A arte pública de Jenner Augusto

Para escrever sobre arte pública de Jenner Augusto, primeiramente, devemos entender que por vezes, o conceito de arte se confunde com cultura, mas são expressões distintas, apesar de terem interligações entre elas e nunca se separarem. Uma sinergia perfeita. O que é arte pode ser considerado cultura, mas nem sempre a cultura é arte. Quando se materializa como a produção de determinado público, num tempo e espaço, traduz-se em arte. De forma mais ampla, a cultura abrange também os saberes, as manifestações, as crenças, os desejos, os dialetos, os costumes, os hábitos alimentares, e para clarear ainda mais, o sotaque que é cultural, mas não é artístico.

Obras de Jenner Augusto expostas no Memorial do artista, no Centro de Aracaju

A arte depende da cultura para se expressar por esta ligada às expressões e produções humanas. Toda manifestação artística traz consigo a produção de determinado momento (linha histórica), feita por alguém que expressa seus hábitos e costumes culturais ou até mesmo de um grupo específico, em determinado lugar (territorialidade, temperatura, clima, geografia).

Quando se fala em arte pública, refiro-me a produções que podem ser conferidas por um grande público, em localização de fácil acesso e em espaços por vezes públicos, a exemplo de painéis, murais e esculturas de rua, que representam determinada expressão de um agente artístico na época da produção.

Jenner transportou para suas primeiras obras a “cor local” sergipana, com pinceladas de Portinari

Basta olhar as representações públicas artísticas de Aracaju e verificar que elas espelham fatos, formas e perfis de uma determinada época, a exemplo dos painéis de Jordão de Oliveiral no hall do Palácio Museu Olímpio Campos; dos murais contemporâneos de Titiliano em prédios de Aracaju; dos grafites do artista Dalvan Dext espalhados por bairros e lojas; do chargista Edidelson, de esculturas de cajus e do lendário Fausto Cardoso, primeira estátua posta em praça pública de Sergipe, localizada na praça do mesmo nome. E o que dizer das obras de Jenner Augusto localizadas no antigo Cacique Chá?

Personagens do cotidiano sergipano representados na obra do antigo Cacique CháPara iniciar essa viagem cultural ao mundo dos murais de Jenner Augusto em Aracaju é importante trazer à tona que Jenner Augusto da Silveira (Aracaju 1924 – Salvador 2003) é sergipano de nascimento, filho de professora, e que passou grande parte de sua infância mudando pelas cidades do interior de Sergipe. Humilde, Augusto trabalhou como engraxate, sapateiro, ajudante de alfaiate, pintor de paredes, até começar seus primeiros olhares ao fazer cartazes para filmes. A partir daí, verificou-se o despertar de uma artista. O interesse pelas obras de Horácio Hora, pintor estanciano, na década de 40, incentivava a sua pesquisa no campo da pintura. Seus primeiros trabalhos são acadêmicos, já que o contato com o Modernismo, já amadurecido no Rio de Janeiro e em São Paulo, era quase impossível para um jovem artística fora do tido eixo cultural. Por volta de 45, data de sua primeira exposição, começa a integrar-se no ambiente artístico de Aracaju, mesmo não vendendo sequer um quadro em sua primeira exposição. Em 49, realiza a decoração do Bar Cacique Chá, marco da Arte Moderna no Sergipe, onde aparece claramente a influência de Portinari. Nesse mesmo ano passa a residir em Salvador (BA).

Os folguedos e simbolologias em painéis em Memorial inaugurado em 2015 no Centro de Aracaju, justamente no efervescente Cacique Chá

A partir o Cacique Chá, são mais cinco lendários painéis em prédios púbicos de Sergipe: edifício Walter Franco (1957), considerado o primeiro mural público de Sergipe; o prédio da Energisa (1961), o auditório do aeroporto Santa Maria (1962), no hall do Teatro Atheneu (1962) e no hall da reitoria da Universidade Federal de Sergipe (1980).

Brasil afora, o sergipano iniciava uma carreira sólida, quando em 1951 participa da 1ª Bienal de São Paulo. Dois anos depois executa o painel “Evolução do Homem” no Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador (BA). Expondo no Rio de Janeiro, em 55, conheceu Portinari e Pancetti, que divulgaram o artista. É neste mesmo ano que é apresentado ao maior divulgador de sua arte e um de seus maiores fãs, o escritor Jorge Amado.

Jenner Augusto teve influência do baiano na sua vida e na sua obra, sendo o ilustrador do romance Tenda dos Milagres, onde consegue captar a alma dos personagens, ricos e fundamentais elementos formadores da cultura baiana, tão representada pelo universo das personagens criadas pelo escritor baiano.

Murais e painéis espelham a arte de Jenner no Cacique Chá

 

Jenner Augusto da Silveira sai pelo mundo estabelecendo uma convivência com pintores consagrados (Mário Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Carybé, Poty, Rubem Valentim, Pancetti e Portinari), participando de exposições coletivas, realizando suas individuais, ganhando prêmios, medalhas, citações e homenagens, em reconhecimento pela genialidade da sua obra: Medalha de Ouro, no VI Salão Baiano (1956), viagem ao país do Salão Nacional do Rio de Janeiro (1959) e o Grande Prêmio de Pintura, do Salão de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul (1962). Nos anos 1960 realizou uma importante exposição com trabalhos abstracionistas no Museu de Arte Moderna na Bahia (MAM-BA).

Em 1962 Jenner veio a Aracaju para pintar os painéis do Hotel Palace de Aracaju (removido para o hall do Teatro Atheneu) e outro no aeroporto de Aracaju. Fez sua primeira individual em São Paulo, no ano de 1965. Ainda nos anos 1960 Jenner viajou para os Estados Unidos e Europa, expondo seus trabalhos. Em 1995 foi comemorado na Bahia o cinquentenário de suas atividades artísticas. Sua produção artística é caracterizada pela estética modernista, onde predominam temáticas regionalistas representadas a partir de estilizações e manchas de cores contrastantes.

Em 2002, a ONG Sociedade de Estudos Múltiplos Ecológica e de Artes- Sociedade Semear inaugura em Aracaju (SE) uma galeria com seu nome: a Galeria Jenner Augusto.

Em 2015 Jenner ganha um memorial em Aracaju, justamente onde era a efervescência da sociedade sergipana: o Cacique Chá. Veja cada um dos seis painéis:

Cacique Chá

O índio Serigy virou símbolo da arte do Jenner, pintado logo na entrada do Cacique Chá  em 1949

Não é por acaso que essa viagem cultural representado pelos murais públicos de Jenner deve começar pelo seu memorial. Localizado no anexo do Senac Bistrô Cacique Chá, situado na praça Olímpio Campos, no Parque Teófilo Dantas, no centro de Aracaju, o espaço é um passeio por documentos, objetos, instrumentos de trabalho, recortes de jornais e revistas do artista, anotações e apontamentos, com curadoria do agente cultural Mário Britto.

Documentos, fotos e objetos de Jenner expostos no Memorial do Cacique Chá, além de obras por todas a parte

No memorial estão também os painéis pintados em 1949 e restaurados em 2015. Através deles, Jenner introduziu a arte painelística em Sergipe. Os painéis trazem trabalhadores com um toque dos traços das pinturas de Portinari. Além do memorial, o local é cheio de história por lá ser o Cacique Chá fundado na década de 50 e passando a ser reduto da boêmia sergipana nos anos 80. Além do Memorial, o local é atualmente o Cacique Chá Bistró mantido com restaurante escola pelo Senac

Edifício Walter Franco

Primeiro painel público de Sergipe pintado por Jenner em azulejaria de Udo Kenoff no centro de Aracaju

O edifício foi erguido em 1956 durante o governo Leandro Maciel e ocupou o espaço do prédio da Recebedoria Estadual, recebendo o painel de Jenner Augusto em 1957.

Primeiramente, o edifício foi construído com a destinação de abrigar as repartições do Governo e era conhecido como Palácio das Secretarias. Edifício de seis andares, o térreo ficou como Recebedoria Estadual, depois foi ocupado em 1982 pelo Banese, foi sede do Ministério Público do Estado por muitos anos.

Jenner e Udo assinam a obra que traz traços do cotidiano de Sergipe

O painel é o primeiro a ser instalado em praça pública e representa um marco muralista do modernismo de Sergipe. Sua regionalidade está presente no tema da época, a economia, com a produção agrícola, pescados, coro, caju, trabalhadores em mulas e caçoas. Traz traços cubistas mexicanos, em voga na época, com cerâmica do conhecido artista alemão Udo Knoff, que também assina o mural.

Tombado pelo patrimônio público do estado, poucos sergipanos se atem à qualidade e às particularidades da obra, como a presença de uma pomba branca em um painel pouco colorido. Com traços cubistas, a pintura traz uma tridimensionalidade e também tombada pelo Governo do Estado, sendo uma das primeiras obras vanguardista pública do gênero no Nordeste.

Em 2010 o mural foi restaurado pelo Banco do Estado de Sergipe, através da empresa AM Restauro, da Bahia, especializada na recuperação de patrimônios históricos. Atualmente o painel necessita urgente de manutenção.

Teatro Atheneu Sergipense

O cenário primário a ser afixado o painel datado de 1962 foi o restaurante do Hotel Palace, edificação considerada um marco da hotelaria moderna da capital sergipana e que foi aberta ao público neste mesmo ano. Com a deterioração e o fechamento do hotel depois de mais de 30 anos de funcionamento, em 2004 a obra de arte representando a chegada da família real no Brasil foi transferida para o Teatro Atheneu Sergipense.

No hall do teatro Atheneu, a chegada da família Real ao Brasil

Para realizar a complicada transferência, o painel foi cortado em diversos blocos de concreto e transportado até o teatro. Lá, juntaram-se os pedaços e em 2012 o Governo de Sergipe, através da empresa AM Restauro conseguiu realizar a limpeza e manutenção. Todo o processo durou em torno de quatro meses. O painel está em bom estado de conservação.

Energisa

Os primeiros habitantes de Sergipe concebida em 1961 e que não está aberta a visitação

A obra é uma das mais representativas do gênero do Estado em pintura de azulejo, intitulada “Os Primeiros Habitantes de Sergipe”, concebida em 1961 para o antigo saguão do aeroporto Santa Maria, em Aracaju, na época passando pela primeira ampliação da pista de pouso e do terminal de passageiros, sendo inaugurado em 1962. Naquela época, Aracaju contava com um dos mais modernos aeroportos do Nordeste.

Com a segunda reforma e aparelhamento do aeroporto em 1996, e inaugurada em 1998, o painel foi transferido do saguão do aeroporto para a empresa Energisa, estatal de energia do estado de Sergipe. Em 2003 o Estado tombou o patrimônio público e em 2008 passou por novo restauro.

Mesmo sendo um patrimônio público, a empresa solicita autorizo da presidência para visualizá-la, fazendo com que muitos sergipanos e turistas deixem de conhecer uma das principais obras do artista sergipano.

Aeroporto de Aracaju

Painel fica no auditório do aeroporto de Aracaju e necessita de restauro e conservação

Em 1962 Jenner presenteou o aeroporto com mais uma obra. Desta vez, no auditório da estação aeroportuária. A obra, mesmo sendo um painel considerado público por estar em uma estação aeroportuária, não é acessível ao grande público e não apresenta uma data da pintura visível, além de constar com graves problemas de conservação, necessitando de restauro. Em frente ao patrimônio público, há um painel e uma construção que danificou o nome do artista.

Obra do aeroporto necessita de restauro e represta a economia e a cultura dos sergipanos

O monumento é mais um registro documental de uma época, pois nele preserva-se um dado momento social, com recorte temporal da cultura e da economia sergipana, a exemplo de trabalhadores da cana de açúcar, do gado e do coco, a obra traz uma pintada ruralista em cores fortes e com a assinatura do lado direito.

Reitoria da Universidade Federal de Sergipe

Painel na entrada da reitoria da UFS é o mais recente e traz aspectos científicos e culturais

Um dos painéis mais recentes do artista, datado em 1980, faz alusão aos brincantes do grupo folclórico parafusos de Lagarto, de prédios históricos de São Cristóvão, além de traços acadêmicos, a exemplo de jovens em solenidade de formatura e em atividades esportivas.

A painel partiu de um quadro menor presenteado anteriormente pelo artista ao reitor Aloísio de Campos, como forma de que o reitor tivesse a noção de como seria o trabalho final. Em 2015 a obra em miniatura foi restaurada pelo filho de Jenner Augusto, Guel Silveira, e entregue novamente a UFS. O painel final não foi restaurado ainda e preserva inestimável valor histórico e artístico, tombado pelo patrimônio público estadual em 2003.

Fontes:

http://www.institutomarcelodeda.com.br/banese-restaura-mais-um-patrimonio-historico-cultural-de-sergipe/ –

http://www.institutomarcelodeda.com.br/governo-restaura-painel-de-jenner-augusto-no-teatro-atheneu/

http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com.br/2012/03/baianidade-de-jenner-augusto.html

CARDOSO, Amâncio; ALVES, José Francisco. “Um marco da arte moderna em Sergipe: mural de azulejos do Edifício Walter Franco”, 2016.

BRITTO, Mário; FERNANDES, Zeca (Org). Jenner Augusto: vida e obra. Aracaju: Sociedade Semear, 2012.

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