TV Atalaia: o que realmente te choca?

Nessa quarta-feira, 25, a TV Atalaia deu um exemplo de desrespeito à diversidade sexual e, em especial, à população lésbica. Explico: o programa Balanço Geral Sergipe exibiu uma imagem de duas adolescentes se beijando em frente ao Shopping Jardins, enquanto o apresentador, Cláudio Luís, afirmava “veja o que a TV brasileira está fazendo na cabeça dos nossos jovens”. Para agravar o caráter sensacionalista e opressor, a câmera mostrava também uma mão do videomaker tentando acariciar as adolescentes.

Certamente, ao dizer essas palavras o apresentador fazia referência ao fato de uma novela atual da TV Globo, concorrente direta da TV Record (emissoral a qual a TV Atalaia é filiada), exibir cenas de beijo entre duas mulheres idosas, já que o fato tem repercutido bastante, principalmente nas redes sociais. É como se a TV Atalaia estivesse dizendo: “está vendo, sociedade preconceituosa? Nós estamos do lado de vocês. Duas mulheres se beijando também nos choca”.

Entendo que esse fato gera uma série de discussões relevantes e necessárias. Aqui, irei me ater a três: o papel dos meios de comunicação nas questões relativas aos direitos humanos; a conduta de profissionais de jornalismo; e a indignação seletiva da TV Atalaia.

Sobre o primeiro tema, nunca é demais dizer: rádio e televisão são concessões públicas, que têm uma série de princípios, inclusive constitucionais, a seguir. E como concessão pública, a televisão deve ser entendida como um ambiente não de negação mas de afirmação e respeito à diversidade. A televisão é, acima de tudo, um espaço que tem capacidade de formar valores, influenciar opiniões e comportamentos, tendo, portanto, um papel determinante na construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Mas a realidade brasileira é bem diferente: diariamente vemos lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais serem ridicularizados em programas ditos de humor; programas de televisão (como o Tolerância Zero, da TV Atalaia) criminalizam jovens negros e pobres; cotidianamente, por meio da publicidade e de outros formatos televisivos, mulheres são apresentadas como objetos. Por isso, a edição de ontem do Balanço Geral Sergipe confirma o que vemos todos os dias: a televisão como um instrumento eficaz de violação de direitos.

A respeito da conduta do profissional de jornalismo, recorro ao Código de Ética dos Jornalistas. O artigo 6º do documento que rege o exercício profissional dos jornalistas brasileiros, diz o seguinte: é dever do jornalista “opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. O artigo 7º, dentre outras coisas, prevê que o jornalista não pode “usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”. Em outras palavras, o Código de Ética nos diz: é papel do profissional de jornalismo, independente do meio de comunicação em que ele trabalha, prezar pela garantia da diversidade e do respeito aos direitos humanos. Ou seja, o oposto do que Cláudio Luís fez no programa dessa quarta-feira.

Impossível também não comentar o caráter seletivo da indignação expressa pelo apresentador do Balanço Geral Sergipe. Por que não vemos essa indignação, por exemplo, com o fato de no Brasil um homossexual ser assassinado em média a cada 28 horas? Por que não vemos essa indignação com o fato do Brasil ser o país que mais mata homossexuais (de cada cinco LGBT's assassinados no mundo, quatro são brasileiros)? Por que não vimos essa indignação da TV Atalaia com a morte por espancamento de Alex (em março do ano passado), criança de oito anos, que o pai agredia como 'corretivo' para que o menino, nas palavras do pai, 'andasse como homem'? Por que não vimos essa indignação da TV Atalaia com o assassinato a golpes de paralelepípedo de 'Madona' (travesti que vivia em Aracaju), em outubro de 2012?

Caso deseje rever essa postura, a Direção da TV Atalaia deveria pedir desculpas públicas pelo desrespeito com lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais; abrir espaço nos seus programas para que entidades de defesa dos direitos da população LGBT falem sobre as suas histórias de luta e sobre as suas reivindicações; garantir a essas entidades espaço publicitário nos intervalos comerciais do Balanço Geral; e promover atividades com integrantes dessas entidades dentro das redações dos seus programas, para o diálogo direto com os trabalhadores da emissora.

Por fim, mais uma sugestão: a direção da TV Atalaia convidar a jornalista Gabriela Moreira, da ESPN Brasil, para ministrar um curso para todos os profissionais e diretores da emissora. Veja aqui o motivo.

p.s: o próprio apresentador afirma que se tratam de duas adolescentes, mas pelas imagens não é possível confirmar isso. Caso sejam, de fato, duas adolescentes, abre-se aí mais uma discussão essencial sobre o direito à preservação de suas imagens, algo garantido no Estatuto da Criança e do Adolescente.

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