Corujões: a volta para casa dos trabalhadores da madrugada

Um dos Corujões na Orla da Atalaia: quando as linhas normais encerram, eles entram em ação (fotos: Igor Matheus/ Portal Infonet)

Tem gente que nem sabe que eles existem. Tem gente que até sabe, mas nunca os viu. Mas entre meia-noite e quatro da manhã, enquanto todo o transporte público da cidade dorme nas garagens, eles são uma necessidade diária para muita gente. Raros, mas diários, os ônibus Corujões de Aracaju representam um alento na saga de diversos trabalhadores para voltar para casa no meio da madrugada.

Segundo dados da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito – SMTT –, Aracaju tem 12 linhas de Corujão ativas diariamente: três delas são as principais, voltadas para a população em geral; e as outras nove, as auxiliares, são destinadas ao transporte de funcionários das empresas de ônibus, embora também sejam acessíveis ao público. Todas as três linhas principais saem da Passarela do Caranguejo, na Orla da Atalaia, mas percorrem toda a capital rumo a destinos diferentes: uma vai ao bairro Bugio, outra ao conjunto Fernando Collor, em Nossa Senhora do Socorro, e uma outra ao conjunto Eduardo Gomes, em São Cristóvão.

Transporte leva em média 13 pessoas por dia, mas chega a levar 30 em uma viagem

Ao contrário dos ônibus convencionais, os Corujões não têm cobradores – o motorista acumula a função – e não se prendem aos pontos de ônibus: eles podem tanto pegar quanto deixar passageiros onde quer que estes deem sinal, desde que o local esteja dentro do itinerário pré-determinado. Já a média de passageiros transportados , de acordo com números do último bimestre de 2018, chega a 13 por dia. No entanto, segundo os motoristas e os próprios usuários, o número de pessoas transportadas em uma viagem pode oscilar entre zero – nos últimos percursos das madrugadas de meio de semana – e trinta – nos fins de semana.

O que não oscila é o perfil de quem usa o serviço: trabalhadores de bares e restaurantes, como chefs e auxiliares de cozinha, pasteleiros, pizzaiolos, garçons. Todos os dias os ônibus das madrugadas pegam praticamente as mesmas pessoas nos mesmos locais, e várias delas os têm como parte de suas rotinas diárias há anos.

Em sentido horário a partir da extrema esquerda: Paula Veloso, Jenysson dos Santos, Carla dos Anjos, César Rodrigues e Ítalo Andrade

NA MADRUGADA
Do garçom Ítalo Andrade, que anda de Corujão há quatro meses, à auxiliar de cozinha Gildaci Cardoso, que o faz diariamente há oito anos, todos os trabalhadores de restaurantes e bares que usam o serviço se conhecem no mínimo de vista. Já as opiniões sobre o transporte são divididas. Usuária diária do Corujão há sete anos, a chef de cozinha Paula Veloso destacou que o transporte vai da Orla ao bairro Santos Dumont em 25 minutos – e ressaltou que viaja mais sossegada à noite do que pelo dia. “Os ônibus de dia pegam todo tipo de gente. De madrugada, o Corujão só pega quem trabalha. Sempre venho trabalhar de motoboy, mas volto no Corujão”.

O garçom Ricardo Patrício, que anda de ônibus nas madrugadas há mais de três anos, não mostrou queixas de suas viagens até o conjunto Marcos Freire I. “A grande vantagem é não precisar esperar os ônibus que começam a circular de manhã. Se eu saio cedo, na primeira viagem, consigo até chegar cedo em casa”. Já o garçom Laércio Vieira destacou a economia. “É mais barato que voltar de táxi ou motoboy”. Mas o percurso não é um passeio para todos. A cozinheira Carla dos Anjos, que usa o Corujão há cinco meses, disse que viaja com medo. “Acho o trajeto desconfortável. O motorista corre demais, e ainda há o risco de assaltos”.

Laércio Vieira também ressaltou a insegurança. “Se alguém entra armado, ficamos desamparados. De dia tem mais gente, às vezes até um policial dentro do ônibus. Mas de madrugada, não. Não acho o Corujão seguro, apesar de nunca ter sido assaltado dentro dele”. Mas o barman Jenysson dos Santos, que utiliza o serviço há três anos, não teve a mesma sorte. “Fui assaltado dentro do Corujão há poucos meses. Um sujeito que ninguém conhecia deu a mão para entrar no ônibus nos Arcos da Orla, entrou com uma faca e roubou todo mundo”.

As opiniões sobre o itinerário, por sua vez, variam de acordo com os endereços de cada um. Para o garçom Ítalo Andrade, chegar ao bairro Rosa Elze é fácil. “Nas linhas convencionais preciso de dois ônibus para ir de casa ao trabalho. Mas na volta de madrugada basta o Corujão, que vai direto e chega em meia hora”.

Para a auxiliar de cozinha Gildaci Cardoso, porém, o itinerário de sua linha poderia ser melhor. “Seria bom se ele fizesse a rota que a gente realmente precisa. Eu moro no bairro Lamarão, mas tenho que descer no conjunto João Alves e de lá pegar um táxi lotação para ir pra casa. O Corujão é bom porque facilita nosso retorno, mas no meu caso fico no meio da rua”. O barman Jenysson reforçou as queixas. “Ele passa por caminhos onde ninguém desce e ninguém sobe, mas nos deixa longe de casa”.

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Segundo João Augusto Guimarães, diretor de transportes da SMTT, o órgão recebe reclamações sobre várias linhas, mas nenhuma delas é relativa aos Corujões. Mesmo assim, o diretor ressaltou que queixas sobre itinerários e horários podem ser feitas por vários canais. “O usuário pode recorrer à Ouvidoria pelo número 3179-1402, pode ligar para a nossa Central no 118 ou fazer um requerimento presencialmente na SMTT. Essas sugestões são encaminhadas para o corpo técnico, que analisa a viabilidade técnica e econômica do pedido”.

Já em relação aos assaltos a ônibus, os números mostram que os Corujões não contribuem para as estatísticas da capital. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública – SSP – e do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju – Setransp –, dos 476 boletins de ocorrência de assaltos a ônibus registrados em 2018 em Aracaju, apenas um foi realizado em linha de Corujão. E nos anos de 2015, 2016 e 2017 não foi registrada nenhuma ocorrência do tipo nas linhas da madrugada.

OS INSONES
Entre o sossego e o medo sempre presentes no ofício, os motoristas dos Corujões se apegam mais ao sossego. Condutor há sete meses, Nelson Fernando frisou que dirigir na madrugada é mais tranquilo. “Já fui assaltado em linha convencional e já presenciei assaltos do lado de fora do Corujão. Mas dentro dele, não. É claro que a gente anda com medo, mas até agora não aconteceu nada. É tudo tranquilo”. Motorista das madrugadas há dois anos, César Rodrigues diz que até prefere transportar pessoas após a meia-noite.

“Todos os passageiros são trabalhadores, de família, e todos se conhecem. Quando não tem movimento nenhum é que acho estranho, pois parece que aconteceu alguma coisa”. Apesar de conhecer todos os que sobem no transporte – a ponto de saber onde cada um desce –, César revela aos risos que só não pode cortar caminho para deixar passageiro em casa. “Deixo no local mais próximo que posso. Mas em casa não dá… Regras da empresa”.

Confira abaixo os horários e os itinerários completos de todos os Corujões:

1003C – B. Industrial/ Zona Sul

1003B – B. Industrial/ Term. Marcos Freire

1003A – B. Industrial/ Rosa Elze

1002C – BR-235 – M. Freire I

1002B – BR-235 – Rosa Elze

1002A – BR235 – Atalaia

1001C – Marechal Rondon/ Mercado Central

1001B – Marechal Rondon/ Residencial Costa Nova

1001A – Marechal Rondon/ Piabeta

1003 – Atalaia/ Bugio

1002 – Atalaia/ Fernando Collor

1001 – Atalaia/ Eduardo Gomes

Por Igor Matheus

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