A histórica Caravana da Anistia

A 23ª Caravana da Anistia do Ministério da Justiça julgou na última segunda-feira, na sede da OAB em Aracaju, 34 processos de sergipanos que se declararam vítimas do regime militar: 22 processos foram deferidos, as vítimas declaradas anistiadas e o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, em nome do Estado brasileiro, desculpou-se pelo sofrimento causado a cada um desses cidadãos que ousaram lutar pela democracia. Dezoito anistiados tiveram reconhecido o direito de serem indenizados ou de terem corrigidas indenizações anteriormente conquistadas.

Em quatro processos, os requerentes ou familiares deles pediam apenas que o Estado declarasse reconhecer o sofrimento causado e os anistiasse. Dentre esses, processos do radialista e deputado estadual cassado Santos Mendonça e do poeta Mário Jorge, ambos falecidos. O julgamento do poeta foi o mais emocionante. A autora do requerimento, a irmã deputada Ana Lúcia Vieira Menezes, e o seu defensor, o ex-prefeito João Augusto Gama, outro anistiado político, foram às lágrimas após a declaração da condição de anistiado e o formal pedido de desculpas.

Quem também se emocionou foi Benedito Figueiredo, ex-vice-governador, ex-deputado federal, hoje secretário de Estado, que foi indenizado em R$ 166 mil, mais R$ 1.500 mensais, por ter sido demitido do INSS. “Quero dizer a minha esposa e aos meus filhos que valeu a pena”, disse, aos prantos, referindo-se naturalmente à luta que empreendeu como estudante, que lhe custou a prisão em 1968, ao participar do Congresso da UNE em Ibiúna.

Também foram indenizados Jugurta Barreto, Agamenon de Araújo Souza, José Alexandre Felizola Diniz, Rosalvo Alexandre, José Côrtes Rollemberg Filho, Delmo Naziazeno, Antônio Vieira da Costa, Zelita Correia, Walter Oliveira Ribeiro e Antônio José de Góis, o Goizinho, justamente decepcionado com a indenização de R$ 55.800. Goizinho foi preso na Operação Cajueiro, em 1976, foi torturado e permaneceu 21 dias encarcerado.

 

O QUE MUITOS NÃO COMPREENDERAM é que a Comissão de Anistia não está julgando a tortura. A Comissão está analisando os pedidos de indenização formulados pelas pessoas que foram impedidas de exercer atividades econômicas por motivação exclusivamente política desde 18 de setembro de 1946 até cinco de outubro de 1988. A reparação econômica, segundo a Lei da Anistia, poderá ser concedida em prestação única correspondente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política até o limite de R$ 100 mil, ou prestação mensal que corresponderá ao posto, cargo, graduação ou emprego que o anistiando ocuparia se na ativa estivesse, observado o limite do teto da remuneração do servidor público federal.

Assim, as indenizações supostamente milionárias recebidas pelos jornalistas Carlos Heitor Cony e Ziraldo Alves Pintos nada mais foram do que o proporcional ressarcimento dos prejuízos financeiros sofridos por eles.

 

NO ENTANTO, A TORTURA DIFICILMENTE resultará em indenização. Paulo Abrão admite a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal rejeitar uma ação apresentada pela OAB questionando a prescrição e a responsabilização de crimes de tortura praticados durante o regime militar. Para ele, se o STF não perceber que há um clamor da sociedade para a discussão do tema, “pode ser que a ação seja negada”.

A ação contesta a validade do primeiro artigo da Lei da Anistia (6.683/79), que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes “de qualquer natureza” relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. O Supremo ainda não se manifestou sobre a ação, apresentada em outubro do ano passado.

Abrão disse que é necessário convocar “diferentes entidades” para entrarem como coautoras da ação da OAB, sob pena de o Supremo não identificar que a ação é um clamor da sociedade civil organizada. A OAB e a Comissão de Anistia defendem que a tortura não é crime político e sim crime de lesa-humanidade, portanto, imprescritível.

Para Abrão, a Lei da Anistia exclui uma parcela da sociedade de ter acesso ao Poder Judiciário para questionar seus direitos. “É uma lei de negação, nega os direitos à Justiça. É admitir o não-direito e, automaticamente, a não-memória e a não-história”, disse.

 

A POLÊMICA EM TORNO DA RESPONSABILIZAÇÃO dos crimes de tortura ganhou força com o parecer da Advocacia Geral da União, que defende que estão perdoados pela Lei de Anistia os crimes de tortura ocorridos no período da ditadura.

Ainda assim, há o que se comemorar. “É algo novo na história do Brasil, pela simbologia”, disse o advogado Wellington Mangueira, que já havia sido anistiado mas nunca indenizado, assim como Milton Coelho, João Bosco Rollemberg, João Augusto Gama e outros.

Desde seu lançamento, em abril de 2008, o projeto Caravana da Anistia já percorreu 11 estados em todas as regiões do país. Criada em 2002, a Comissão de Anistia recebeu mais de 64 mil requerimentos de anistia política, dos quais 45 mil já foram julgados. Foram anistiados 29 mil brasileiros e em 12 mil casos houve reparação financeira por danos materiais comprovados. O objetivo da Comissão é zerar a pauta de julgamentos até o fim de 2010.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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