1961 – O ANO DE GARCIA

 "Os mudos falam
Os surdos ouvem
Os coxos andam
Os cegos vêem…

           Não como um milagre ou passe de mágica. Porém com o esforço cotidiano e a paciência, a ciência e o labor, a técnica e a persistência. Nem sempre ao modo comum, mas geralmente de maneira particular, pela Reabilitação".
(Garcia Filho, A. A Reabilitação em Sergipe. Aracaju. Editora Gráfica Aracaju.1966)

Antonio Garcia Filho

Estamos comemorando o Jubileu de Ouro da Faculdade de Medicina de Sergipe, fundada por Antonio Garcia Filho e colaboradores, em 1961, após longa e extenuante luta, que se tornou vitoriosa graças à "bravura indômita" do governador Luiz Garcia, que deu carta branca ao irmão para levar adiante o sonho de Garcia Moreno e tantos outros que, há anos, tentavam instalar a primeira escola médica no estado.  Enquanto essas comemorações vão se desenrolando, momentos significativos voltam a aflorar, trazendo à luz verdades incontestes.
     
Em artigo escrito há três anos em seu blog no portal Infonet, o professor Odilon Cabral Machado louva a iniciativa de ex-reitor da UFS, Eduardo Garcia, em publicar "Antonio Garcia Filho e a Faculdade de Medicina de Sergipe – Criador e Criatura", citando Dom José Ortega y Gasset, um homem de muitas generalidades, que afirmou: "Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”. Mirando em Ortega e atingindo Antônio Garcia Filho, um sergipano de Rosário do Catete, Odilon o coloca também como homem de muitas generalidades (e genialidades, a expressão é nossa), direi sem excessos de generosidades, ou outros interesses disfarçados, que Garcia como Gasset, não só se salvou a si próprio, como até a sua própria circunstância, que restou melhor com sua ação e sua passagem entre nós.
      
De fato, o clímax da atuação de Antonio Garcia pode ser fixado, a meu ver, no ano santo de 1961, que começa com um fato que vinha provocando grande rebuliço nos meios intelectuais do estado, há meses. Na primeira semana de janeiro, em eleição disputadíssima, Garcia é eleito na Academia Sergipana de Letras, para a vaga deixada com a morte do poeta Garcia Rosa, último ocupante da cadeira cujo patrono é Tobias Barreto. Garcia vence o poeta Santos Souza, por onze votos a nove. Superando as “igrejinhas” intelectuais da época que apoiavam o seu opositor, de indiscutível mérito cultural, Antonio Garcia Filho teve uma trajetória expressiva e meteórica na Academia de Letras, chegando a exercer a presidência do sodalício por oito anos, e foi o fundador do Movimento de Apoio Cultural – MAC, que hoje leva o seu nome.
       
Ainda em janeiro, mais exatamente no dia 11 de janeiro de 1961, Garcia, que presidia a Sociedade Médica de Sergipe e comandava a Secretaria de Educação, Saúde e Cultura vê, com incontida alegria, o Decreto 49.864, que criava oficialmente a Faculdade de Medicina de Sergipe, ser assinado pelo então presidente Juscelino Kubitschek.
       
Do Garcia médico, político  e professor, do intelectual e escritor, do músico e compositor, um homem de muitas generalidades e genialidades, muita coisa ainda precisa ser dita. Do Garcia como agente da medicina física e reabilitação, entretanto, muito pouco se sabe. Para ele, conhecer a verdade é libertação e a cada um cumpre o dever de desvendá-la para libertar-se. Com esse propósito, ele discute com colegas e com o irmão governador um tema novo, pouco conhecido: a Reabilitação. No seu entendimento, um governo que se propõe a promover o bem estar da população, deveria incluir no seu programa e Educação e Saúde Pública o cuidado com os deficitários. E da mesma forma que fez para que ocorresse a viabilização da Faculdade de Medicina, Luiz Garcia encarregou o irmão de levar à frente esse desafio.
       
Ao tempo em que uma antiga construção no bairro Industrial, que fora sede do Serviço de Luz e Força de Aracaju, começava a ser adaptada para abrigar o Centro de Reabilitação, Garcia começou a visitar outros centros já em funcionamento no país, conversando com técnicos no assunto. Foi à Europa e em Paris visitou o Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina e o Serviço de Fisiologia Respiratória do Hospital Pitié Salpêtrière. Visitou ainda o Departamento de Bioquímica da Faculdade interessado que estava pelo ensino da disciplina na recém fundada escola médica de Sergipe.
       
A fisioterapia no Brasil estava engatinhando, entretanto, na Salpêtrière, havia instalações de primeira qualidade e os tratamentos mostravam resultados absolutamente fantásticos na reabilitação de pacientes com diferentes comprometimentos neurológicos ou ortopédicos. Paralelamente, Garcia estava encantado com a cidade, seus monumentos e notadamente os museus, o que fez com que, no seu regresso, levasse a cabo a fundação do Museu Histórico de Sergipe, instalado em São Cristóvão, com grande colaboração do jornalista Junot Silveira, irmão do extraordinário pintor Jenner Augusto.
       
O interesse de Garcia pela reabilitação física, sua dedicação a essa nobre causa, viabilizou a inauguração do Centro de Reabilitação Ninota Garcia, um dos primeiros do Brasil, já no ano seguinte, em 24 de junho de 1962 e que tantos benefícios trouxe à sociedade sergipana. Nesse sentido, o seu livro A Reabilitação em Sergipe, de 1966, passou a ser a principal referência sobre o tema, servindo inclusive de base para a publicação recente do livro "Gênese da Educação de Surdos em Aracaju", da professora Verônica dos Reis Mariano Souza, da UFS, que se propõe, com propriedade, a resgatar a memória da educação de surdos e as pessoas que atuaram de forma decisiva para a concretização desse desiderato.
       
A paixão de Garcia pela reabilitação foi tão grande que foi fonte inspiradora para a criação, por ele próprio, do símbolo do Centro, formado por três linhas: reta, curva e quebrada – juntas, em equilíbrio, e dispostas em ofertório. Na concepção do médico ( e artista) Antonio Garcia, a linha reta simbolizava os sãos, a curva os deficitários recuperáveis e a linha quebrada os irrecuperáveis dos seus defeitos físicos porém ajustáveis nas suas potencialidades restantes. Juntas, as linhas representavam o convívio social numa distribuição de posição e forças que asseguram um perfeito equilíbrio. E arremata: "Dispostas estão, em ofertório, para cima, melhor direi para o alto, ou, mais precisamente, para Deus".
      
E não satisfeito, escreve a "Balada da Reabilitação", traduzindo em poema a posição que defendia no que diz respeito è educação das pessoas com necessidades especiais. Em "A Reabilitação em Sergipe", Garcia diz: "O conceito que temos é de que a Educação deve ser proporcionada ao lado dos sãos, nos casos favoráveis. O menino inválido é um menino que tem as necessidades básicas de um menino, considerando importante a comunicação com os demais. Por outro lado, cuidamos dos sãos em relação aos inválidos, habilitando sãos no convívio com deficitários, quando crianças, ou reabilitando-os quando adolescentes ou adultos. Interessante e sublime paradoxo a reabilitação do são! Conduzir naturalmente as relações entre eles, para que o são olhe o deficitário como igual, com delicadeza porém sem piedade, com respeito porém sem abdicar direitos, com cuidado porém sem privilégios".
      
Por tudo que fez por décadas em prol da educação, da cultura e da saúde no estado de Sergipe, finalmente recebe agora o Dr. Antonio Garcia Filho, passados 50 anos do inolvidável ano de 1961, a consagração e o reconhecimento devidos da sociedade sergipana.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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