Um peso, duas medidas

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu na quinta-feira impedir que candidatos com contas de campanha rejeitadas disputem as eleições a partir deste ano. A decisão é polêmica, ainda resultará em muita discussão jurídica, mas cai bem numa hora em que o Judiciário, movido naturalmente por desejo da sociedade, busca maior profilaxia na escolha dos representantes do povo para os cargos executivos e legislativos.

Por 4 votos a 3, a corte definiu que não concederá registro aos postulantes a cargos públicos que tiveram as contas rejeitadas até hoje. Em 2010, o TSE tinha decidido que a simples apresentação das contas já seria suficiente para a concessão do registro. Agora o tribunal deu nova interpretação à legislação eleitoral.

O julgamento do TSE agrega-se àquela decisão maior tomada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 16 de fevereiro, que considerou válida para a eleição deste ano a Lei da Ficha Limpa. Essa lei prevê que serão considerados inelegíveis os candidatos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão da prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência, e contra o meio ambiente e a saúde pública.

Serão declarados inelegíveis, ainda, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, os candidatos que tenham cometido crimes eleitorais para os quais a lei comine pena privativa de liberdade. Também em casos de abuso de autoridade, quando houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública, além de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e crimes hediondos, de redução à condição análoga à de escravo ou crimes contra a vida e a dignidade sexual e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

Essas decisões recentes são a demonstração de que o Judiciário quer afastar da disputa os candidatos criminosos, principalmente aqueles que, na ocupação de cargos públicos, tenham cometido improbidade administrativa. E também aqueles que, na disputa de eleições anteriores, não tenham demonstrado claramente como arrecadaram e gastaram o dinheiro usado nas campanhas.

Pois o diabo se esconde por trás das boas intenções. Sabe-se que, ao considerar fichas sujas os políticos que já tenham sido condenados por órgão judicial colegiado, o Judiciário protege aqueles políticos que respondem a vários processos – os exemplos são públicos e notórios, inclusive aqui em Sergipe – e nunca foram sequer julgados, quanto mais condenados. Da mesma forma estão protegidos os que abusam dos gastos eleitorais – exemplos também sobejamente conhecidos – e que jamais foram admoestados.

É de se questionar também a prática da “casa de ferreiro, espeto de pau” histórica e “legalmente” aplicada pelo Judiciário contra seus diletos membros, quando esses cometem algum crime e são “punidos” com a aposentadoria compulsória.

Em Sergipe, há casos deveras conhecidos, mas para citar um exemplo recente, o Conselho Nacional de Justiça condenou no dia 14 de fevereiro passado à aposentadoria compulsória o ex-corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Roberto Wider, acusado de favorecer um lobista, de quem é amigo, em decisões judiciais e administrativas. O réu foi premiado a aposentar-se com todos os direitos legais garantidos. Coitado!

Claro que nesse caso é preciso mudar as leis que regem a magistratura e a própria Constituição Federal, mas parece que ninguém tem interesse, ou coragem, de mexer nesse vespeiro. Qualquer servidor público pode ser demitido, mas os juízes gozam das seguintes garantias constitucionais: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.

Assim, prevalece a lei socrática do “um peso, duas medidas”. Tratamos uns com o devido rigor da justiça e outros com mais ou menos rigor de acordo com a conveniência.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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