Raquel Anne Lima de Assis
Doutora em História Comparada pela UFRJ (PPGHC).
Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq).
E-mail: raquel@getempo.org.
Em setembro de 2022, estreou a série chamada Dahmer: um Canibal Americano, uma produção da Netflix que busca, em 10 episódios, narrar a história do assassino em série, Jeffrey Dahmer (1960-1994). Antes de ser preso e condenado à prisão perpétua, em 1991, Dahmer aterrorizou a cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, assassinando, de maneira brutal e aterrorizante, 17 jovens. Além da crueldade como foram realizados os crimes, pois ele cometia necrofilia e canibalismo, o que chama atenção é o perfil de suas vítimas: eram majoritariamente homens gays negros ou pardos.
Dahmer cometeu os assassinatos entre os anos de 1978 e 1991 e, por meio da série, nos perguntamos como ele conseguiu, por tantos anos, ceifar a vida de 17 jovens sem ser notado pelas autoridades. O assassino em série vivia em um pequeno apartamento localizado em um bairro pobre de Milwaukee, com alta taxa de criminalidade e ocupado por negros, pardos e imigrantes. Era um local ignorado pelo poder público, consequentemente um cenário vantajoso para Dahmer executar seus crimes.
Na série, a vizinha de Dahmer, Glenda Cleveland, sabia que algo suspeito acontecia no apartamento ao lado. Ela sentia cheiro de carne em decomposição constantemente e ouvia gritos de socorro. Por diversas vezes, ela denunciou o assassino à polícia, mas sempre era ignorada. Em um dos episódios, uma das vítimas de Dahmer conseguiu fugir do apartamento – era um jovem de 14 anos, originário do Laos e chamado Konerak Sinthasomphone. Por estar dopado e ter sofrido ferimentos graves na cabeça, o garoto conseguiu chegar apenas até a porta do prédio de Dahmer. Glenda Cleveland chamou a polícia, mas esta acreditou na versão do assassino de que se tratava de um rapaz maior de idade que era seu namorado e estava bêbado. Não houve qualquer tipo de investigação por parte dos policiais, nem mesmo exigiram a identidade de Konerak ou averiguaram os antecedentes criminais de Dahmer, que já havia sido condenado por assédio sexual de menores de idade. Por fim, Konerak foi devolvido ao assassino pelos próprios agentes de segurança. Ou seja, mais uma vez a voz de uma mulher negra foi silenciada frente a um homem branco.
Assim, a série nos faz pensar em como não podemos individualizar a responsabilidade pelos atos de Dahmer. Obviamente, ele era culpado, sofrendo ou não com transtornos psicológicos. Mas o que nos chama atenção é como as instituições públicas, que deveriam salvaguardar as vidas das vítimas, falharam, principalmente por se tratar de grupos minorizados. Não houve um plano bem elaborado por Dahmer para esconder os corpos dos jovens, houve denúncias e histórico de violência registrado pelo assassino. Um grupo muito específico estava desaparecendo sem deixar qualquer rastro, mas ainda assim a polícia não investigou.
Se fossem jovens brancos e heterossexuais em um bairro de classe média, será que o tratamento seria o mesmo? Zygmunt Bauman nos fala que no processo civilizatório a violência não é extinta, ela é apenas retirada das vistas de alguns grupos sociais específicos e concentrada em locais marginalizados. Portanto, verificamos como esse fenômeno se comporta na série, pois, em um bairro frequentado por negros, pardos e imigrantes, um assassino em série consegue cometer atrocidades de maneira explícita, mas suas vítimas não são ouvidas pelas autoridades públicas que foram criadas justamente para manter sua segurança. Ou seja, a violência é também institucional.