O dia D de Temer

Está marcada para hoje, quarta-feira 02/08/2017, a sessão da Câmara dos Deputados em que será decidida a autorização (ou não) para que o Supremo Tribunal Federal possa processar Michel Temer pela acusação de cometimento de crime comum.

A denúncia, proposta pelo Procurador-Geral da República, bem sabemos, é de prática do crime de corrupção passiva descrito no Art. 317 do Código Penal [Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)].

Não obstante a controvérsia em torno da ação controlada que levou o empresário Joesley Batista, da JBS, a obter gravação de conversa mantida com Michel Temer fora de agenda oficial e no Palácio do Jaburu, às 22h, o fato é que a acusação está embasada em uma série de indícios e provas, que eventualmente poderão ser robustecidas com outras provas produzidas durante a instrução processual penal, no contexto do devido processo legal e garantia do contraditório e da ampla defesa.

E o conjunto dos fatos até agora emoldurados constitui motivo mais do que suficiente para que seja concedida a autorização, de modo a viabilizar o exame do recebimento da denúncia pelo STF e o consequente afastamento – provisório – de Michel Temer do cargo de Presidente da República, para que se defenda, estancando, ao menos parcialmente, a crise política dentro da crise que se alastra desde o mês de maio deste ano de 2017 [Vale lembrar que, ao admitir ter mantido encontro com empresário sob investigação criminal, após 22h, no Palácio do Jaburu, fora de previsão oficial em sua agenda, bem como ter ignorado por completo informações do mesmo empresário que davam conta de práticas criminosas, busca de tráfico de influência e estratégias de obstrução da justiça e não tê-las comunicado às autoridades competentes, Michel Temer incidiu, gravemente, em procedimentos absolutamente incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo de Presidente da República, configurada aí a prática de crime de responsabilidade, como comentamos na coluna de 23/05/2017,“O impeachment de Michel Temer”.]

A Constituição confere imunidade processual ao Presidente da República, que somente pode ser processado – seja por crime comum, seja por crime de responsabilidade – se houver prévia licença da Câmara dos Deputados.

Com efeito, dispõe a Constituição da República:

“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;”

“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”

Por muito menos, em sessão marcada por discursos demagógicos em prol da “passagem do país a limpo”, a Câmara dos Deputados concedeu – por larga margem de votos, superando os já elevados 2/3 do quórum constitucional (342) – com 367 votos favoráveis, autorização para que a então Presidenta da República Dilma Roussef pudesse ser processada pelo apontado crime de responsabilidade referente às denominadas “pedaladas fiscais”.

Aqui neste mesmo espaço da Infonet (na coluna de 20/04/2016 – “O golpe institucional em curso”) comentamos, acerca daquela sessão de 17/04/2016 da Câmara dos Deputados, que a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” de 1964 fora assistida por todos em cobertura televisiva ao vivo e a cores, em espetáculo deprimente de um circo de horrores, ao qual não faltara sequer a assunção da vitória golpista de 1964 agora repetida e mesmo a apologia da prática da tortura. O brado genérico contra a corrupção, com adesão acrítica de grande parte da população, esteve presente em 1964 e esteve presente em 2016, porque a meta, como em 1964, era depor o governo, como expressão de uma passagem do país a limpo e a preparação para o paraíso, a Terra Prometida, que a História já mostrou que por essa via não viria e nem virá.

Será um escândalo muito maior a eventual – e prognosticada – não autorização para que o STF possa processar Michel Temer. Não que o afastamento de Michel Temer seja a solução para todos os males, mas sim um mínimo de decência e dignidade, exigência mínima da moralidade pública, sob pena de total e completa erosão do sistema político brasileiro e prolongamento continuado da nossa já alongada crise política, até aqui sem perspectiva de um fim razoável, com a maioria das forças políticas pouco se importando com as resoluções dos impasses e se preocupando tão somente com suas possibilidades eleitorais em 2018.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais