“Em que posso ajudá-la hoje?”: ChatGPT e a produção de conhecimento.

 

Talita Fontes

Doutoranda pelo Programa de História das Ciências e da Saúde (COC/Fiocruz)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)

Fonte: Reuters Photo. Disponível em: https://www.deccanherald.com/business/technology/chatgpt-driven-bing-wants-to-be-alive-and-powerful-shocks-users-1192221.html

 

Inteligência é a capacidade de fazermos uso infinito de meios finitos. Sob essa premissa, o famoso linguista Noam Chomsky, juntamente com os professores Ian Roberts e Jeffrey Watumull, estruturaram um recente ensaio no jornal New York Times, no qual dispararam críticas frontais à forma como o conceito de “Inteligência” Artificial vem sendo mal aplicado e talvez até subvertido pelos atuais queridinhos do mundo tecnológico: os Chatbots. O ChatGPT (OpenA.I) é de longe o principal representante desse grupo, se estabelecendo enquanto epicentro de calorosos debates.

Nos últimos meses, ChatGPT tornou-se uma palavra comum aos nossos ouvidos. Desconhecida até os instantes finais de 2022, os primeiros burburinhos sobre a ferramenta começaram a reverberar em dezembro, tomando gradativamente a internet, que em poucas semanas se viu maravilhada com o mar de possibilidades da iniciativa. De forma muito simplificada, o ChatGPT é um modelo de linguagem baseado em Inteligência Artificial. Sua execução é vinculada a um Chatbot – um software programado para sustentar conversas em tempo real, simulando interação humana.

Logo, a partir da interação via chat, o usuário pode solicitar ao ChatGPT as mais variadas respostas e tarefas. Um dos principais motivos pelos quais a ferramenta conquistou o público foi justamente a fluidez e a “humanidade” de sua interação. De indicações de receita para o jantar à produção de uma fanfic, nas redes sociais, é fácil encontrar os mais excêntricos e diversos resultados atribuídos ao software. Toda essa flexibilidade só é possível graças ao treinamento junto ao software com bilhões de dados textuais, dos mais variados formatos – prática conhecida como Machine Learning. A perspectiva dos seus criadores é que as próximas atualizações da ferramenta potencializem sua capacidade de leitura e interpretação de dados, incluindo no seu arsenal outras modalidades de fontes, como imagens, vídeos e áudios.

Entretanto, na mesma velocidade em que se instaurou um grande entusiasmo acerca da inovação, setores da sociedade se viram apreensivos com o presente/futuro impacto da popularização desse tipo de instrumento. Diante das promessas depositadas no ChatGPT, muitos se viram diante de uma realidade que até então só havia sido representada em filmes de ficção científica: o momento em que a Máquina supera o Homem tanto em termos quantitativos, quanto em termos qualitativos de produção de conhecimento.

No campo da Educação, o ChatGPT vem gerando opiniões controversas, que vão de admiração a rumores quase que apocalípticos. Algumas instituições de ensino, inclusive, já começaram a repensar as formas de avaliar os seus alunos. Outros profissionais vão além, e percebem no Chatbot um potencial concorrente a sua vaga de emprego.

Mas será mesmo que chegamos a esse ponto? Será que ferramentas como o ChatGPT estão prestes à se igualar a complexidade e às potencialidades da inteligência humana? De acordo com Chomsky, Robert e Watumull, não. Pelo contrário, na opinião dos autores, considerando a forma como esse e outros Chatbots vêm sendo configurados, o que assistimos não é a um avanço da “inteligência”, mas a uma “banalidade do mal”. Uma ferramenta apática, que faz uso da sua capacidade de processamento de dados e pressuposições para plagiar e falsear, construindo com isso um produto com ares de “original”. Seria, nos dizeres dos autores, uma “anti-inteligência”, se comparada à essência da inteligência humana, capaz de pensar e produzir as mais improváveis coisas, a partir do seu limitado arsenal de conhecimentos adquiridos por meio da vivência. 

De fato, sem menosprezar aqui as suas incríveis potencialidades, é notório que o ChatGPT ainda está distante de ser um instrumento de produção textual em seu mais perfeito estado. É possível perceber que muitas de suas respostas são demasiadamente genéricas, com imprecisões grosseiras, assim como falseamentos que, junto a olhos desatentos, podem passar despercebidos. A ausência de referências confiáveis e a utilização de fontes problemáticas para a construção de seus argumentos também estão sendo reportadas por acadêmicos e jornalistas que passaram a investigar os limites do software.

Por sua vez, a crescente popularização do ChatGPT no meio educacional, mesmo com todas as imperfeições, diz muito sobre o tempo em que vivemos. Ao menos na realidade brasileira, não é segredo que recursos de Inteligência Artificial se tornaram aliados da galopante precarização de alguns setores da educação. Nessa instância, cabe ressaltar que não são os alunos os principais usuários. São as instituições que vêm substituindo professoras e professores por softwares, automatizando todo o processo de acompanhamento e avaliação discente, em uma estrutura de ensino cada vez mais genérica e pouco interessada num estímulo real à produção de conhecimento. Seria então o ChatGPT um derivado desse processo?

Ainda é difícil calcular de que maneira os Chatbots irão impactar a nossa realidade. As atualizações que estão por vir muito provavelmente adicionarão novas camadas a esse debate. Entretanto, seguindo as problematizações trazidas por Chomsky, Robert e Watumull, talvez esse seja um bom momento para discutirmos o que de fato entendemos por Inteligência hoje e qual o modelo de desenvolvimento e produção intelectual que estamos dispostos a construir e defender para o presente e o futuro.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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