O farol – parte I

Ao completar 13 anos, finalmente, teria sua própria canoa para pescar. Estava com doze anos e meio e, na verdade, não se interessava muito em poder pescar sozinho, mas em poder cortar aquele caudaloso rio em seu próprio barquinho. Queria abrir as portas do mundo para si, e, naquele lugar cercado de tantos rios e poucos caminhos de terra, abrir o mundo significava atirar-se ao rio para perder-se em seus infinitos desconhecidos. Desde os dias perdidos do tempo, naquele canto do mundo, aos treze anos um homem era considerado capaz de poder decidir qual rumo deveria tomar com sua canoa, desde que, ao final do dia, trouxesse comida para os seus. Estava ansioso para ter treze anos.

Era domingo, dia de não descer nem subir o rio, quando o avô lhe chamou de lado para explicar-lhe umas coisas sobre ter uma canoa.

– Sabe por que não se põe barco no rio hoje? – a voz do avô era mansa, embora não fosse cansada. Era aplainada, pacificada pela idade. Ele dizia todas as palavras muito claramente e todas as suas conversas eram cheias de pausas e silêncios, para que seu interlocutor pudesse absorver tudo o que ele tinha a dizer.

– Porque é domingo, arriscou com medo de errar a resposta. Não sabia ainda como era que acontecia essa história de se tornar homem. Como tinha muita vergonha por não saber, não se permitia perguntar sobre o assunto a ninguém. Achou que estava passando por uma espécie de teste, em que teria que dar as respostas certas para não reprovar, para não se tornar a vergonha da família. Imaginou a mãe chorando envergonhada porque seu primogênito havia perdido no teste e não poderia se tornar homem. Teve medo de dizer que não sabia a resposta certa.

– Essa é só meia resposta – disse o avô com os olhos perdidos no infinito das águas barrentas. Estavam sentados na barranca do rio, com os pés afundados na lama molenga da margem.

O menino ficou ainda mais nervoso, olhou a expressão do avô de soslaio tentando identificar alguma coisa que significasse que ele estava irritado ou insatisfeito com aquela meia resposta. Ou talvez o contrário, que ele estivesse satisfeito com aquela meia resposta sobre uma coisa que jamais haviam ensinado ao neto. Mas ele simplesmente parecia não estar ali, parecia perdido em um ponto qualquer do rio. Antes que o menino se decidisse se deveria ou não dizer alguma coisa, completou:

– Domingo é dia de descanso – e respirou fundo. O menino não estava certo se havia mesmo entendido aquilo, não estava certo de que a reposta certa havia sido dada, nem mesmo sabia se a conversa já havia se esgotado. De qualquer forma, achou melhor ficar sentado ali. Quando cansou-se de olhar para o velho tentando pescar mais alguma coisa que estivesse talvez escondida na sua expressão, olhou também para o rio, quem sabe encontraria ali a resposta – embora não soubesse ao certo qual era a pergunta.

Ficou longos minutos com os olhos perdidos nas águas marrons, gostava de olhar as ondas formadas pela correnteza e pelo vento, a vida do rio acontecendo sem que ninguém dissesse para que lado ele deveria correr: o rio simplesmente sabe a direção certa. Quando percebeu que o avô não diria mais nada, arriscou:

– Dia de descanso da gente que pesca, né, vô?

O avô parecia esperar exatamente por aquela pergunta dele e deu um sorrisinho de canto de boca, antes de responder. Olhou nos olhos do neto e disse quase recitando:

– Descanso nosso e do rio, filho. Porque o rio também cansa de carregar nossas canoas para cima e para baixo, cansa de dar tantos peixes para que a gente não morra de fome, cansa de trabalhar. Descansar faz parte do trabalho. A gente descansa e dá descanso ao rio.

O menino ficou encantado daquelas palavras, encantado de saber que também o rio descansa e de perceber a bondade que existe em não ir pescar por um dia. Por um dia, não havia lugar para onde ir, não havia necessidade de ir a lugar nenhum, para que todos pudessem descansar. Mas ele se assustou de um pensamento que pulou na sua cabecinha:

– Vô e se alguém ficar doente no domingo? E se tiver que ir, vô? – havia um certo medo naquelas palavras pronunciadas baixinhas, como se ele não quisesse que o rio ouvisse.

O avô olhou-o encantado daquela doce preocupação:

– A gente faz assim, filho: coloca o doente na canoa, bem na beira do rio, mostra pro rio que há um doente e pede licença pra passar. Se for realmente necessário, o rio deixa. Depois, não se esqueça de agradecer profundamente a essa bondade.

O menino riu aliviado: não era preciso morrer por ser domingo! Desde muito criança aprendera com os mais velhos que sempre é preciso pedir licença ao rio para entrar e agradecer ao sair. Os homens e mulheres saem para pescar e sempre trazem comida na volta e todos, mesmo os que não vão pescar, devem agradecer por isso.

Continua na próxima semana.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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