A pandemia e o colapso das instituições

Concluímos o texto publicado em 04/03/2021 (“O colapso da saúde nacional e o despertar das instituições”) do seguinte modo: “Parece mesmo que é agora ou nunca: se diante do colapso nacional do sistema de saúde e da já anunciada maior tragédia sanitária de nossa história as instituições não despertarem definitivamente de sua inércia e não adotarem atitudes concretas e objetivas para conter o negacionismo, o boicote assumido e a inépcia do Governo Bolsonaro e para superar a crise dramática, será improvável que venha a acontecer algum dia”.

Infelizmente o que também apontamos naquele texto no sentido de que a situação da pandemia global do coronavírus alcançava no Brasil estágio de absoluto descontrole e de colapso nacional do sistema de saúde, com prognósticos de um março/2021 trágico em óbitos – a maior tragédia sanitária de nossa história – se confirmou.

E nesse contexto, não houve o esperado despertar das instituições no sentido de adoção de atitudes concretas e objetivas para conter o negacionismo, o boicote assumido e a inércia do Governo Bolsonaro para superar essa crise dramática.

Com efeito, já dissemos há muito tempo, sob a liderança de Jair Bolsonaro, condutor de política clara de disseminação do vírus, apostando em uma imunidade coletiva (ainda que resultando em mortes consideradas aceitáveis e inevitáveis, para não “parar” a economia) – como também registramos naquele texto – improvável será superar toda a crise.

Nem se indique, aqui, a revisão crítica das medidas que deveriam ter sido tomadas e executadas coordenadamente desde o início da pandemia. Registre-se apenas a necessidade imperiosa de atuação mais do que emergencial no atual momento, para evitar que a crise avance ainda mais e para evitar que o março trágico seja superado por abril, maio e meses seguintes da continuidade de nossa história.

A evidência de que manifestações populares mais efetivas estão impossibilitadas de ocorrer exatamente devido às precauções necessárias e indispensáveis relacionadas ao distanciamento social impeditivo da transmissão e do contágio do vírus – ainda que possível a mobilização digital, o que tem ocorrido, mas é insuficiente – torna imperioso que as instituições façam o seu papel, cumpram os seus deveres, sob pena de se associarem, por omissão, aos verdadeiros crimes que a desastrosa gestão da pandemia tem proporcionado em termos de mortes evitáveis.

Assim, somente uma atuação nacionalmente coordenada – e aí a indispensabilidade do cumprimento, pela União, do seu dever constitucional de coordenar a atuação nacional, no exercício da competência comum a todos os entes federativos de cuidar da saúde e da assistência pública – e devidamente amparada em critérios científicos pode proporcionar a efetividade das medidas como um todo no enfrentamento emergencial da crise.

São medidas emergenciais indispensáveis no atual momento:

Locdown nacional: deveríamos ter percebido, inclusive aprendendo com as experiências de outros países que enfrentaram a primeira e a segunda onda da pandemia antes de nós, que as medidas de distanciamento social necessárias à contenção da propagação do vírus não conseguem total adesão voluntária da população, sendo premente que o Poder Público assuma o seu ônus e os seus deveres constitucionais, determinando o fechamento total de circulação de pessoas, ressalvadas apenas as atividades efetivamente essenciais, com cominação de sanções escalonadas para o caso de descumprimento.

A essa altura nota-se que é muito menos restritivo e impactante na atividade econômica o locdown efetivo e temporário até que o nível de transmissão e da lotação das vagas nos hospitais caia significativamente do que adotar medidas apenas parcialmente restritivas da circulação de pessoas que não conseguem alcançar o resultado desejado mas prejudicam de qualquer forma a atividade econômica e desgastam a população.

Por outro lado, tendo em vista que o colapso do sistema é nacionalmente uniforme, não são suficientes locdowns regionais, já decretados em alguns estados e municípios, porque a não contenção da transmissão fora desses lugares fará com que o vírus continue circulando e acabe retornando a esses lugares quando do encerramento do lockdown regional.

Auxílio emergencial e amparo aos profissionais autônomos, microempresas e segmentos da atividade econômica: a simples decretação de locdown sem estar acompanhada de auxílio emergencial e de outras medidas de compensação ao fechamento do comércio e das atividades em geral é jogar em favor da crise e nada contribuir para a sua solução. É evidente que a suspensão parcial das atividades econômicas produz impacto direto e imediato notadamente nos mais desfavorecidos do nosso desigual e injusto modelo socioeconômico, que serão condenados a morrer de fome para não morrerem de COVID-19. Daí a indispensabilidade de renovação do auxílio emergencial – que incompreensivelmente não foi renovado ao final do ano passado – e de retorno, pelo menos, ao seu valor original de R$ 600,00 (seiscentos reais). É indispensável também que seja renovado o auxílio aos Estados e Municípios, tal como ocorreu no ano passado, como medida compensatória à queda das receitas decorrente do locdown;

 Vacinação para todos, observada a lista de prioridades definidas como estratégia de controle epidemiológico: o Governo Federal jogou contra e não cumpriu seu dever de contratar a aquisição de vacinas que já se anunciavam promissoras nas fases de testes no ano passado e somente agora corre atrás do imensurável prejuízo para aquisição de novas doses de vacinas; é preciso que mais doses de vacinas sejam adquiridas para inclusão no Plano Nacional de Imunização, bem como dar todo o suporte para que o Instituto Butantan e a Fiocruz consigam aumentar a capacidade de produção das vacinas Coronavac e Astrazeneca, conforme acordos que foram firmados, para que seja viável projetar a vacinação de toda a população brasileira. Mas a vacinação não é suficiente, pois sozinha, sem o controle da transmissão, o descontrole da pandemia entre nós terá potencial de gerar mais e mais variantes do vírus que escapem ao poder imunizador das vacinas;

Comunicação transparente e efetiva: o Poder Público precisa se comunicar diariamente e de modo transparente com a sociedade, comunicação voltada para as necessárias medidas de prevenção, gerenciamento de expectativas e projeção de esperanças, com esforço conjunto de articulada atuação do Estado e da sociedade, cada qual assumindo seus ônus e suas responsabilidades, presente o interesse coletivo e mesmo a sua prevalência sobre os interesses individuais;

Impeachment ou medida constitucional que implique a derrubada do Governo Bolsonaro: esse item é autoexplicativo, diante de tudo o que se comentou neste texto e do que vimos comentando em textos anteriores. Os motivos jurídicos de enquadramento nas possibilidades válidas de perda do cargo são muito numerosos e já houve mesmo diversas postulações. As dificuldades para viabilização foram objeto de comentários nos textos “Democracia, crise, presidencialismo e perda de mandato”  e “Mudanças na conjuntura do ‘Fora Bolsonaro’?“.

Todavia, o que estamos assistindo, ao contrário do que necessário e imperioso, é o caminhar das instituições para longe da adoção sequer minimamente parcial dessas medidas: o boicote ao distanciamento social decretado parcialmente no âmbito dos estados e municípios continua a ocorrer por parte do Governo Federal, que mudou o Ministro da Saúde mais uma vez, mas mantém o discurso contra a necessidade de distanciamento social; o auxílio emergencial somente agora em abril começará a ser pago, mas em valor que pode variar entre R$ 175,00 e R$ 375,00; o cronograma da vacinação segue inalterado e em ritmo lento devido à ausência de doses; o Congresso Nacional se preocupa em aprovar emenda à constituição que passa longe do atendimento dessas necessidades prementes enquanto protelou a renovação do auxílio emergencial, bem como não avança no processo de impeachment, o Procurador-Geral da República não propõe as cabíveis ações penais pela prática de crime comum por parte do Presidente da República …

É forçoso concluir: a pandemia global do coronavírus e a sua péssima gestão no Brasil, que levou ao colapso nacional da saúde, ao invés de ter provocado o despertar das instituições, revelou mesmo o colapso das instituições.

Nesse cenário – é o que resta comentar para tentar fazer da desesperança a motivação para os embates – somente resta à cidadania o caminho da luta contínua e incessante, tão difícil em tempos de aguda crise econômica e social e de restrições de mobilizações por conta exatamente da pandemia quanto necessária como modo de vida e mesmo razão de viver.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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