Direito de greve do servidor e desconto dos dias parados

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido da legalidade do desconto dos dias parados na remuneração em decorrência da greve de servidores públicos.

Confira-se, a propósito, as seguintes ementas:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO EM GREVE. OFENSA AO ART. 535 DO CPC
NÃO CONFIGURADA. DESCONTO NOS VENCIMENTOS. LEGALIDADE. COMPENSAÇÃO DOS DIAS PARADOS. SÚMULA 211/STJ. REVISÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
(…)
2. A jurisprudência do STJ se pacificou no sentido da legalidade, em regra, dos descontos realizados nos vencimentos dos servidores públicos em greve.
(…)” (grifou-se) (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 496115/BA, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 24/06/2014);

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DIREITO DE GREVE. DESCONTOS DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(…)
2. É entendimento consolidado no âmbito do STJ de que é legítimo o ato da Administração que promove o desconto dos dias não-trabalhados pelos servidores públicos participantes de movimento grevista, diante da suspensão do contrato de trabalho, nos termos da Lei8.112/1990, salvo a existência de acordo entre as partes para que haja compensação dos dias paralisados. Nesse sentido: REsp 1.245.056/RJ, 2ª Turma, Min. Herman Benjamin, DJe 22/05/2013 AgRg na SS 2.585/BA, Corte Especial, Min. Ari Pargendler, DJe 6/9/2012; MS 15.272/DF, Primeira Seção, Min. Eliana Calmon, DJe 7/2/2011; MS 13.607/DF, Terceira Seção, Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 1°/8/2011; AgRg no AREsp 5.351/SP, Primeira Turma, Min. Benedito Gonçalves, DJe 29/06/2011.(…)” (grifou-se) (STJ, 2ª Turma, EDcl no AgRg no REsp 1268748/SC, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 17/06/2013);

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. GREVE. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE.
1. O direito de greve, nos termos do art. 37, VII, da Constituição Federal, é assegurado aos servidores públicos, não sendo ilegítimos, porém, os descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (grifou-se) (STJ, 5ª Turma, AgRg no RMS 30188 / RS, Relator Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), DJe 23/05/2012);

“MANDADO DE SEGURANÇA. GREVE DOS ADVOGADOS PÚBLICOS. AÇÃO AJUIZADA POR ENTIDADES DE CLASSE. LEGITIMIDADE. DESCONTOS DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL. DATA EM QUE PROFERIDA DECISÃO NA SUSPENSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPENSAÇÃO, NECESSIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO E LIMITE DOS DESCONTOS: QUESTÕES PREJUDICADAS. ORDEM DENEGADA.
(…)
2. É possível o desconto dos dias parados em virtude de greve, porquanto, nos termos do art. 7º da Lei nº 7.783/89, a paralisação suspende o contrato de trabalho (…)” (grifou-se) (STJ, Terceira Seção, MS 13607 / DF, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 01/08/2011).

A controvérsia agora está sob exame do Supremo Tribunal Federal. Isso porque admitiu a existência de repercussão geral nas questões constitucionais discutidas no recurso extraordinário (RE n° 693456) interposto pela Fundação de Apoio à Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que determinou que a Fundação se abstivesse de efetuar qualquer desconto dos dias parados na remuneração dos seus servidores em decorrência de greve realizada entre março e maio do ano de 2006.

E a essência da questão constitucional discutida nesse caso, de repercussão geral, é a seguinte: inviabiliza, ou não, o direito constitucional fundamental de greve dos servidores públicos (Art. 37, VII, c/c Art. 9° da Constituição da República) a autorização para que a Administração Pública, por decisão unilateral, efetue descontos dos dias parados na remuneração?

Para o Relator, Ministro Dias Toffoli, não, tendo em vista que esse direito constitucional deve ser harmonizado com o princípio da continuidade do serviço público, e que na ponderação entre os interesses contrapostos, a prevalência é deste último:

Ao admitir o desconto dos dias paralisados, esta Corte, com o devido respeito àqueles que pensam em contrário, não está a negar o exercício do direito do servidor público de realizar greve. Pelo contrário, pois, como outrora salientado, a participação do servidor público em um movimento paredista não implica a prática de um ilícito. Entretanto, esse direito possui limites e ônus, em especial, por se tratar o serviço público de atividade de importância estratégica para o Estado em prol da sociedade.
(…)
Da mesma forma, na greve dos servidores públicos, parece-me que a regra há de ser o desconto dos dias não trabalhados. Trata-se de uma opção vinculante e não pode o gestor abrir mão disso, sob pena de violar o princípio da legalidade, que, inclusive, há de imperar quanto à concessão dos direitos pleiteados pelos grevistas” (grifou-se) (trechos do voto do Relator).

Por tais fundamentos, sua conclusão foi a seguinte:

“i) a deflagração da greve por servidor público civil corresponde à suspensão do trabalho e, ainda que a greve não seja abusiva, como regra geral, a remuneração dos dias de paralisação não devem ser pagos; ii) o desconto somente não se realizará se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos civis ou se ocorrer outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de trabalho, tais como aquelas em que o ente da administração ou o empregador tenha contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorresse ou em que haja negociação sobre a compensação dos dias parados ou mesmo o parcelamento dos descontos” (grifou-se).

O Ministro Edson Fachin, em voto apresentado com extrema lucidez e percepção das especificidades que envolvem o direito de greve do servidor público, a partir da sua própria fundamentalidade e de praticamente se apresentar como único instrumento de pressão política pelo atendimento de suas reivindicações – que, como comentado na semana passada, via de regra dependerão de formalização em lei, a partir de processo legislativo instaurado por iniciativa do Chefe do Poder Executivo – tendo em vista a inexistência de mecanismos efetivos de negociação coletiva no serviço público aplicáveis aos servidores públicos estatutários.

Com efeito, Edson Fachin julgou que a adesão do servidor público a movimento grevista não pode representar opção econômica de renúncia ao pagamento, pois a greve é o principal instrumento de reivindicações do servidor público frente ao Estado e, por esse motivo, a suspensão da remuneração é um fator essencial na relação jurídica instalada a partir da deflagração do movimento paredista e não pode ser decidida unilateralmente, até porque o direito fundamental à greve está intrinsecamente ligado à consolidação do Estado Democrático de Direito: “A adesão de servidor a movimento grevista não pode representar uma opção economicamente intolerante ao próprio grevista e ao núcleo familiar”, ponderou.

Ainda de acordo com Fachin, enquanto não houver lei que regulamente o direito de greve no serviço público, deve ser aplicada a legislação válida para o setor privado, conforme já decidido pelo STF, entretanto, a regra para a suspensão de pagamento não pode ser aplicada, pois os servidores públicos não contam com o instrumento do dissídio coletivo nem com a possibilidade de intervenção da Justiça do Trabalho para mediar o conflito. Logo, apenas a partir de determinação judicial, não havendo acordo entre as partes ou sendo constatada a ilegalidade ou abusividade da paralisação, é possível o corte nos salários. Esse entendimento não representa ausência de consequência para os grevistas, pois deverá haver compensação dos dias parados ao final do movimento. A paralisação no setor privado causa prejuízos econômicos a ambas as partes em decorrência da situação de perigo em que se coloca a atividade econômica o que, em geral, leva os interessados a buscarem acordo no menor tempo possível de forma a reduzirem as perdas. Já no setor público a lógica é diferente e, embora haja setores mais essenciais que outros, muitas vezes, o poder público posterga ao máximo o início das negociações:

“Permitir o desconto imediato no salário dos servidores públicos significa que os prejuízos do movimento paredista serão suportados apenas por uma das partes em litígio. Essa lógica praticamente aniquilaria o direito de greve no setor público”. (grifou-se).

O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do Ministro Luís Roberto Barroso.

A conferir se o STF vai, em definitivo, sepultar o direito de greve dos servidores públicos – que é a consequência a que se chegará com a consolidação de entendimento de que a Administração Pública pode unilateralmente efetuar o desconto na remuneração dos servidores em greve, ainda que legal, não abusiva, pois bem reduzidas serão as categorias de servidores públicos que conseguirão suportar períodos de greve e, portanto, de ausência de recebimento de remuneração, durante longos períodos que fatalmente serão provocados pelos entes públicos com ausência de propostas concretas ou pura embromação nas negociações – ou se vai, finalmente, acenar positivamente com a concretização desse direito fundamental, tal como decidido em opção soberana do povo brasileiro reunido em Assembleia Nacional Constituinte em 1988.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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