Desemprego: venda nos ônibus vira opção e provém sustento a famílias

Desemprego: venda nos ônibus vira opção e provém sustento a famílias (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

Levando passageiros de um lado a outro da cidade, vendedores ambulantes e artistas oferecem ao passageiro uma experiência que já é corriqueira dentro dos ônibus. É difícil que os mais de 222 mil usuários que circulam diariamente nos quase 500 veículos do transporte público da região metropolitana (Aracaju, Barra dos Coqueiros, São Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro) não tenham se deparado, algum dia, com esses comerciantes.

As mercadorias oferecidas aos usuários do transporte são de baixo custo e variam de acordo com a criatividade de cada vendedor. Aparece de tudo: balas, chicletes e doces em geral, CDs, canetas, sprays, lentes para câmeras de telefone, carteiras e porta-documentos, caça-palavras, palavras cruzadas, além dos artistas que se apresentam em troca de contribuições nos coletivos e nos terminais de integração.

A atividade é proibida pelo regulamento de transporte. São diversos os tipos de comércio dentro dos coletivos, mas as razões que os levam a este caminho geralmente são as mesmas: a falta de oportunidades no mercado formal de trabalho, a necessidade urgente de fazer dinheiro para se manter e a visão de que essa pode ser uma oportunidade para mudar de vida e se reinserir na sociedade.

Sem emprego, Nestor contou que criou coragem e resolveu ir à luta nos coletivos (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

Nestor Santos Silva, de 29 anos, foi um dos que embarcou nessa luta. “Logo quando fiquei desempregado, há oito anos, via outras pessoas vendendo nos ônibus e resolvi criar coragem para fazer o mesmo. No começo foi difícil, tinha vergonha, mas hoje tenho mais afinidade com o público. Através do material que eu vendo, consigo manter minha família honestamente, mesmo sendo pouco. Trabalhava na área de vendas, de carteira assinada, por um ano e seis meses. Saí de lá e até hoje não consegui emprego. Fui deixando currículos, fazendo entrevistas, e não deu em nada. Para não ficar parado e passar por mais dificuldades do que já passo, preferi ficar subindo e descendo dos ônibus”.

João Marcos: “Nunca consegui um emprego de carteira assinada” (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

Por situação ainda mais delicada passou João Marcos Santos Victor, de 22 anos. Envolvido no mundo do crime na época da adolescência, viu sua vida mudar no nascimento da filha e foram os ônibus que abriram as portas para um novo futuro. “Eu vendia droga e conheci a minha atual esposa, logo depois soube que ela estava grávida. No crime, ou você morre rápido ou fica preso a vida toda. Resolvi mudar minha vida, ir atrás de alguma coisa. Depois, tentei os coletivos. Já estou há cinco anos nessa luta, nunca consegui emprego de carteira assinada. Está ruim para todo mundo, pior ainda para quem não tem estudo. Depois que comecei nos ônibus, nunca faltou nada: pago todas as contas e ainda compro algumas coisas para minha filha. Dá para se manter com dignidade, sem pegar nada de ninguém e sem voltar para o crime”.

As realidades de Nestor e João Marcos são as mesmas de 143 mil sergipanos que hoje estão no trabalho informal, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados mostram também que a quantidade de pessoas trabalhando com carteira assinada caiu de 235 mil em 2017 para 215 mil no ano passado.

O relato dos dois vendedores mostra as trajetórias semelhantes na batalha pela sobrevivência, mas as rotas diárias também são similares. Ambos percorrem cerca de 50 linhas por dia, em uma jornada de trabalho que varia entre 9h e 10h.

Venda para outros fins

Ivo Silva se apresenta nos ônibus rotineiramente (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

O estudante Ivo Santos, de 22 anos, divide o tempo entre as aulas do curso de artes visuais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), os ensaios da banda Maruah e as apresentações nos coletivos, o que ele chama de ‘mangueio’. “Começamos a tocar para tentar bancar a gravação do nosso CD. A gente faz a grana que precisa. Quando estava gravando, fazíamos dinheiro para pagar e se sustentar, comprar comida, depois que começamos a morar juntos para investir nos projetos. É uma luta, de certa forma, contra a indiferença das pessoas com relação à pobreza, desemprego. Quando estamos lá, é uma coisa bonita e divertida, trazemos arte, mas estou nessa principalmente porque não tive oportunidade no mercado. Faço música porque é o que eu gosto, essa é minha paixão e é para isso que me dedico”.

Uma parte do pessoal que vende nos ônibus pertence a alguma casa de recuperação de dependentes químicos e faz a comercialização de doces e brindes nos veículos como forma de manter de portas abertas destas instituições que, em sua maioria, são encabeçadas por figuras religiosas como pastores evangélicos.

Fernando celebra nova vida e trabalho para ajudar tratamento de dependentes químicos (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

Fernando Roberto, de 33 anos, se tornou uma dessas pessoas depois de ser resgatado por uma instituição de recuperação localizada no povoado Aloque, município de São Cristóvão. “Não tem ajuda de ninguém. Para manter a casa, precisamos trabalhar nos ônibus. Cheguei lá depois de viver em uma vida que para muita gente eu era um caso perdido. Graças a Deus pedi ajuda, o pastor abriu as portas para mim. Cheguei lá em uma situação desumana. Com o que arrecadamos pagamos aluguel, energia, água, alimentação e outros custos como lençóis, colchões e materiais de limpeza”, celebrou.

Ajuda

Isaías, motorista: “Poderia ser eu ou alguém da minha família”(Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

Ainda que não haja nenhuma informação oficial ou levantamento que aponte a quantidade de pessoas que esteja neste “ramo” da informalidade, é possível perceber a popularização da atividade. Cláudio Ribeiro Santos, cobrador da linha 002 – Fernando Collor/DIA diz entender a situação frágil destes vendedores. “É a crise social que assola o país. É uma forma de se sustentarem, fazem um trabalho digno e que não compromete ninguém. Vemos no rosto deles que são trabalhadores. O elo entre nós é bastante tranquilo, sabemos que estão defendendo o pão de cada dia”.

Valdete acredita que essa é uma solução criativa para o desemprego (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

O motorista Isaías Santana, da linha 001 – Augusto Franco/Bugio, se colocou no lugar dos comerciantes. “É um meio de trabalho, melhor estar vendendo e conseguindo dinheiro para se bancar do que fazer coisa errada. Deixar que vendam é um meio de ajudar, porque assim como eles estão passando por dificuldades, poderia ser eu ou alguém da minha família”, refletiu. A passageira Valdete Souza Santos, autônoma de 74 anos, vê como uma solução criativa. “Sempre compro doces e outros materiais. Temos que ajudar as pessoas. É uma solução criativa, porque tem gente que não consegue trabalhar então desse jeito consegue garantir o pão de cada dia. Enquanto vendem as coisas, está legal. É uma boa”, aprova.

Atividade proibida

O comércio de produtos dentro dos ônibus é proibido pelo código disciplinar pelo Regulamento de Transporte Coletivo por Ônibus, do decreto nº 338 de 2005 da Prefeitura de Aracaju. Um dos itens do regulamento veda que o pessoal de operação permita “atividades de vendedores ambulantes no interior do veículo”.

Augusto Magalhães destaca que SMTT pode intervir para coibir essa atividade nos ônibus (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

A fiscalização e o cumprimento do Regulamento são de competência da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT). Porém, as empresas também agem para coibir o comércio irregular no caso de serem provocadas por usuários. “Se formos acionados, temos fiscais nos terminais que podem intervir nessa questão de vendas no interior do veículo. O fator que leva as pessoas a essa atividade informal é o desemprego, que tem crescido. Nós não temos conhecimento e nem chegou à SMTT que isso tenha ocasionado incômodo aos passageiros, já que isso que não tem resultado em denúncia para nós. Então, não temos conhecimento dessa dimensão”, explicou o diretor de Transportes Públicos do órgão, Augusto Magalhães.

Alberto Almeida diz entender situação delicada, mas alerta que este comércio é irregular (Foto: Victor Siqueira/Portal Infonet)

O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju (Setransp), Alberto Almeida, fez uma reflexão sobre o tema, mas frisou que a atividade não é permitida. “Temos que olhar por alguns focos. O primeiro deles é a regulamentação. É proibida a comercialização. Gera um risco, uma insegurança dentro do ônibus porque ele não foi projetado para isso. Então, se visa uma preservação do direito da maioria, que não ser posta em risco por um manuseio de material que não é previsto. Depois, as pessoas estão comercializando porque houve uma fase bem ruim no país e elas buscam essas alternativas para sobreviver não só nos ônibus, mas nos terminais de integração, na Orla da Atalaia, no centro da cidade e nas vias. As pessoas não conseguem um emprego formal então vão para o informal. Mas é proibido. O órgão gestor não permite e as empresas estão atentas. Os funcionários estão ali para evitar essa prática, mas com cuidado de observar que não é opção, e sim uma alternativa para buscar seu sustento, até que retornem, em sua grande maioria, ao mercado de trabalho”, alerta.

Por Victor Siqueira

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