Interventora quer transformar Cirurgia em mini-hospital do câncer

Momento em que Guimarães reúne os servidores (Foto: Ascom/Cirurgia)

Gestão transparente e o desejo de transformar o Hospital de Cirurgia em um mini-hospital do câncer com capacidade para atender às demandas do Estado no atendimento oncológico. Esta é meta da interventora do Hospital de Cirurgia, Márcia Guimarães, que assumiu a direção geral daquela unidade de saúde no dia 6 deste mês, indicada pelo Ministério Público Estadual no processo de intervenção, que afastou toda a diretoria da Fundação Beneficente, que administra o hospital.

Márcia Guimarães quer colocar o Cirurgia no Portal da Transparência (Foto: Portal Infonet)

Márcia Guimarães, que participa da administração como cogestora da Fundação desde o dia 23 de agosto, fala das dificuldades e da situação caótica que encontrou uma das mais importantes unidades de saúde do Estado de Sergipe. O Hospital Cirurgia apresenta uma situação delicada em consequência da má gestão que gerou grandes dificuldades financeiras à instituição, apesar dos altos salários dos administradores. Ela já começou a adotar as medidas exigidas pelo Poder Judiciário, promovendo redução de salários, afastando todas as pessoas investigadas e demitindo outros profissionais que eram vinculados aos ex-gestores.

A interventora garante que os profissionais investigados permanecerão afastados sem remuneração e sem direitos a requerer rescisões ou indenizações, independentemente do resultado da investigação que está em andamento no Ministério Público Estadual.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que a interventora concedeu ao Portal Infonet:

Portal Infonet – O que a senhora encontrou no Hospital de Cirurgia ao assumir a função de cogestora da Fundação Beneficente, em agosto deste ano?

Márcia Guimarães – Quando eu cheguei aqui, comecei a ver as dificuldades com relação à administração direta da unidade. A administração do hospital deixou de ser profissional. A gestão de uma unidade hospitalar precisa ser profissional. A gente via processos de trabalho não existentes, tudo fragmentado: cada um mandando no seu quadrado, da forma como queria. Cada grupo de especialidades tinha uma chefia e cada chefia tinha uma forma de trabalhar e esta forma de trabalhar dava o tônus da produção da unidade. Tinha várias formas de remuneração. Quando a gente chegava e perguntava: você sabe quanto você tem que produzir? Eles diziam: não.

Interventora reúne servidores para traçar as metas (Foto: Ascom/Hospital de Cirurgia)

Infonet – Não existia planejamento?

MG – Não existia planejamento, não existia informação na base do que o hospital estava contratado para realizar. Assim: eu tenho um contrato que diz que eu tenho que ter 500 consultas de cardiologia mês, só que eu oferecia 126. Então, eu nunca iria chegar a um valor esperado de receita, se eu não ofereço aquilo que está contratado. Fora isso, tem dificuldades com fornecedores e prestadores internos, com terceirizados com contratos precários, com não atingimento de metas, não cobrança com relação ao perfil a ser alcançado de produção e, principalmente, contratos com grandes passivos: com dívidas. Então, toda vez que chegava um recurso de custeio da unidade, que é para o hospital rodar naquele mês, o recurso é comprometido com grande parte do que é passivo, com contas antigas e em volume grande, prejudicando as aquisições necessárias para o custeio.

Infonet – Qual a origem dessas dívidas?
MG – Não sei dizer se é totalmente por má gestão. Ao longo de 2014 para cá, quando eu via a descida de produtividade na formatação do contrato que a Secretaria do Município tinha, eu notava que existia uma certa forma de contratação que prejudicava o hospital e também a assistência.

Infonet – De que forma?
MG – Vou lhe dizer o porquê. Você tem uma meta física, onde você tem que tratar 10 mil pacientes e você tem uma meta financeira, onde esse valor que lhe dá é R$ 1 milhão para você tratar 10 mil pacientes. E esse R$ 1 milhão foi traçado nessa meta física pelo preço médio do procedimento. Significa que tem procedimentos mais baratos e procedimentos mais caros. O hospital tinha um contrato onde ele tinha que fazer os 10 mil [procedimentos] para se chegar a R$ 1 milhão, porém o valor de R$ 1 milhão era o preço médio e ele nunca ia fazer os 10 mil [procedimentos] porque ele sempre ia alcançar a meta financeira primeiro. E o que o hospital começou a fazer de forma inteligente? Começou a fazer mais procedimentos de média [complexidade] e menos de alta porque ele alcançava a meta física maior, até chegar ao teto. Porque nos indicadores de avaliação, se não alcançasse a meta física, o hospital era punido com diminuição do valor final. Passou a escolher os procedimentos. Ao invés de fazer os procedimentos que o sistema precisa, a quantidade que o sistema precisa para cirurgia de joelho, ou alguma coisa, tiro essa que é mais cara e faço mais a de cotovelo, por exemplo. Mesmo nessa inteligência, ele [o hospital] era ainda prejudicado. Por causa disso, aliado a um financiamento que fazia com que o hospital tivesse utilizando estratégia que prejudicava a assistência, o hospital tinha uma questão de má gestão interna. A gente não tem aqui uma transparência nos processos de trabalho, nem nos processos de contratação e nem de aquisição. Não existia um processo de compra padronizado que fosse voltado para um processo lícito, ético e que mantivesse a qualidade, mas com menor preço e qualidade.

Infonet – O que a equipe interventora está fazendo para corrigir estes equívocos?

MG – Dando transparência às ações que estamos fazendo. Vamos fazer dispensa de algumas pessoas e o afastamento de algumas outras que estão sendo investigadas. Em torno de 12 pessoas foram afastadas logo no primeiro momento, pessoas que ocupavam cargos chefes de diretoria e de coordenação em áreas chaves, em áreas extremamente necessárias para a recomposição dessa administração. Vamos colocar este hospital, em 120 dias, no Portal da Transparência e o Ministério Público Estadual está nos acompanhando quase que diariamente.

Infonet – De que forma estas ações estão sendo conduzidas?

MG– A gente precisa trabalhar os níveis de cargos [na administração], a quantidade de cargos que se tem no hospital, a definição de valores [salariais pagos] porque, para o mesmo tipo de cargo, se tem valores [salariais] diferentes. A gente vai ter que ajustar isso tudo, ajustar os processos de compras, revisar todos os contratos de trabalho e vamos ter um apoio muito grande na área de assistência e na área dessa recomposição porque a gente conseguiu, junto com a Secretaria de Estado da Saúde e o Ministério da Saúde, para que a gente fosse acompanhada nesses próximos dois anos pelo Hospital Osvaldo Cruz, que é um dos hospitais de excelência que apoiam a rede pública para questões de indicadores de qualidade, melhoria de gestão e segurança do paciente. Já estivemos em São Paulo para o primeiro curso de imersão e a gente já começa a fazer o grupo gestor local.

Infonet – Como ocorrerão as rescisões das pessoas investigadas que estão sendo afastadas da administração do hospital?

MG– Há um processo criminal em andamento, onde há pessoas investigadas. Essas pessoas investigadas são afastadas dos cargos e da função sem remuneração. Até o término da investigação, eles não vão receber salários, não vão trabalhar e isso não pode contar como tempo de serviço [para fins previdenciários]. Então, eles não terão direito a requerer restituições, independente do resultado da ação. Tem outra parte [de servidores demitidos] em que eles não são investigados. Por uma questão de interesse da gestão, tendo em vista que são equipes vinculadas a essas pessoas que estão sendo investigadas e que eram diretores na época. Esses serão dispensados mesmos, com verbas rescisórias, conforme a lei trabalhista e substituídos.

Infonet – A senhora entende que há excessos de servidores em alguns setores e falta em outros, como esta questão será equacionada?

MG – Vamos diminuir [a quantidade de servidores] na área meio e dar mais vazão à área fim porque nossa área fim é de assistência. Então, eu não posso ter menos pessoas limpando, menos pessoas trabalhando na enfermagem ou menos médicos. Eu preciso ter menos na área administrativa. Mas uma área administrativa sólida que consiga dar condição de trabalho para a área fim.

Infonet – O corpo de servidores, de pouco menos de 1,1 mil, é suficiente para atender a demanda do hospital?

MG– Em algumas áreas há servidores em número suficiente. Há um mês que o Osvaldo Cruz está vindo e uma das ações é o dimensionamento. O dimensionamento em algumas áreas é compatível, em outras está a mais, que é onde a gente vai equalizar, e em outras está a menos.

Infonet – E os custos com a folha de pagamento dos salários, há perspectiva de redução com estas medidas?

MG– Eu não teria condições de dizer no momento se a gente vai manter o mesmo valor de folha porque o que a gente espera é um deslocamento. Por exemplo, o diretor geral antes recebia R$ 51 mil e o meu teto que se coloca é R$ 20 mil. E com esses R$ 30 mil [que sobram] será que eu recomponho a portaria, a higienização? São coisas que eu não posso chegar e dizer: vou economizar e descer a folha em R$ 300 mil ou R$ 500 mil. A gente precisa ter noção de que a gente precisa recompor. Preciso retirar de onde tem gordura e botar onde está osso para recompor aquela área para que o hospital possa dar o que é melhor para a assistência.

Infonet – Há muitas pendências trabalhistas?

MG- A gente identificou que, desde 2013, o hospital vem demitindo sem pagamento de verbas rescisórias. Todos os funcionários demitidos, inclusive tem alguns com ações no Ministério Público do Trabalho como demissão coletiva, que foi a última feita pelo doutor Milton [Santana, presidente da Fundação afastado do cargo por decisão judicial]. Foram mais de 80 funcionários. O Ministério Público do Trabalho entendeu como demissão coletiva e ajuizou ação contra esta unidade. Mas o hospital não tem pago as verbas rescisórias. Como vou formar uma equipe de trabalho tendo que dispensar pessoas e eu não ter verba para pagar estas rescisões? Como conseguir verbas para pagar estas rescisões e não conseguir pagar aquelas pessoas que saíram em 2016, em 2015 e saíram agora em 2018 e que não tiveram seus direitos? Então, eu, junto com a assessoria jurídica e junto com o Ministério Público decidimos que as dispensas que acontecem hoje serão feitas da mesma forma em que aconteceu antes. A gente vai demitir e vai pagar na medida do possível como estamos pagando os outros em acordos judiciais.

Infonet – Qual o destino da gestão da Fundação a partir dessa intervenção?

MG – Eu não tenho interesse de ficar aqui como interventora para o resto da vida. Se eu pudesse, em seis meses eu voltaria para minha casa [Secretaria de Estado da Saúde] porque sou funcionária. Mas sei que um ano pode ser até pouco, mas a gente pode conseguir muito avanço e devolver a gestão para quem é de direito fazer, que é a Fundação mesmo. Que o Conselho Curador, que a assembleia, que o Conselho Deliberativo repensem as ações e as práticas, que eles retomem as ações de monitoramento e prestação de conta, que os diretores precisavam fazer e que não faziam, para que esta unidade retorne. A intervenção é só como medida de choque para que a unidade se recomponha e depois siga o seu caminho. Não acredito que seja de interesse da Secretaria de Estado da Saúde nem do Ministério Público que a intervenção se perdure por muito tempo. Nossa missão é uma missão que tem todo tempinho monitorado para que a gente possa ter ações de recomposição da administração.

Infonet – Uma das metas da decisão judicial é a auditoria no hospital. O que já está sendo feito neste sentido?

MG – Se a gente for pensar em uma auditoria externa contratada, ela é de um valor que a gente não teria condições [de pagar] agora. Então, a gente foi aos órgãos de controladoria e a gente está tentando viabilizar uma forma para que uma controladoria pública faça essa auditoria financeira e contábil. Se eu fosse pensar em uma auditoria física, contábil e de assistência, com relação à produção e forma de trabalho, além de demorar mais iria sair cara e não teria condições de um órgão público fazer, que é mais importante tanto para o processo de intervenção como também para dar respiro à situação quanto às dívidas que estão chegando todos os dias. Tem gente que entra na justiça [cobrando dívidas] e o processo é anulado porque não mostra que o hospital devia, não mostra o contrato. Então, a mais importante e indispensável é a auditoria financeira e contábil. A gente já está tendo conversas para que essa auditoria possa ser feita por um órgão público.

Infonet – E as questões do tratamento oncológico, que é uma situação crucial. Como a senhora encontrou e como está esta questão hoje?

MG – Quando cheguei aqui, a gente estava com três pontos básicos que o hospital estava contratado para fazer e não estava fazendo: cirurgia oncológica, radioterapia e quimioterapia. Isso tudo estava zero. A gente chegou aqui em um momento em que a vascular, neuro, cardio, urologia e a Unacon, que é Unidade de Tratamento Oncológico, estavam paradas. E a gente foi abrindo os caminhos. Hoje, a gente tem a cardiologia fazendo duas cirurgias cardíacas por dia, coisa que não se via desde 2014, reativamos a neuro, a urologia e a vascular, mas não na quantidade que a gente queria. A gente precisa ativar mais leitos de UTI para a gente poder dar vazão a todas, mas já estamos realizando [procedimentos] nestas áreas todas.

Infonet – E no tratamento oncológico especificamente?

MG – A gente tinha uma unidade terceirizada, que fazia a parte de ambulatório. Recebia esses pacientes, definia uma conduta e encaminhava e o tratamento que não podia ser feito aqui [no Cirurgia] encaminhava para o Huse ou para o TFD [Tratamento Fora de Domicílio] para os procedimentos que não eram feitos em Sergipe. E isso não estava acontecendo. A gente chamou a equipe para ela ser recomposta, fizemos um entendimento financeiro. O hospital passou, há alguns anos, mais de oito meses sem pagar a oncologia e com isso foi-se fazendo capitalização externa de empréstimo e inviabilizou o serviço nessa área. Ele [o hospital] acabou tendo uma situação financeira prejudicada pela falta de financiamento regular para os pagamentos devidos. Então, a gente [Secretaria de Estado da Saúde] disse: a gente vai regularizar todos os meses, vamos dar um aporte inicial, mas você [a administração do Cirurgia] tem que aumentar o número de cirurgias, retornar o ambulatório e a quimioterapia.

Infonet – E quanto à radioterapia?

MG– Recebi o aparelho quebrado com um valor de R$ 125 mil a R$ 130 mil para recompor o aparelho para a utilização. O aparelho quebra e permanece quebrado por mais ou menos entre 30 a 45 dias, no mínimo por quatro ou cinco vezes ao ano. Chamei a equipe, disse a eles que enquanto eles não analisassem a viabilidade e estudar melhor as condições dele [do aparelho], mesmo para fazer a manutenção preventiva, a gente [Secretaria de Estado da Saúde] não tomaria nenhuma atitude em relação ao aparelho. Era manter o fluxo dos 45 a 50 pacientes por mês e fazer uma parceria com o Huse, colocando pessoal trabalhando lá e dando retaguarda à execução de todos os tratamentos que a gente faria aqui nesta máquina, usando uma máquina nova com manutenção corretiva e preventiva sem tirar o fluxo de tratamento da agenda.

Infonet – E quanto ao aparelho que vive quebrando no Cirurgia?

MG – Infelizmente a gente não tem prioridade nisso, tendo em vista que a gente está tratando os pacientes. O problema é que este aparelho está mais sujeito a quebra e não tem peça [de reposição] porque ele é antigo. A prioridade hoje é a ativação do novo aparelho, que foi viabilizado por uma emenda [parlamentar ao orçamento da União] e estamos com uma equipe trabalhando nesta questão em Brasília, pedindo para liberar os R$ 6,5 milhões para terminar a obra e finalizar a compra do novo equipamento [acelerador nuclear]. Esse aparelho foi pago 50% do valor na época, quando o dólar estava em torno de R$ 3. Hoje o dólar está a R$ 3,40. Então, o hospital vai gastar um pouco mais do que gastou antes, mas a gente já está em negociação com a empresa para ver a atualização para finalizar a compra.

Infonet – A senhora fala em parceria para esta ala do Hospital de Cirurgia, como seria esta parceria?

MG – A gente consultou a Secretaria de Estado para saber se ela teria interesse de terminar o prédio [para receber o acelerador nuclear] e administrá-lo, tendo em vista que ali poderia ser uma Unacon do Huse, seria um mini-hospital do câncer. Mas a secretaria respondeu que não tinha interesse em fazer essa obra, tendo em vista ser uma unidade terceirizada. Mas a gente pode buscar outros meios. A gente precisa focar nisso. É um processo que tem que finalizar e buscar meios para que o Ministério [da Saúde] prorrogue por um ano a liberação destes recursos. Ou a gente faz [toda obra] até março do próximo ano ou a gente tem que devolver todos os recursos porque o convênio tem prazo de execução. Se eu não tiver com este equipamento funcionando e tratando até março de 2019, tenho que devolver os recursos e devolver os recursos é uma situação que inviabiliza o hospital e não ativa o serviço. Por mais que se tenha recursos, eu não consigo terminar a obra em março porque são entre seis a oito meses para montar um acelerador. Estou buscando ajuda para o Ministério da Saúde e o Tribunal de Contas da União nos ajudar a prorrogar por mais um ano para poder alcançar essa meta.

Infonet – Uma peça do equipamento transportada pelos Correios foi extraviada e os Correios devolveram os recursos para o Hospital de Cirurgia atendendo decisão judicial. A senhora sabe o paradeiro desses recursos que seriam usados para a aquisição da peça extraviada?

MG– Não. Vi pelos jornais na época. Mas eu nem acompanhava o hospital de perto porque não era a Secretaria de Estado da Saúde a contratante [dos serviços prestados pelo Hospital de Cirurgia].

Por Cassia Santana

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