Estatuto das Guardas Municipais – Parte II

As controvérsias quanto à constitucionalidade da Lei n° 13.022/2014 começam pela própria necessidade de um “estatuto das guardas municipais” com normas uniformes em todo o país.

Com efeito, ao contrário do que sucede com os órgãos policiais civis da segurança pública, sobre os quais a Constituição determina competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre organização, garantias, direitos e deveres (Art. 24, XVI) (devendo a União elaborar normas gerais e cabendo aos Estados a elaboração das normas específicas), não existe determinação constitucional de competência legislativa da União para dispor sobre órgão integrante da estrutura administrativa e orgânica dos municípios.

Daí ser juridicamente questionável tanto a existência de “normas gerais” quanto a circunstância de tais normas gerais serem impostas pela União, atropelando a autonomia política municipal para dispor sobre suas guardas municipais, dentro dos marcos permitidos pela Constituição.

Esse atropelo da autonomia municipal pela lei federal é perceptível, sobretudo, no Art. 6° da Lei n° 13.022/2014, que pretende ser a fonte jurídica de validade da instituição de guardas municipais pelos Municípios (“Art. 6º O Município pode criar, por lei, a sua guarda municipal”), como se essa possibilidade não decorresse diretamente da norma constitucional do § 8° do Art. 144 (“Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”), e no Art. 7°, que impõe limite de efetivo das guardas municipais por faixas populacionais dos Municípios [“Art. 7o  As guardas municipais não poderão ter efetivo superior a: I – 0,4% (quatro décimos por cento) da população, em Municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes; II – 0,3% (três décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso I; III – 0,2% (dois décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso II.  Parágrafo único.  Se houver redução da população referida em censo ou estimativa oficial da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é garantida a preservação do efetivo existente, o qual deverá ser ajustado à variação populacional, nos termos de lei municipal].

É diferente a situação daqueles outros órgãos ou carreiras/funções em que é a própria Constituição que prevê o seu caráter nacional, e que aponta a indispensabilidade de que normas elaboradas pela União disponham ao menos sobre normas gerais (como é o caso de todas as matérias de competência concorrente), a exemplo de “diretrizes e bases da educação nacional” (Art. 22, XXIV), “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III” (Art. 22, XXVII), “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares” (Art. 22, XXI), “normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (Art. 61, § 1°, inciso II, “d”), normas gerais para a organização da Defensoria Pública nos Estados (Art. 134, § 1°), normas gerais sobre finanças públicas (Arts. 163 e 164), normas gerais para a efetivação da possibilidade de perda do cargo do servidor estável em caso de excesso de gasto com pessoal e ante insuficiência da redução de despesas com cargos em comissão e funções de confiança e exoneração de servidores não estáveis para alcançar o objetivo (Art. 169, §§ 3º, 4º e 7º), normas gerais da assistência social (Art. 204, inciso I), “normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro” (Art. 236, § 2°).

Parece sugestivo que dos órgãos constitucionais da segurança pública, as guardas municipais sejam os únicos sobre os quais não há qualquer previsão constitucional de atuação legislativa regulamentadora da União, ainda que para dispor sobre normas gerais; sugestivo de que, ao contrário do que sucede com os demais órgãos constitucionais da segurança pública, a atuação das guardas municipais nessa matéria é adstrita à proteção do patrimônio público municipal, não cabendo às guardas municipais atuação de policiamento ostensivo voltado à preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio particular.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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