OFENÍSIA SOARES FREIRE – A Mestra de todos nós

Há um sentimento incontido de admiração, de homens e mulheres, diante da professora Ofenísia Freire. Não precisa ter sido seu aluno, no Ateneu, no Colégio Tobias Barreto, nem seu colega do Conselho Estadual de Educação, da Secretaria Municipal de Cultura, ou da Academia Sergipana de Letras, nem mesmo ser ouvinte de suas conferências e discursos. Basta conhecer um pouco da sua biografia, desde que nasceu, na Estância, há 90 anos, seu tempo de estudante, no Colégio de Santana, da professora Quintina Diniz, em Aracaju, sua militância política, para reconhecer o compromisso que tem pautado a sua vida e que é talvez seu maior exemplo às novas gerações de sergipanos.

 

Ensinar é um exercício constante de cidadania, onde o professor, curador do conhecimento universal, na sala de aula faz a síntese da cultura, ao receber e orientar seus alunos, no processo ensino-aprendizagem. É aí, nesse contato inicial e repetido em anos seguidos, que o professor e a escola tanto pode alienar, quanto desalienar o aluno, fazendo do conhecimento a argamassa da construção do saber crítico, capaz de entender a realidade e de guiar as pessoas pela vida.

 

Ofenísia Soares Freire tem uma biografia repleta de êxitos, como professora, como militante política, como intelectual.

 

A Professora

 

Desde que chegou em Aracaju, nos anos 30 do século XX, que Ofenísia Soares Freire escolheu, vocacionada, sua profissão. O magistério atraía a jovem estanciana, através de disciplinas como Língua e Literatura Portuguesa, Teoria Literária, Língua e Literatura Brasileira. Foram décadas de ensino em colégios públicos e da rede particular, destacando-se o Ateneu, entre os primeiros, e o Tobias Barreto, entre os privados. Não havia, contudo, diferença alguma na qualidade do trabalho diário da professora. Mais do que os pontos de cada curso, Ofenísia Freire deixava com cada aluno a consciência diante da língua e da literatura.

 

Dominando a literatura luso-brasileira, Ofenísia Freire tinha o livro didático como mera referência de apoio, porque o verdadeiro conteúdo estava em sua palavra, nos textos que escolhia para trabalhar, nas reflexões que fazia, nos ensinamentos que, ao final, concluía as suas aulas.

 

Sempre lembrada da Estância, berço da civilização sergipana, onde circulou o primeiro jornal da Província – o Recopilador Sergipano – com homens e mulheres de rara sensibilidade musical, tendo o piano como objeto comum em suas casas, e cenário onde Jorge Amado, filho de sergipano, voltava sempre para asilar-se nas lutas que marcaram o Brasil da sua mocidade. Ofenísia Freire lembra dos tempos de mocinha, vendo Jorge Amado na Papelaria Modelo, de João Nascimento, lendo ou escrevendo, convivendo enfim com a paisagem e com o povo da Estância.

 

Seu irmão, o médico Pedro Soares, por muito tempo editou um jornal, mantendo a tradição dos velhos jornalistas – Gumercindo Bessa, J. Nogueira, e outros – de A Razão, folha polêmica, corajosa, desassombrada, registrando os fatos e expressando suas opiniões políticas e ideológicas. Ofenísia Freire teve outros irmãos – João, Dalva, Osvaldo, Nivaldo – a quem ela dedica, com afeto, o livro A Presença feminina em Os Lusíadas. Outras saudades, como a Lira Carlos Gomes, os sobrados da rua Capitão Salomão, as águas do rio Piauitinga, o cinema da fábrica, ficaram para sempre guardadas na retina da jovem professora.

 

Ofenísia Soares Freire, casada com Filemon Franco Freire, funcionário público, Diretor do Tesouro do Estado no Governo de Seixas Dória, irmão do professor Franco Freire, alternou as atividades do magistério com a agitação política. Filiada ao Partido Comunista Brasileiro, engajada no processo de redemocratização do País, emprestou, na eleição de 1947, seu nome à chapa de deputado estadual, da qual saiu eleito o médico Armando Domingues, e à chapa de deputado federal ( à época o eleitor podia ser candidato a mais de um mandato). Com o PCB tendo o seu registro anulado e seus militantes indo para a clandestinidade, Ofenísia Soares Freire voltou-se integralmente para a cátedra, até aposentar-se como professora do Ateneu, então Colégio Estadual de Sergipe.

 

Com o movimento militar de 1964, quando integrava o Conselho Estadual de Educação, sofreu o constrangimento de ter seu mandato extinto e foi afastada do magistério do Ateneu, durante algum tempo. Enfrentou a adversidade com coragem e determinação, continuando a ensinar no Colégio Tobias Barreto, então dirigido pelo professor Alcebíades Melo Vilas Boas, encontrando nas salas de aula dezenas de jovens que foram presos e processados durante aquele período de prisões e de patrulhamentos e suspeições.

 

Aposentada, viúva, Ofenísia Soares Freire passou a dedicar-se às atividades intelectuais, aceitando convites para fazer conferências, discursos, participando de debates e integrando instituições culturais, como a Academia Sergipana de Letras, para a qual foi eleita em 1980, na vaga do poeta Abelardo Romero, tomando posse naquele mesmo ano (25 de novembro). Também em 1980 publicou seu livro A Presença feminina em Os Lusíadas, reeditado em 2000. Foi do Conselho Estadual de Cultura, Secretária Municipal de Cultura, na gestão do prefeito José Carlos Teixeira (1985), e Vice Presidente da Academia Sergipana de Letras, posição que ainda conserva na Diretoria atual da ASL.

 

Há uma unanimidade crítica tanto sobre a biografia da professora, considerada “A Mestra de Todos Nós”, como sobre o seu livro A Presença feminina em Os Lusíadas, que apesar de ter sido publicado na maturidade, após a longa carreira no magistério sergipano, é uma demonstração da sua erudição e do seu talento interpretativo, ampliando, com qualidade, as coleções camonianas em língua portuguesa. No seu livro, o professora se mostra por inteiro, dominando a cátedra, demonstrando o lastro de conhecimentos com o qual enfrentou, anos seguidos, turmas inteiras de jovens.

 

Com seu livro Ofenísia Freire transpõe, de forma inequívoca, os limites do magistério, que estão sempre sujeito a currículos e parâmetros, passando a gozar do reconhecimento como escritora, ensaísta, interpretando um texto do século XVI e tirando dele novas lições, especialmente ligadas a mulher. Mais do que compor e enriquecer a bibliografia de autores sergipanos, o livro de Ofenísia Soares Freire contribui para alargar a crítica em torno da grande obra do vate português. Ao lado de Cleonice Benardineli, Tiers Martins Moreira, Antonio Geraldo da Cunha, o nome de Ofenísia Soares Freire circula na bibliografia camoniana brasileira.

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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