De pistoleiro a empresário do crime

Uma notícia veiculada em alguns dos melhores portais da internet na noite de sexta-feira afirma que a Polícia Federal prendeu um dos mais procurados, temidos e perigosos pistoleiros do Nordeste. Ora, pergunta-se o apressado sergipano, será que só agora alguns veículos de comunicação atentaram para a prisão de Floro Calheiros, ocorrida no domingo passado? Não, não é o caso. Este é um pistoleiro da Paraíba, ligado a uma quadrilha de tráfico de drogas e assalto a caminhões de carga. Reginaldo Marcolino Soares, conhecido como Grampão, foi alvo de uma operação da Polícia Federal batizada de Rede Marginal, em Orós (CE). Ele foi preso com outras 24 pessoas, inclusive um policial militar, responsável por fornecer armas para o grupo.

 

Como se vê, o Nordeste permanece uma terra fértil para a pistolagem e policiais envolvidos com esses criminosos pululam em todos os cantos da região. Floro aqui, Grampão acolá, o que incomoda é saber como ainda faz parte do nosso dia-a-dia nordestino essa cultura antiga da pistolagem. Porque até a bandidagem evoluiu, hoje vive do tráfico de drogas e grandes assaltos, mas o pistoleiro profissional sobrevive — mesmo que algumas vezes unido aos novos bandidos.

 

Quando aqui se fala de pistoleiro, está se falando do assassino profissional, o facínora, o sujeito que sente prazer naquilo que acha que faz melhor, que é matar. Normalmente é associado a um mandante, como afirma o professor César Barreira, sociólogo, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará e autor do livro Crimes por encomenda — pistolagem e violência no cenário brasileiro (Editora Relume Dumará, 1998). “O pistoleiro, que executa a ação, e o mandante, que comanda a ação, constituem as peças-chaves e definidora do ‘crime de pistolagem’. Essas peças são classificadas também como autor material — o pistoleiro — e o autor intelectual — o mandante”.

 

Mas outra socióloga, a professora Peregrina Cavalcante, do Departamento de Ciências Sociais da mesma UFC, define três tipos diferentes de pistoleiros: o tradicional, ligado a um dono; o bandido, com “práticas marginais múltiplas”; e o avulso, que é nômade e necessita do intermediário. Entre os três tipos a autora diz que encontra um traço em comum, que é o fato deles todos “matarem por dinheiro e por vingança”.

 

Ela é autora do livro Como se Fabrica um Pistoleiro (editora A Girafa, 2004), que é resultado de dois anos e meio de pesquisas no interior do Maranhão, Piauí e Ceará. Peregrina Cavalcante precisou morar junto às comunidades onde existem pistoleiros para “sentir como as pessoas convivem com o fato e como se dão os crimes”. E foi com muito custo que ela ganhou a confiança para realizar o trabalho.

No livro, ela relata as “confissões” feitas por um padre e um juiz, ameaçados de morte, conta histórias de pistoleiros em ação e até de um delegado de polícia que conseguiu a façanha de levar um desses assassinos de aluguel a ser condenado. O delegado, que não quis identificar-se, classifica o “matador de gente” como uma pessoa “perigosa, traiçoeira, astuta e covarde”.

 

Para a pesquisadora, a história da pistolagem no País se confunde com a história da “elite” brasileira. A imagem do pistoleiro foi sendo construída historicamente, desde quando o Brasil foi colonizado, por exemplo, por meio do extermínio brutal dos índios.

 

PISTOLEIRO AVULSO — Portanto, Floro é uma espécie de pistoleiro avulso que se deu bem na atividade, virou agiota e próspero fazendeiro. Mas nunca deixou de matar, ou mandar matar. Conta-se que ele é fruto de uma guerra entre famílias de Alagoas. Um irmão de Floro teria sido assassinado e ele se vingou matando o assassino, cuja família matou o pai dele e não parou mais. Então tomou gosto pela atividade e ganhou a vida assim até tornar-se um homem influente em Canindé do São Francisco. E, por que não dizer, influente em Sergipe. Quando se associou ao ex-prefeito Genivaldo Galindo, fundaram uma república que mandava e desmandava na região. Eles se conheceram em Itaíbas, agreste de Pernambuco, terra de Galindo.

 

Floro chegou ao município do Alto Sertão sergipano como autoridade, para ser secretário de finanças da prefeitura. Ficou pouco tempo no cargo, pois acabou brigando com Galindo por questões monetárias, provavelmente dinheiro de agiotagem, Mas sempre se entenderam e mantiveram boas relações. Juntos aprontaram, juntos cometeram crimes. Como o assalto ao fórum para queimar as urnas eleitorais, em 1996, um dia depois de o Tribunal Superior Eleitoral determinar a recontagem dos votos da eleição para prefeito.

 

Também associado a Galindo ele teria assassinado um agiota de Alagoas que viera cobrar uma dívida do prefeito. Galindo a pagou, entregando-o o dinheiro numa pasta, mas, logo que entrou em território alagoano, o carro do agiota foi atacado, metralhado e queimado — não sem antes a pasta com o dinheiro ter sido recuperada.

 

DIZEM MUITAS COISAS… — Floro Calheiros Barbosa, vulgo Ricardo, para os amigos, responde pelos assassinatos do agiota João Vieira da Mota, o Motinha, do deputado Joaldo Barbosa e por outros crimes, inclusive fora de Sergipe, como de um ex-deputado estadual em Itamaraju, na Bahia. Mas ele teria mesmo participado da trama para assassinar Joaldo? Há quem sustente que não, que foi mesmo coisa armada por Antônio Francisco e seu filho junto com Marcos Nunes, o Munganga. Este era afilhado de Floro, foi secretário particular de Galindo e chegou a ser candidato a vice-prefeito de Canindé. O Ministério Público sustenta que, antes do assassinato do deputado, Munganga manteve contatos com Floro em Teixeira de Freitas, sul da Bahia, onde o então foragido morava. Talvez Floro soubesse da trama diabólica. Talvez.

 

Há desconfiança de que ele tenha tramado a morte da própria mulher, Maria Paulina dos Santos, que estava grávida e foi vítima de um estranho acidente no sul da Bahia. Paulina foi amante de Galindo antes de se tornar mulher de Floro e dizem que ela o traía com Motinha, o que talvez tenha decretado a morte do agiota. Também dizem que ela mesma planejou o assassinato de Motinha, talvez para se livrar de um passado incômodo e também para “quitar” dívidas. Dizem até que o filho que carregava era do próprio Motinha. Dizem muitas coisas, mas não há muitas provas. Testemunhas estão mortas e não dá para confiar no que os vivos dizem. Coisa de pistoleiro.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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