Free walking tours: vanguarda no guiamento de turistas?

Recentemente a Prefeitura de Aracaju fez um passeio gratuito pelo Centro da capital sergipana, destinado a quem quisesse participar, inspirado nos free walking tours europeus. Mas o que é free walking tours? Como funciona essa modalidade de guiamento? Por quem deve ser conduzido o guiamento? Há leis que regimentam esse tipo de modalidade? O free walking é de responsabilidade do guia de turismo?

Helder Primo, guia de turismo, pratica o free walking uma vez por mês em Belo Horizonte

O free walking tour ou “guiamento grátis” tem se configurado em cidades turísticas como mais uma modalidade de passeio turístico especializado, já consolidado em cidades europeias, através do qual as caminhadas são feitas conhecendo pontos turísticos, conduzidas por um guia de turismo. O responsável marca o horário e o local e os interessados, geralmente turistas, comparecem de forma espontânea.

Nas cidades onde o tour está consagrado, há três principais modalidades: desenvolvido pelo guia independente, por uma agência que fornece a estrutura para o guia e há uma contrapartida, por exemplo a apresentação de passeios daquelas agências que apoiaram a iniciativa ou na modalidade em que a iniciativa pública (governo ou prefeitura) organiza a estrutura e contrata um guia.

Adeptos desta modalidade apreciação o pôr do sol na Barra dos Coqueiros após participarem do free walking idealizado pela guia de turismo Maria José

Não é uma regra, mas em alguns casos exige-se confirmação prévia. Em alguns lugares não se estabelece uma confirmação, porém todos os dias, impreterivelmente no local e horário marcados, o grupo parte com o monitoramento de um profissional em busca do conhecimento local.

Diferente das modalidades tradicionais de guiamento, não se paga com antecedência, não há valor fixo, e o pagamento somente deve ser feito ao final do roteiro no valor que o participante achar que deve conceder ao guia. Nessa modalidade, os participantes também têm a oportunidade de interagir de forma livre e descontraída.

Experiente em guiamento “gratuito”, o guia de turismo Helder Primo, desenvolve o free tour uma vez por mês no Centro de Belo Horizonte, iniciando às 9h, passando pelas ruas do Centrão e fazendo a mediação/explanação sobre os prédios em diversos estilos. “A maior parte do grupo são de moradores de Belo Horizonte e alguns turistas que estão nos hotéis da Savassi, Centro e Lourdes. O grand finale do passeio é o Mercado Central. Lá se pode tomar cerveja artesanal, experimentar cachaças, comer o bife de fígado acebolado com jiló na chapa. Não cobro pelo passeio, exceto se for agendado antecipadamente em uma data específica. No final, os participantes sempre dão 50, 40, 20. Já tirei até 400 reais em um tour de 3 horas”, afirma.

Novidade e precaução

Via de regra, o especialista apto para fazer o “free walking” é o guia de turismo, único profissional regularizado por lei federal nº 8.373/ 2017, responsável por guiar, acompanhar, orientar, entreter, dar assistência e informar os turistas sobre um determinado produto turístico. Também regulamentado de acordo com as leis estadual nº 8373/ 2017 (Sergipe) e municipal nº 4930/ 2017 (Aracaju).

O turismólogo e pesquisador Joab Almeida observa a modalidade como tendência para os guias de turismo

O turismólogo, professor e pesquisador do Turismo, Joab Almeida, lembra que há uma tendência de inovação nos serviços turísticos com a moda de criação de startups, serviços virtuais, organização de prestações de serviços e reconfiguração daquilo que já é ofertado no turismo. “O que conheço do free walking tors é, inclusive de serviço prestado por empresas, não apenas de forma independente pelo guia. Então essas empresas seguem essas tendências de startups no turismo que é bom ficarmos atentos”, avalia Almeida, completando que o “guiamento grátis” levanta até a questão de se explorar circuitos turísticos a pé, uma prática não muito utilizada em Sergipe.

Joab Almeida destaca também a atenção dobrada quanto à questão do risco de ilegalidade nas práticas formais do serviço de guia de turismo, já que o free walking, se o guia de turismo deixar passar essa oportunidade de testar novas práticas, poderá abrir caminhos para outros profissionais. “Na minha visão geral, é momento de o guia fazer uma testagem, na medida em que ele não abra espaço para que outras pessoas sem formação queiram colocar em prática esse tipo de guiamento. Acredito numa saída de parcerias com esses tipos de empresa (startups) a partir do sindicato ou de guias independentes”, ressalta.

Érica Ribeiro, presidente do Sindicato dos Guias de Sergipe, faz ponderações

A presidente do Sindicato dos Guias de Turismo de Sergipe, Érica Ribeiro, explica que sendo uma novidade no mercado brasileiro, há de ser ter cuidados e ressalvas. “Os viajantes brasileiros precisam ser educados para a prática, principalmente, quanto a questão do pagamento do profissional ao término do tour. Numa época em que precisamos de valorização da profissão, a questão do pagamento livre pode ser interpretada como gorjeta voluntária e isso interfere nas conquistas do piso salarial. Entendo que o mercado vem mudando, se adaptando e como uma profissão autônoma, precisamos nos modernizar e estarmos abertos as tendências, e sendo essa prática iniciada no Velho Continente, onde o turismo como prática comercial de fato surge, acredito que tem muito a nos ensinar”, disse, acrescentando ainda que a prática precisar ser adaptada às realidades de cada país.

Conhecimento dobrado

Geralmente feitos em grupos pequenos, através dos quais o guia interage com os participantes e tira dúvidas, exige-se do profissional um conhecimento extra e segurança do que está transmitindo.

A turismóloga Fabiana Faxina utiliza o guiamento grátis em visita a outros países

Para a turismóloga, professora doutora e “turista de plantão”, Fabiana Faxina, a experiência de vivenciar o guiamento em outros países foi exitosa. Ela acredita que acaba contemplando um segmento diferenciado. “Está muito mais relacionado com um estilo de viagem, uma experiência. Nos lugares que viajei e que pude participar, foram guiamentos muito bem organizados. Não acho que seja precarização do serviço do guia de turismo, inclusive exige muito do profissional, tem que caminhar, as vezes falar em dois idiomas, repassar muitas informações. Acho que é uma tendência muito interessante, mas talvez não se aplique a todos destinos, até porque exige-se um perfil específico de demanda de quem se interesse por isso”.

Raquel Almeida, jornalista, aprovou a ideia em visita ao Chile

Foi o que aconteceu com a jornalista Raquel Almeida. Viajando sozinha ao Chile, ela procurou o guiamento na capital chilena e, segundo a jornalista, além de conhecer de forma detalhado o local, teve a oportunidade de interagir com o grupo e fazer amizades. “Cinco horas de caminhada dá para ter um panorama geral, conhecer um pouco de tudo e escolher os locais que queremos voltar e conhecer melhor nos próximos dias. Recomendo fazer o walking no primeiro dia”, disse.

Experiência sergipana

O professor dos cursos de turismo do Instituto Federal de Sergipe, Amâncio Cardoso, destaca que em setembro de 2018 houve uma oficina sobre a prática do free walking tours, dentro da programação da Semana do Turismo do Instituto Federal de Sergipe. Juntamente com o professor Jaime Barros, eles explicaram sobre as modalidades de guiamento grátis, quais as características, quais os tipos, onde se podem praticar, quais as modalidades que podem ser desenvolvidas em Aracaju.

Professor Amâncio Cardoso conheceu a modalidade no Peru e na Bolívia e realizou minicurso no IFS

“ Vimos essa ideia quando fomos há mais de um ano ao Peru e a Bolívia. Trouxemos a ideia do minicurso e fizemos uma prática bem interessante. A turma não acreditava que se tinha potencial turístico no roteiro do Museu da Gente Sergipe à Praia Formosa de Aracaju. Ficaram surpreendidos.  Vejo o free walking tour como um futuro alternativo para os guias em Aracaju. Não substitui o guiamento tradicional, vai se somar, como existe nas Américas e na Europa”, destaca.

A guia de turismo e fotógrafa, Maria José Rosendo, disponibilizou à comunidade sergipana uma das primeiras experiências em guiamento grátis independente. O passeio aconteceu em novembro de 2018 com saída do bairro 13 de julho, em Aracaju, e caminhada até o Centro da cidade, com travessia do rio Sergipe de to-to-tó e apreciação do pôr do sol.

 

Guia de Turismo Maria José conta que foi a primeira a realizar independentemente um free walking em Aracaju

Divulgando nas redes sociais, ela conseguiu ter sucesso em sua primeira experiência. “Fomos por um caminho que por vezes os sergipanos e turistas não conhecem os detalhes, observando o rio, o mapa de Sergipe, o prédio da OAB, o primeiro ponto de ônibus de Sergipe, a casa de Zé Peixe e a valorização do rio Sergipe com o pôr do sol”, explica.

Maria José Rosendo pretende disponibilizar a experiência em dias fixos, com roteiros pré-determinados a partir de maio, com divulgação em hotéis, sempre valorizado a interação do Centro de Aracaju com a população. A contribuição, confessa ela, “é espontânea”.

Em Sergipe – no Brasil como um todo – a prática só está iniciando. Basta mirar para a modernidade e ver que nos países onde o turismo nasceu, ou seja, os países europeus, o guiamento “grátis” já é uma constante no dia a dia do turismo. A prática não demorará a ser uma modalidade nas prateleiras das agências e nos caderninhos dos guias de turismo brasileiros.

por Silvio Oliveira

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