Carta para o Rato

Você não tem jeito mesmo. Agir pelo impulso significa ação idiota sobre algo que reluzia ouro. Querido, sabe o que percebi quando constatei sua verdadeira natureza deturpada? Que você, mesmo sendo um animal limpo é ao mesmo tempo, sujo. Bichos do seu tipo farejam o lixo e sobrevivem do alheio, do que foi jogado fora. E o pior, não sabem diferenciar o saudável, equilibrado, do que não possui significado algum. Você sempre se satisfaz do resto alheio, mesmo sabendo que todo lixo teve um dono, contou como história e teve vida útil.

 

Achei tão vulgar o joguinho. Quase vomitei quando soube que você andou revirando meu lixo, se satisfazendo do meu passado, engordando e salivando em cima daquilo que já me pertenceu e não tem mais significado, ficou vazio. Como se contenta com tão pouco? É muito estranho, porque você, Rato, em nenhum momento parou para pensar que mexendo em meu saco plástico poderia me chatear. Onde já se viu se meter onde não foi chamado? Que coisa feia! Mesmo aparentando o contrário, você não é nada seletivo.

 

Sua raça não raciocina perante um estímulo, principalmente sexual ou que diga respeito ao paladar. Como deve ter sido fascinante sondar o terreno sorrateiramente para então transformar o montante de lixo juntado ao longo de três anos num monte de nada. Você não sabe, mas nós seres humanos, pelos menos os decentes, temos sentimentos que são mutáveis perante os acontecimentos da vida, mas procuramos sempre melhorar. Você ao contrário, parou no tempo.

 

Rato, acho que entre todos os lembrados, você será o único que não fará falta alguma, caso nosso mundo sofra um colapso destrutivo. Rato é sinônimo de coisa grotesca, suja. Mesmo os criados em laboratórios, e considerados “fofos”, causam repugnância por trazerem em si uma vasta quantidade de impurezas. Os ratos não olham na cara de seus donos, não correm para recebê-los na porta, nem fazem carinho quando estão com fome. Ratos, como você, costumam utilizar a noite, como forma de sobrevida, não sabem pedir, nem dizer obrigado, muito menos reconhecer fraqueza. Sobrevivem do sujo e odeiam a limpeza, porque limpeza é sinônimo de clareza que é igual a verdade. Ratos não curtem a verdade dos fatos, preferem trapacear e experimentar. Morrem eletrocutados. Morrem pela boca. Vivem para sobreviver!

 

Vocês são escrotos por natureza. Mesmo sendo bufões sempre serão escrotos e você sabe disso, porque não percebe os gestos de significância, o carinho. Vocês são desconfiados – coisa de quem age em surdina. Descobri que ratos, mesmo que alimentados com comidas sadias, criados, cultivados entre abraços, afagos e considerações continuarão sendo ratos. E caso necessário, não hesitarão em contaminar seus donos. É preciso guardar os segredos dos ratos. Você me ensinou isso! E não é por medo de perdermos algo para vocês, mas apenas para evitar uma contaminação. Tudo possui um valor, mas, como vocês ratos não possuem discernimento de nada são obrigados a suportarem em si uma vida de inveja.

 

Vi que você, meu caro Rato, espalhou troços de sua busca inútil por aí. Já tinha percebido que você andava estranho, sempre com uma resposta afiada na ponta de sua língua pequena e vil ou resmungando de forma cadavérica sobre tudo que vinha de mim. Na verdade, você estava abrindo meu saco de lixo e mastigando invejavelmente minha vida. Ah Rato, me desculpe se não fico guardando o que não me serve mais e dispenso, ou se sou sincero o bastante para me desfazer amigavelmente do que não acredito mais como conceito de vida. As pessoas devem se livrar das coisas pesadas. Seja mais livre você também.

 

Depois de me proteger de sua urina, ficou um questionamento: o que você ganhou com tanto ódio por mim? Nada! Nem meu desprezo lhe dei, porque não posso criticar um “bicho” que se utiliza de meus excrementos como forma de sobrevivência. Sei que o meu lixo revirado é mais um na galeria de centenas de lixos que você trilha incansavelmente para conseguir um dia encontrar amor. Olha só, desculpe minha maldade neste momento, mas ninguém ama ratos, ok? Aprende então!

 

Rato, confiar vem de se pegar um fio e tecer algo. No nosso caso era uma relação costurada dentro da verdade e acima de tudo do respeito que eu sentia por você. Mesmo que em outros momentos já tivesse colocado em dúvida seu caráter (perdoando seus enganos, pois como meu Rato-querido, queria muito bem a você), tinha minhas orelhas em pé diante de suas ações. Não queria acreditar que você usaria sua porção rato-escroto para me atingir, até porque nunca fiz nada para lhe prejudicar, sempre o considerei apesar de você ser um rato.

 

Volto a me estapear, como ser-humano-ótario-que-fui em lhe aceitar e dividir contigo praticamente todos os melhores momentos de minha vida. Cansei de lhe convidar para minha casa, para minha alegria, para minhas vitórias. E mesmo que já tivesse desconfiado que você estava ciscando em meu terreno baldio, eu o queria por perto porque não existia provas de nada. Nunca existiu nenhum motivo para desconfiar de você, e mesmo depois de tudo, saiba que não perdi o brilho do meu sorriso. Aprendi que lidando com veneno criamos anticorpos também, mesmo que para tanto, muitas vezes, tenhamos saído envenenados.

 

É uma pena que você nunca viverá para o auto pensamento crítico. Você se cegou no caminho, não sabe mais o que é cheiro e o que é fedor. Achou que era humano e copiou nossos sentimentos, gestos e até linguagem – tudo para se diferenciar de sua raça – mas sabemos que no escurinho de seu quarto, diante da luz das possibilidades infinitas você se satisfaz sendo apenas um rato.

 

Saiba que independente de tudo, mesmo que um dia compreenda sua fome por meu lixo, jamais voltarei a confiar em você de novo porque tive o maior trabalho para recolher o que você espalhou. Apenas sei que escolherei melhor meus próximos animais.

 

 

 

Jaime Neto.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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