Efeitos Alienígenas da PEC 65

Publicamos hoje artigo da colega advogada e professora Fábia Ribeiro Carvalho de Carvalho*:

EFEITOS ALIENÍGENAS DA PEC 65

O panorama inaugural do sistema de licenciamento no Brasil possui legitimidade teórica e confusão pratica além de ser redundantemente controverso no que tange a sua efetividade. Poder-se ia citar uma infinidade de situações nas quais se observa em regra, o descumprimento frequente de condicionantes envolvendo empresas petrolíferas, usinas hidrelétricas e demais empreendimentos que direta ou indiretamente realizem atividades referidas pelo art. 2º da Resolução CONAMA 001 de 2 de janeiro de 1986. Logo de início impõe-se ressaltar que a eloquência e proliferação legislativa não se coaduna com as estatísticas de eficiência decorrente da implementação dos preceitos do licenciamento ambiental, matéria que define, descreve e caracteriza o procedimento de intervenção causadora de impacto ambiental.

Importa destacar que a maioria dos órgãos governamentais e não governamentais e instituições afins, que operam de alguma forma com o licenciamento identificaram na referida Proposta de Emenda a Constituição um “mal” sem precedentes pelas mais diversas razões. Dentre as instituições e organizações que se manifestaram identificam-se algumas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público Federal e Estadual, Instituto socioambiental, Sociedade Brasileira de Arqueologia, Considere-se ainda que a PEC 65 de … provocou uma reação imediata da sociedade civil o que poderia sugerir que esteja havendo uma ampliação na compreensão ambiental oriunda da sociedade civil  Concernente às razões esboçadas por tais órgãos em sua grande maioria se referem a questões de ordem jurídico-material como por exemplo.

A rejeição sistemática de cada conduta veiculada pela PEC 65, demanda que se recorra a alguns temas estruturais da política ambiental enviesada por sua mais apurada técnica jurídica, visitando temas como: “modelos desenvolvimento”, “princípios ambientais”, “eficiência administrativa”, “representatividade política”, “comunidades e impactos ambientais” dentre outros. Tratam-se de temas que se situam a meio caminho entre a retorica do desenvolvimento e a retorica da proteção do ambiente.

Retoricas a parte, necessário transitar por um trajeto da legalidade quando se trata de preservação ambiental, bem como realizar uma hierarquia teleológica entre normas pertinentes. É próprio da seara ambiental a profusão normativa tendente a veicular temas ambientais diversos, embora se proponha a eleger uma temática em detrimento das demais. Observe-se ainda a existência de normatização abundante que ao invés de estabilizar a aplicação da lei possibilita o seu manuseio não criterioso, podendo mesmo redundar no emprego contraditório de seus pressupostos.

Uma investigação meramente superficial do ordenamento jurídico na tentativa de acessar a legislação pertinente, torna possível identificar normas diversas entre leis em sentido estrito, medidas provisórias, resoluções e demais dentre as quais estão: a Lei nº 4.771, de 15/09/1965 que Institui o Código Florestal, Lei nº 6.938 de 31/08/1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 7.347 de 24/07/1985, lei dos Interesses difusos, Lei nº 7.735 de 22/02/1989 que dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica e cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências, lei nº 7.754, de 14/04/1989 que estabelece medidas para proteção das florestas existentes nas nascentes dos rios e dá outras providências, lei nº 7.804, de 18/07/1989 que altera a lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, a lei nº 6.803, de 2 de junho de 1980, e dá outras providências, lei nº 9.605, de 12/02/1998 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, lei nº 9.960, de 28/01/2000 que dispõe sobre os custos das licenças e análises ambientais, lei nº 9.984, de 17/07/2000 que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas – ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências, lei nº 9.985, de 18/07/2000 que regulamenta o art. 225, § 1º e inciso I, II,III e VII da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, a lei nº 10.165, de 27/12/2000 que altera a Lei nº 6.938/81 e institui a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).

Em outras categorias normativas, qual sejam as medidas provisórias, decretos e resoluções tem-se medida provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001 que altera artigos e acresce dispositivo à Lei nº 4.771, de 1965, medida Provisória nº 2.198-5, de 24/08/2001 que cria a câmara de gestão da crise de energia elétrica e determina ao Conama o estabelecimento de procedimentos simplificados de licenciamento ambiental para empreendimentos de geração e transmissão de energia elétrica, decreto nº 99.274, de 06/06/1990 que regulamenta a Lei nº 6.938, de 1981, decreto n° 750, de 10/02/1993 que dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, e dá outras providências, resolução Conama nº 001, de 23/01/1986 que dispõe sobre os critérios básicos e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental, resolução Conama nº 006, de 24/01/1986 que dispõe sobre a aprovação de modelos para publicação de pedidos de licenciamento, resolução Conama nº 011, de 18/03/1986 que altera o inciso XVI e acrescenta o inciso XVII ao artigo 2º da Resolução Conama nº 001, de 23 de janeiro de 1986, resolução Conama nº 028, de 03/12/1986 que determina a elaboração de EIA/Rima das Usinas Nucleares de Angra II e Angra III, resolução Conama nº 006, de 16/09/1987 que dispõe sobre o licenciamento ambiental de obras de grande porte, especialmente as do setor de geração de energia elétrica, resolução Conama nº 009, de 03/12/1987 dentre outras alterações e atualizações em curso.

A citação proposital do conteúdo legal descrito acima faz surgir conclusões inevitáveis: a primeira e mais grave é que a quantidade de normas que se dirigem a tangenciar em maior ou menor grau a temática do licenciamento ambiental pode facilmente criar lacunas decorrente do cruzamento de leis (sentido lato) que são elaboradas sem um cuidado sistemático profundo, possibilitando  que  todos e cada um quer seja operador do direito ou beneficiário reestruturar do ponto de vista do direito material a superfície normativa e seu grau de importância hierarquicamente disposto, embora mantenha certa coerência formal.

Em outras palavras atualmente é possível manejar os conteúdos mais caros da preservação ambiental sob pretexto de atendimento as regras do direito ambiental, e assim então mitigar todos os seus efeitos, por meio de suas próprias regras e então facilmente resguardar no interior pétreo do direito ambiental os preceitos que nutrem e retroalimentam a manutenção de preceitos degradadores, poluidores.

Em segundo lugar e nesse ponto oportuno as considerações de Ilya Prigogine ao abordar a teoria do caos de forma a esboçar uma verdade que se manifesta não apenas na composição das leis da natureza, mas também e principalmente na sua representação jurídica em nível constitucional ou infraconstitucional, e assim tal como constrói Prigogine dá-se nova dignidade ao ‘caos’, cuja instabilidade é fonte de ordem e desordem. Sobre isto cabe ponderar ordem econômica desordem ambiental, uma desordem que proposital ou não emerge intramuros e se espraia principalmente na articulação entre normas ambientais e normas administrativas ou econômicas.

A proposta de emenda a constituição  acrescenta o § 7º ao art. 225 da Constituição, para assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental. A referida emenda acrescenta o § 7º ao art. 225 da Constituição Federal para assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental; dispõe que a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.

De volta a análise da Proposta de Emenda à Constituição de n. 65 de 2012, é importante salientar seu conteúdo de indexação no sistema de tramitação legislativa, qual seja, o âmbito administrativo. Por esta razão a justificativa constante do texto originário da referida proposta aduz dentre outros itens, a “uma das maiores dificuldades da Administração Pública…”, …”manifestação pública de ineficiência…”, …”obras inacabadas…, …”reclamações de prefeitos municipais…”, …”prejuízo para a prestação de serviços públicos fundamentais”…, …”desperdiçam-se recursos”…, …”soberania popular”…, …”um prefeito municipal, tem quatro anos de mandato”… As referências exaustivas possuem uma impertinência temática finalizam aduzindo que a medida contribuirá para a afirmação dos mais respeitáveis princípios da administração pública, a eficiência e a economicidade.

Da análise meramente superficial da referida proposta é possível concluir que se propõe alterações em dispositivo que estabelece princípios estruturais de todo sistema legal ambiental, restringindo seu alcance, deslocando seus institutos, suprimindo seu efeito técnico-jurídico unicamente para reforçar a efetividade, aumentar o alcance e fundamentar os institutos da administração pública. Um dos lamentos que poderia ecoar desta proposta sofrível, a par de tantos outros ecos propagados por inúmeras organizações é a constatação da fragilidade do sistema de proteção do ambiente que frequentemente cede espaços aos vários argumentos seja de celeridade na execução ávida de obras públicas, seja de economicidade e ou a concepção desenvolvimentista unívoca.

Atualmente a referida proposta de emenda encontra-se aguardando a realização de audiência pública, tramitando em conjunto com as PECs n. 65de 2012 e 153 de 2015. Além disse noticiou-se recentemente a comunicação de que texto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que o governo pretende enviar ao Congresso Nacional. O projeto, elaborado pela Presidência, Casa Civil e Ministério do Meio do Meio Ambiente apresenta diversos pontos que demandam uma análise mais apurada dos órgãos ambientais. Dentre outros itens a referida proposta considera como um único empreendimento atividades realizadas periodicamente numa mesma área de influência direta, o que dispensa a obrigação de novo licenciamento anual para possibilitar a produção agrícola. Tem-se ainda que a proposta não cria de antemão isenções de licenciamento havendo sido ainda mantidos os critérios para definir o grau de impacto de um empreendimento, que consideram porte, localização e potencial de causar dano ambiental dentro outros.

Seria redundante afirmar que a Proposta de Emenda à constituição 65 de 2012 é indiscutivelmente desastrosa e atua na contramão de um sistema protetivo de preservação ambiental, de responsabilidade de todos segundo a égide do caput do dispositivo legal que pretende a PEC alterar. Órgãos diversos se manifestaram a tempo e modo destacando os efeitos nocivos da aprovação da Pec dentre os quais: obstáculo intransponível ao controle ambiental de empreendimentos, desatendimento a princípios ambientais caros tais como precaução e prevenção, facilitação de grandes empreendimentos desconsiderando tragédias ambientais, ignorância quanto a clausula pétrea da Constituição Federal esculpida no artigo 225, privilegio a viabilização de empreendimentos em detrimento da minimização ou erradicação de impactos ambientais dentre outros.

Dessa forma após diversas manifestações contrarias de órgãos governamentais e não governamentais que atuam direta e indiretamente na proteção e gestão do ambiente e diversas moções de apelo pela não aprovação da PEC aguarda-se que seja enfim não seja aprovada, retirada de pauta e devidamente arquivada.

*A autora é Doutoranda e Mestre em Direito pelo Programa de Direito Econômico e Socioambiental da PUC/PR.Advogada. Especialista em Direito Empresarial pela FECAP/JUSPODIVM. Integrante do grupo de pesquisa Sociedades hegemônicas e populações tradicionais da PUC/PR e do grupo de pesquisa: Gênero, família e violência- Universidade Tiradentes. Presidente da comissão científica da Comissão de Violência e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM/SE).  Avaliadora da revista Interfaces científicas.Presidente da Comissão de Direito Ambiental (CDMA) da OAB-SE. Conselheira seccional suplente da OAB-SE. 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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