Submissão dos Ministros do STF ao controle do CNJ

A Ministra do Supremo Tribunal Federa, Rosa Weber, concedeu medida liminar em mandado de segurança (MS n° 31.578) determinando a sustação do procedimento administrativo instaurado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (instaurado mediante provocação formal do Senador Fernando Collor de Mello) para apurar eventual omissão/inércia/excesso de prazo do Procurador-Geral da República Roberto Gurgel no desempenho de suas funções referentes ao inquérito policial da “Operação Vegas” (que apura eventuais crimes praticados por “Carlinhos Cachoeira”).

O principal fundamento da concessão da medida liminar foi o de que a posição do Procurador-Geral da República frente ao Conselho Nacional do Ministério Público é simétrica à posição dos Ministros do STF frente ao Conselho Nacional de Justiça; e como os Ministros do STF não se submetem ao controle administrativo do CNJ (a decisão liminar da Ministra Rosa Weber cita a “preeminência” do STF sobre o CNJ, termo que teria sido expressamente utilizado no julgamento da ADI n° 3367-1), o Procurador-Geral da República também não se submeteria ao controle administrativo do CNMP.

Penso que o tema (submissão – ou não – dos Ministros do STF ao controle administrativo de correição quanto ao cumprimento de seus deveres funcionais a ser efetuado pelo CNJ) está a merecer melhor reflexão e devido amadurecimento.

Com efeito, a tese de que os Ministros do STF não se submetem ao controle do CNJ não foi propriamente decidida no julgamento da ADI n° 3367-1. Ali, o que o STF decidiu (decisão com efeito vinculante) foi pela improcedência da ação e pela constitucionalidade dos dispositivos impugnados, dispositivos inseridos na Constituição pela emenda n° 45/2004 (Art. 103-B e parágrafos, institucionalizadores do Conselho Nacional de Justiça). E nenhum dos dispositivos do Art. 103-B e parágrafos da Constituição faz menção direta e explítica à possibilidade, ou não, de que o controle que o CNJ tem competência para exercer incide, ou não, sobre os Ministros do STF. Daí porque não houve expressa impugnação de constitucionalidade quanto a esse ponto, do que resulta que não houve propriamente decisão sobre o assunto.

De fato, na ementa do acórdão da ADI n° 3367-1, aparece, em um dos seus itens, a “preeminência do STF sobre o CNJ”, do que decorreria que o CNJ não tem “nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito”. Essa tese aparece na ementa, mas ao longo do voto do Relator, Ministro Cezar Peluso, e dos votos dos demais Ministros, não aparece melhor explicada ou examinada (salvo em singela nota de rodapé no voto do Relator).

Observe-se que o ponto em questão poderia ter sido apreciado em sede de interpretação conforme a constituição ou declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto da norma do Art. 103-B, § 4° – que dispõe competir ao CNJ “o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” – para excluir da referência a “juízes” os Ministros do STF; todavia, essa decisão nem constou da parte dispositiva nem tampouco foi tangenciada na fundamentação.

Demais disso, não parece razoável excluir, por via de interpretação reducionista, o cumprimento dos deveres funcionais dos Ministros do STF da competência do CNJ. Se Ministros do STF são juízes – magistrados da mais alta Corte do sistema judicial brasileiro – dotados, por exemplo, das prerrogativas constitucionais dos juízes (vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios – Art. 95) e sobre os quais também incidem as vedações constitucionais aos juízes (Art. 95, parágrafo único), razão não parece existir para interpretar que a competência do CNJ de controlar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes não se aplica aos juízes Ministros do STF.

Submeter os Ministros do STF à competência correicional do CNJ em nada fragiliza a independência funcional da nossa mais alta Corte; como ficou bem esclarecido no voto do Ministro Cezar Peluso na citada ADI n° 3.367, a submissão dos poderes a sistemas de controle recíproco é da essência do princípio republicano e não fragiliza a independência funcional.

Admitir, como admitiu o Ministro Cezar Peluso ao citar, em nota de rodapé, lição doutrinária de Sérgio Bermudes, segundo o qual “a submissão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ao Conselho Nacional de Justiça” perturbaria a ordem constitucional, inclusive pela possibilidade de repercutir, de algum modo, nos julgamentos do órgão supremo do Poder Judiciário”, é admitir que a submissão dos juízes das demais instâncias do Poder Judiciário ao controle administrativo/correicional do CNJ possa “repercutir, de algum modo” em seus julgamentos, o que seria inadmissível interferência sobre a atividade fim do Poder Judiciário, que deve ter assegurada a sua independência funcional em todas as suas instâncias e não apenas na Suprema Corte. 

Por outro lado, eventuais abusos do CNJ no exercício da sua competência correicional estão sujeitos a controle jurisdicional do próprio STF (Art. 102, I, “r”, alínea acrescentada pela mesma emenda n° 45 que criou o CNJ), com o que se afasta eventual uso do poder correicional do CNJ sobre os Ministros do STF como forma de intimidação ao exercício independente de suas relevantes funções.

Finalmente, a circunstância de que a Constituição admite que Ministros do STF se sujeitem ao julgamento, pelo Senado Federal, por prática de crime de responsabilidade (Art. 52, II), não pode afastar a submissão dos Ministros do STF ao controle pelo CNJ do cumprimento de seus deveres funcionais; é que a responsabilização de competência do Senado Federal diz com as infrações de natureza “político-administrativa”, denominadas “crimes de reponsabilidade”, a juízo do órgão político da Federação que é o Senado Federal, sendo instância de decisão diferente da instância puramente administrativa que é, no caso, o CNJ.

E se portanto não é tão singelo concluir que os Ministros do STF não se sujeitam ao controle administrativo/correicional do CNJ, vale dizer o mesmo em relação à submissão do Procurador-Geral da República ao controle administrativo/correicional do CNMP.

Vale aguardar o desfecho do julgamento do mérito do Mandado de Segurança n° 31.578 , no contexto do qual se terá, aí sim, decisão propriamente dita sobre o tema objeto do presente artigo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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