é o grande diferencial que explica a violência no país. Mas por que o Brasil, 7ª potência econômica do Planeta, insiste em ser um dos países mais violentos do mundo, mais do que muitas nações reconhecidamente miseráveis da África e da Ásia?

É certo que o Estado precisa estar mais presente na vida do cidadão, garantindo melhor educação, saúde e segurança pública. Mas a violência também passa pela impunidade que beneficia desde os grandes corruptos até os pequenos delinqüentes – mais aqueles do que esses. Como diz o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, as organizações criminosas brasileiras estão cada vez mais ousadas e o sistema penal se tornou uma colcha de retalhos, “com brechas adrede construídas por leis para os poderosos (com poder do Estado) e os potentes (com capacidade financeira) alcançarem a impunidade”.

A legislação criminal e penal é frouxa, permite todo tipo de chicana jurídica e garante que muitos bandidos nem sequer vão preso, ou sejam logo liberados. Vide o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que foi condenado a 13 anos de detenção por gestão fraudulenta e desvio de dinheiro público, resultando num prejuízo aos cofres públicos de R$ 1,5 bilhão. Três anos depois de preso já está livre, leve e solto.

Há quem vislumbre uma notória e manifestamente errônea concepção dos direitos humanos, favorecedora apenas dos criminosos em detrimento da sociedade e das vítimas. Segundo esses, há “uma violência legal contra a sociedade que os defensores dos direitos humanos insistem em não reconhecer, já que só tratam de ampliar os direitos dos criminosos em detrimento da sociedade”.  A violência, assim, encontraria guarida na própria legislação, “que visa apenas tutelar o criminoso e não defende a sociedade, já que aquele é, incontestavelmente, o verdadeiro privilegiado”.

Independente desses que militam contra os direitos humanos, parece evidente que a punição dos criminosos deveria ser mais rígida e que a Lei de Execução Penal mereceria mais do que ser atualizada.

No entanto, não se pode se queixar da inação das autoridades. A população carcerária brasileira duplicou ao longo dos últimos nove anos, enquanto no mesmo período o total de habitantes cresceu 12,5%. O total de presos em todos os Estados, hoje, é de 473 mil. E haveria aproximadamente 300 mil mandados de prisão a serem cumpridos pelas autoridades policiais. Se esses outros criminosos fossem efetivamente presos o sistema carcerário, já sobrecarregado, não suportaria.

Esses dados por si só atestam o crescimento da violência e da criminalidade e não há possibilidade de o número de vagas nas prisões seguir esse ritmo.

Deve-se buscar as causas da violência também na polícia, que quando não é mal remunerada é despreparada. Não é raro que os policiais sejam atraídos pelas facilidades da corrupção e da criminalidade.

E como se esquecer da desagregação familiar, raiz de quase todos os casos de desajuste psicossocial que se manifestam na juventude? E da permissividade dos adolescentes, supostamente garantida pelo ECA, a conferir-lhes uma liberdade para fazerem o que acham que é certo, desrepeitando solenemente o direito do próximo, mesmo aqueles que vivem tão próximos?

E pouco se fala da covarde violência doméstica, da violência física ou das palavras, das mães que ainda batem nos filhos pequenos, dos filhos que maltratam seus velhos, dos machões que oprimem, quando não espancam, as mulheres.

E a educação escolar não estaria em descompasso com os avanços da sociedade e da tecnologia, ajudando a distorcer a simbologia da escola que um dia foi considerada a segunda família?
E o aumento do consumo de drogas, principalmente do nefando crack? E não se pode desconsiderar o “marketing” que se faz da própria violência, que vende jornais e dá audiência a telejornais e programas de rádio tipo “mundo cão”.

Tudo isso é a prova do fracasso não só de todas as políticas colocadas em prática até agora para conter a escalada dos crimes e dos criminosos. É o fracasso de uma sociedade, que não deveria repensar somente uma suposta harmonia entre a prevenção que se destina a evitar o crime e a repressão que sucede à ação do criminoso. Deveria repensar os valores humanos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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