No mesmo dia em que eu estava sepultando o corpo de meu amigo, Fedro Menezes Portugal, o meu neto, Pedro Henrique Cabral Martins, estava sendo aprovado pelo SISU, no Curso de Medicina da nossa Universidade Federal de Sergipe.
É, portanto, com esse sentimento duplo de alegria, muita alegria, e de tristeza, muita tristeza e saudade pela perda de um grande amigo.
Dos amigos, nunca o saberemos perfeitamente, se continuarão sempre, afinal a geografia insere distâncias, o tempo amortece afagos, e até as divergências costumam afadigar carinhos, sem falar das comuns separações, por fatos outros do pensar não convergente, do perfilar não partilhado.
Não foi assim com Fedro; um amigo, companheiro de muitas viagens, longas conversas, o riso sendo comum e a divergência, se houve alguma, nunca fora nem citada, nem lembrada.
Para quê falar do que nos separava, se havia tanta coisa boa para curtir e nos unir, ele sendo uma companhia perfeita para mim, e eu sendo, penso eu, um pouco para ele também; eu com o meu modo comum de ser, com as minhas dificuldades de riso e verve, por longas épocas nos fizemos companheiros em conversas alegres, curtindo o sorriso de viver, nas nossas férias conjuntas, aqui, ali, acolá, desfrutando a boa mesa, o apetite continuado, tudo aquilo que a vida nos propõe a fruir com a companhia que nos preenche.
Mas, se eu pretendo falar de saudades, eu preciso antes acenar para o “porvir”, aquilo que está para vir, o futuro se fazendo presente com as primeiras vitórias de meu 1º neto, Pedro Henrique, o meu Pepo, ou PH, como o chamamos em carinho, ele que agora está louro, com a basta cabeleira descolorida, como acontece nos rituais de ingresso aos cursos superiores das nossas Universidades.
Pedro Henrique, 1º filho da minha primogênita, Daniela Garcia Moreno Cabral Martins, e do Cearense, Mario Henrique Tavares Martins, ambos Médicos, abraça agora a profissão dos pais, ingressando no Curso de Medicina da nossa Universidade Federal de Sergipe, ele que também se vitoriou no Vestibular da UNIT e da Escola Bahiana.
Desnecessário dizer da nossa alegria, que acompanhamos seu esforço desde a infância, estudioso, caprichoso, sempre galgando os primeiros lugares de suas turmas do Infantil ao Colegial, angariando elogios em sua simplicidade e correção.
Eu, que tive alguma presença na formação de meus filhos, sobretudo em Ciências Exatas, alguma Literatura e um pouco de Humanidades, tentei algumas vezes lhe servir de reforço nos estudos, foi inútil, pois de tudo que eu explanava ou arguia, ele me respondia com tanta segurança e domínio, que me fazia seguir por outros caminhos ainda não percorridos em suas aulas de colégio, muito rápido captando o assunto discutido, sobretudo em Física e Matemática, eu lhe sendo se não totalmente, quase um estorvo inútil.
A destacar sobremodo, a sua disposição para o estudo, haja visto que existem duas dificuldade no humano, a saber: quando jovem, possuir a vontade de ler, e quando velho, como eu, a de ter disposição e o anseio para fazer os recomendados exercícios físicos.
Ler e fazer exercícios físicos, devem ser hábitos continuados, dizem-nos alguns filósofos, por estetas e terapeutas, querendo no eximir da fadiga precoce, e da agridoce preguiça que nos afasta e contamina o existir.
Se não podemos ser bons atletas, sejamos pelo menos um pouco poetas, quem o sabe um pouco esteta, por bom asceta, quase um bardo ruim, um antipoeta rústico, nunca um quase pateta.
“Nulla dies sine linea”, eis a lição de Apeles, celebre pintor grego, ao não menos famoso Plinio, o Velho, válida para sempre a nós todos: Nenhum dia sem uma linha, ou seja: estudar sempre e exercitar-se continuadamente. Eis a velha lição aos jovens e aos não tanto assim, na basta luta contra o vulgo e a senilidade.
Se não conseguimos ser em suficiência bom estetas e/ou atletas, sejamos, pelo menos toscos poetas, afinal a boa rima pode soar melhor no ouvido que a arrima e a acolhe, e não o daquele que mal a recolhe e desanima, por contamino de esvazio e da pouca utilidade.
Pior, muito pior que o esvazio, é o esvaziar-se no nada fazer.
O nada fazer não é de bom afino nem para o moço, nem é bom acorde para o longevo, em tantos encantos baldios de sereias.
E nesse perquirir de outras coisas difusas, colcheias e semicolcheias, alguém disse, e foi Nietzsche que assim o fez em doutas ameias, clamando às portas de um cemitério, bradando aos túmulos o despertar de seus inquilinos residentes para uma nova vida, cheia de esperança e desafios, e a resposta sendo a acomodação indiferente nos jazigos em sono eterno, afinal “O nada fazer, ora, céus!, (“il dolce far niente”), o nada fazer tem aí os seus encantos!”
Sirvo-me deste mote, em louvação ao meu neto que vitorioso está com um meta concluída, em proximidade de novos desafios, firmando-o a preparar-se para ser como seus pais, Daniela e Mario Henrique, excelentes e dedicados Médicos, ela cuidando dos nossos Corações, mantendo-os no ritmo acertado, e ele vigiando as Vias Urinárias, sempre nos avisando que algo não vai bem e obstrui, o que é um caos e tanto incomoda..!
Você, Pedro Henrique, escolheu uma bela profissão, minorar as dores inerentes ao viver; lutar e pelejar sempre, mesmo sabendo que tudo será debalde, afinal ninguém vive eternamente, ao não ser na Crença e na Fé que cada um venha a possuir.
E nesse proceder, volto-me para o meu amigo Fedro Menezes Portugal, excelente Médico que nos deixou esvaziados com o seu convívio perdido, especialista notável nas moléstias de pele.
Se muitos já falaram da sua dedicação promovendo a cura de tantas enfermidades medicadas, desejo falar só de amizade, afinal o nosso convívio vem desde a adolescência, quiçá a minha infância, vendo-o colega de minha irmã, Nina Maria, morta tão cedo, já lá vão 47 anos passados, minha irmã que como Fedro, fora aluna de Piano de Dona Maria Guimarães Gesteira, esposa do Professor José Gesteira, ambos de saudosa memória, pais de Luís, um menino danado do segundo trecho da Rua de Pacatuba, onde eu lhes era vizinho.
Inserindo um parêntese na minha narrativa, apresento aqui um vídeo do Fedro se exibindo no seu velho piano, tocando uma das “Polonaises” de Frédérik Chopin.
Fedro, para quem pouco dele conhece, era filho de Professores: o pai; Francisco Portugal, baiano de Canavieiras, era um homem volumoso e alto, uma presença de chamar atenção quando adentrava na Rua de Pacatuba, vindo da Praça Camerino onde morava, justo, sem ser mirado e admirado pela estátua de Silvio Romero, que ali está erguida ainda, única na cidade a contemplar, não o Sol Nascente, mas ao mesmo Sol no seu Poente, talvez por um acaso servil dos homens que a ergueram, mesurando o casario que lhes era então mais nobre, na Praça localizado, ou era um pouco assim por simples cortesia.
A senhora sua mãe, Professora Maria da Glória Menezes Portugal, ou Professora Glorita, deu ao “Fessô”, como assim o chamava, por seu antigo Mestre, os seguintes filhos: Eglantina, a mais velha, batizada assim como espécie de rosa selvagem com cinco pétalas rubras, nativa da Europa e Ásia Ocidental, utilizada como símbolo da ideologia socialista, Bióloga de formação, servidora do Instituto Parreiras Horta, primogênita que faleceu tragicamente num ataque de abelhas africanas em plena via pública, quando do seu retorno do trabalho entre a Rua Campo do Brito e a sua residência na Praça Camerino; Tornélia, segunda filha, outro nome de flor que também está falecida, Fortunato, homenageando o avô pai do “Fessô”, também falecido; Inácio, casado com Maria, Fedro, o nosso amigo médico, Eglélia, esposa do Professor Antônio Fontes Freitas, e Verbena, a rosa caçula.
Se o Professor Portugal era um cultor de muitos idiomas e poliglota, chegara a brigar muitas vezes com a menina, Glorita, sua jovem esposa, querendo que ela estudasse continuamente, chegando mesmo a encolerizar-se quando esta queria nas suas horas vagas, perder tempo costurando e bordando, e cuidando das coisas do lar.
Por tal insistência de Portugal, Glorita se fez Professora do Colégio Tobias Baretto do Professor Alcebíades Vilas-Boas, prestando depois concurso para Professor Catedrático de Francês do Colégio Atheneu Sergipense.
Do seu concurso para Professor Catedrático d Atheneu Sergipense, Glorita defendeu a tese “Traits Biograpiques de Madame de Sévigné et Une Étude Minutieuse de L’accord du Participe Passé”, da qual possuo uma publicação, quando foi aprovada com louvor.
Dos que assistiram a defesa da tese sobre Madame Sévigné e o Particípio Passado, conta-se que um dos examinadores a quis arguir em português, “a fim de que o auditório bem melhor pudesse acompanhar o exame”.
Glorita respondeu-lhe, algo assim na bucha. “Pardonnez-moi, Votre Excellence! Cést ici na pas um test de portugais, c’est un test de de Français! Votre Excellence peut demander en portugais, il n’y a pas de problème. Pour ma part, je demande a monsieur le President de la cour pour me autorizer a vous repondre en français”. “Isso aqui não é uma prova de Português, mas de Francês. Vossa Excelência pode perguntar em português que eu lhe responderei em francês, sem problema. Por minha parte, Senhor Presidente da Banca , peço que me autorize a responder em francês”.
E assim aconteceu, inclusive para alguns risos mal contidos da plateia; o examinador questionando em português, eGlorita respondendo a todos com um francês fluente e castiço.
Do filho, Fedro Menezes Portugal, enquanto vestibulando, conta-se que foi o único postulante que escolheu o Alemão, como disciplina eletiva, já que aquele tempo o candidato podia escolher Inglês, Francês ou Alemão.
Conta-se, e isso ficou no seu folclore, porque foi um problema encontrar um examinador que se arvorasse a examiná-lo no idioma de Johann Wolfgang von Goethe, o poeta teatrólogo de Fausto.
Em fáustica indecisão, convocaram o Professor Lourival Bonfim, recentemente chegado da Alemanha para arguir aquele rebento do Professor Portugal.
E o resultado sou eu quem o diz, floreando o feito e alardeando o fato, relatando que Lourival Bomfim lhe dera a nota máxima sem mesmo o arguir, o que fazia Fedro sempre sorrir, quando eu assim contava, mesmo moribundo me dizendo, pouco antes de nos deixar: – “Não foi bem assim, Odilon!. Isso é conversa sua!”
Conversa ou não, há um fato acontecido quando Fedro ainda era solteiro, e acadêmico de Medicina, quando chegou em sua casa, na Praça Camerino, uma carta perfumada pelo correio.
A carte chamou logo muita atenção, porque além de odorante, era endereçada a “Fedro Portugal, expoente lúcido da juventude atual”.
Seria um feito inusual e olvidável, não fosse a missiva recebida por sua noiva, Selma, e por Verbena, sua irmã, que juntas abriram o envelope no vapor de uma chaleira, e depois a fecharam com esmerado cuidado, colocando-a bem a vista de destinatário que estava ausente.
Pelo conteúdo da carta e pela carranca de Selma, o destinatário da missiva viu que a mesma fora violada, e assim melhor seria não dar qualquer bandeira do que seria e conteria.
Levou então a carta para o Pronto Socorro do Samdu onde estagiava, e ali a abrira com alguns colegas de Faculdade, recompondo-a com novo texto, imitando até a letra e o floreado, agora com o desplante do novo bilhete conter uma curiosidade patranha da pretensa “autora da carta”, ousando querer saber até notícias de “Selma, sua noiva, tão querida!”
Desta carta famosa, novamente fechada e sem deixar vestígios ou largando muitos rastros, Selma veio a saber, ficando como fato e proeza do deleite do casal, tudo sendo perdoado e motivo de muitos sorrisos, para sempre, num feito pacificado em cinquenta e cinco anos de felicidade conjugal.
Ou seja, se a carta viera para tumultuar o noivado, só fez apressar o casamento, num feito sempre relatado pelo casal nas nossas muitas lembranças em risos.
Se eu conhecia Fedro desde a infância, o Rotary nos aproximou, afinal Selma era muito amiga de Tereza, minha mulher, desde a infância também, e juntos nos enfronhamos sempre nas viagens e roteiros Rotários ou não, as nossas famílias crescendo e convivendo, eles com Fedrinho, Glorinha e Joaninha e aqueles que deles chegaram, e nós com Daniela, Machado e Junior, e o que nos chegaram também.
Neste texto já muito alongado, eu não quis falar do Médico, nem mesmo também do Professor, de minha filha Daniela.
Deixo tal testemunho para os seus companheiros de classe, muitos o fazendo em pira ardente, até porque ele onde esteve foi de grande destaque: na Sociedade Médica de Sergipe; na Academia de Medicina; na Sociedade de Dermatologia, Secção de Sergipe; e na Sobrames, esta entidade única que enaltece, tantos bons Médicos Escritores.
Do Professor da Universidade Federal de Sergipe, com a UFS não muito presente nas homenagens prestadas, bom seria que lhe outorgasse, quem o sabe, um título de Professor Emérito “Post Mortem”, se é que isso seja permitido por seus Estatutos, já que são vastos os seus grandes merecimentos em longa vida docente.
E neste testemunhar professoral, estou a lembrar três alunas residentes, oriundas de outros Estados da Federação, que o visitando no seu leito final, reconheceu-as todas, nomeando-as e ouvindo delas a sua admiração e carinho, por tudo quanto haviam aprendidos com a sua inteligência.
Foi um presente que me emocionou sobremodo, por ser explicitado na presença minha e de outros circunstantes, de um agradecimento explicitamente exaltado de um dever cumprido, firmado para sempre, na sua formação médico-científica.
Se dos professores, maior é a missão de plantar nos jovens a semente de esperança, aquelas três alunas como boa causa plantada, o faziam como vasta geração de estudantes do Atheneu por início, do Curso Beta de Vestibulares que fundou e lecionou Biologia, e de tantos estudantes médicos e residentes, ele que foi um lidimo continuador da obra de seu mestre mais próximo, o Professor Décio Calheiros.
De Selma, sua companheira única de todos os momentos, direi que foi dela o fraquejar que mais o abateu e debilitou em sua lucidez, que tudo via acontecer ao seu redor, e nada podia fazer para melhor interferir.
Muitas coisas eu poderia dizer ainda, mas as palavras seriam insuficientes para traduzir tanta saudade.
Direi apenas que perdi um grande amigo.
Ele nos deixou e a muitos, como eu, bem menores, ou bem piores, na nossa menor dimensão apequenada!
Mas a vida é sempre assim, sempre eivada de alegrias e saudades.
Se a saudade nos baqueia, a alegria nos avisa que a felicidade nos conduz sempre em novos desafios e continuadas esperanças.
Se Fedro Portugal, o Médico e Amigo nos deixou muitos pesares, eis que surge o meu neto Pepo, meu futuro Médico, Dr. Pedro Henrique, com a sua cabeleira ainda vasta por tingida de louro, nos dando imensas alegrias, em novo trâmite das calouradas renovadas, ingressando agora na UFS pelo próprio mérito, no elenco vitoriado pelo Colégio Master.
Ele será Médico, com os seus esforços com Fé em Deus!, que nos protege sempre!
Que seja também como Dr. Fedro Portugal, se imortalizando no feito e na memória!
Pedro Henrique, que por suas escolhas, irá amenizar a dor e o sofrimento, missão divina de tentar curar do homem os seus medos em tantos males.
Que Deus os abençoe, a ambos!