Catarina e as águias fulminadas

Nas minhas leituras costumo grifar os textos que me agradam.

Penso ser uma maneira de melhor memorizá-los para uma lembrança futura.

Todavia, parece que não funciona tão bem, porque logo esqueço, o cérebro talvez apagando, como se fora um rabisco vazio na fina poeira da vida.

Os livros que leio ficam marcados, sujos talvez, com se estivessem a dizer que alguém ali esteve, deliciou-se e partiu, não se sabendo o destino.

Eu tenho muitos livros assim, bem riscados, bastante grifados, a denunciarem-se muito usados, tanto por mim, quanto por outros, quando adquiridos numa livraria sebo; abandonados.

É sempre um bom passeio perquirir as estantes de um sebo.

São Paulo, por exemplo, tem muitos Sebos, e eu os visitava, quando eram comuns as minhas visitas à “desvairada Paulicéia”.

Houve um tempo em que eu ali passeei bastante.

O objetivo era visitar minha filha, Daniela, que cursava Especialização Médica em Arritmia e Marca-passo Cardíaco, no INCOR, e outros Hospitais, por anos de muito esforço, a princípio como simples Residente, no distante Hospital de Heliópolis, cercado de miséria por todo os lados, no Santa Marcelina, mais longe ainda, e no Hospital dos Servidores do Estado, num ambiente civilizado, por superior, um esforço, econômico inclusive, para chegar ao INCOR, onde “la crème de la crème”  se reúne sobressaindo como vanguarda médica in terra pátria.

É muito difícil a carreira médica. Anos e anos de estudo, para depois restar nivelada, enquanto serviço público, todos iguais em baixo remunero, e assaz desiguais, pois assim é vero o abissal desnível das responsabilidades, em tantas facilidades e/ou venalidades, nunca denunciadas, nem assumidas nas assembleias reivindicantes, estas sim, mais importantes, sem salvar ninguém, nem aquele que se expõe ao vírus letal, sem poder conjugar o fatal lazer, com o lasso espreguiçar modorro de um trabalho “in office”, esta novidade que não cura, mas perdura. “Quosque tanden, in tanti, quanti, Catilinae!”

E haja caterva anofelina!

Não pandêmica, mas endêmica! E sem vacina!, mas muito excesso de desvergonha!

Todavia, nem por elegia ou comichão de alergia, pretendo falar de vergonha ou de excedentes sem-vergonhices contempladas.

Nem também do sacrifício de recusar os empregos obtidos por concursos públicos, conquistados em primeiro lugar, inclusive, porque lhe fora negado um adiamento do inicio do contrato, sem ônus, e sem requisitar bônus, só requerendo a manutenção da vaga, mesmo permitindo o desabono de cedê-la, aos eventuais candidatos que naqueles certames lhes chegaram atrás, muito atrás, em nota e título!

O seu sonho era e é, o de lutar contra a morte, em debalde contenda para salvar vidas, valendo tudo para obter uma melhor capacitação, como valeu, inclusive perder alguns empregos assim conquistados.

E nesse almagesto de pior ingesta, geracional e gravitacional, arrastando muitos áulicos por rabeira como cometa sem luz e brilho, o  Estado, a Prefeitura, desvelam-se piores em ralas curas, enterrando todos sem se sepultar na própria incúria. Por culpa de quem? Adianta saber?

Não foi melhor assim?, sem dever reverência, nem aos jazigos nem àqueles que restam empedernidos, querendo ressurgir numa nova eleição que se aproxima, para descurar no mesmo feito, e enganar do mesmo jeito.

Mas não é deste malfeito que pretendo falar. Deixemo-lo para outros que se remuneram assim.

Eu, por tradição, costume e vício, sempre me remunerei na sala de aula: com giz e apagador… Deixem-me gloriar-me assim, sem enroladas e sem fugas da missão!

E colecionando abaixo-assinados de muitos jovens, hoje grandes profissionais em suas áreas, que a seu tempo, me requereram como mestre!

Fui professor, um mestre-escola apenas, porque a Universidade é uma grande escola, desde o Trivium e o Quatrivium!, nunca fora de moda, dando aulas de tudo que me pediram, da Matemática à Física, da História, ciência dos homens, no pensar de Vico, à Geografia, minhas aulas tinham de tudo, até de literatura e teatro, um pouco de idiomas distintos, tudo valendo, e o quanto a inteligência do jovem o requeresse!

Muitos dos meus alunos hoje são Engenheiros, Médicos, Odontólogos e Professores melhores do que eu.

Até Bispos e Padres passaram por minhas aulas!

Gente que morreu, gente que foi assassinada, de tiro e na facada a ferro frio, lamentados e chorados por mim, que em memoria ficaram em sonhos nos risos tolhidos; tive alunos políticos destacados, alguns até com os mandatos cassados, terrível por pior decepção, gente que furou aula, faltou, em desapreço da lição, gente que foi parar na cadeia: que coisa! E eu lá queria isso?

Mas eu não quero falar disso!

Também não quero falar de paredismo, de assembleísmo, dessa coisa de ser obreiro, por pior coveiro; da educação!

Isso é coisa que o lulopetismo instilou como praga na nação: só por molecagem!

Não, eu não quero falar nem de molecagem, nem de sacanagem!

Aliás eu não sou pago, nem o serei para isso! Só para dizer que aqui escrevo, sem remunero nem cobranças.

É o meu jeito, de gozar no eito, tentando ser fértil, sem requerer proveito.

Estou, confesso, a perder-me.

Queria falar de livros, de guerra, da Ucrânia que se destrói, provocando o vizinho ontem amigo, querendo que eu saia daqui, eu Odilon, que nunca me fiz sniper, para brigar ali.

Logo eu, que não sou mais reservista, nem que o desejasse?

Dois livros muito bons, ambos falando de guerras nas quais envolveu-se a Rússia.

Queria falar de Gregório Potemkin, amante de Catarina II, a grande Rainha de todas as Rússias, aquele que liderou os russos contra os turcos em duas guerras, conquistando a Criméia e toda essa região onde está a Ucrânia, só para dizer que aquele solo, antes turco, otomano, restou feudo dos czares e seus sucessores, desde Catarina , a Grande!

A luta sendo antiga, com o ocidente sempre querendo, apropriar-se dos mares Negro e Azov, para controle dos rios Dnieper e Danúbio, no sul da Europa, quase asiática, e lá no Norte, no gelado Báltico, em desafio dessa mesma Catarina, mulher danada, e ainda falam da mulher como um ser indefeso!, que entre 1788 e 1790, conduziu duas guerras ao mesmo tempo, 2500 km afastadas, uma no Sul contra os turcos na Criméia, e outra no Norte, contra os Suecos de Gustavo III, que em Estocolmo já se vangloriava de que logo “estaria tomando café em Peterhof e depois seguiria para São Petersburgo, onde derrubaria a estátua de Pedro, o Grande, e colocaria a sua no lugar”.

Catarina vitoriou-se em duas guerras ao mesmo tempo: uma contra Gustavo III, da Suécia, pelo controle do Golfo da Finlândia e outra ao Sul, quase três mil quilômetros distante, no Mar Negro, para o controle da Crimeia, frente aos turcos otomanos, inimigos apoiados pela Europa Ocidental.

Eu estive em São Petersburgo, cidade magnífica, Petrogrado, ou Leningrado, cenário de Tolstoi, de Gogol, de Dostoievski. 

Vi as pontes elevatórias do  rio  Neva, o Palácio de Inverno de Catarina, a Fortaleza Pedro e Paulo, a estátua de Pedro, o Grande, o golfo da Finlândia, e a Estação ferroviária de mesmo nome, Finlândia, onde Lenin desembarcou, segundo Ensaio de Edmund Wilson, o notável, Rumo a Estação Finlândia,  para cumprir sua missão “encomendada pelos capitalistas – segundo suas próprias palavras – de enforcar o czar e sua família”, mas aí eu deixei o trabalho de Wilson e o de Robert K. Massie, em “Catarina, a Grande, Retrato de uma Mulher”, publicada pela Rocco, que fala tudo sobre a conquista e sua visita à Criméia, e estou a enveredar por “Les aigles foudroyés”, ou as “Águias fulminadas, (ou abatidas)”, de Frédéric Mitterrand, editora Tempus, que trata sobre o desfecho da 1ª Grande Guerra, que de um assassinato fortuito do Arquiduque Francisco Ferdinando e de sua doce, sofrida, e muito humilhada esposa, Sofia Chotek,  resultou no fim de três dinastias águias imperiais: os Habsbourg da Áustria-Hungria, os Horenzollern da Alemanha, e os Romanov da Rússia, todas aparentadas com os Saxe-Coburg and Gotha, descendentes da Rainha Vitória do Reino Unido.

O assunto me sobrevindo por causa desses textos, o de Frédéric Mitterrand e o de Robert Massie, afinal vivemos as expectativas de uma guerra que se prolonga na mesma Ucrânia, e com a mesma Rússia, sempre incomodativa ao ocidente europeu, com seu Putin, agora o novo Czar.

Uma das muitas lições de Georges Clemenceau

 

Para finalizar, volto à conversa de Clemenceau, que deveria ter sido o mote inicial.

 

Trata-se de um relato contado por Hannah Arendt em seus muitos estudos questionando  “se os fatos realmente existem, independentes de opinião e interpretação”.

A questão debatida oscilaria entre fato, versão e interpretação, matéria factual irreversível ou tudo poderá ser mutável como, por exemplo, a retirada grosseira naquele tempo, por deficiência de recursos de foto shop, das imagens de Leon Trotsky, junto a Lenin e Stalin, como se pudesse ser refeita a história, feito muito comum aos Historiadores, que a seu bel desejar erigem em “melhor” ou “pior”, no seu pensar tão atoleimado, quão pior falsificado.

Texto de Hannah Arendt sobre tantas tentativas de manipulação da História.

E foi insinuando um real falseamento, isso cem anos atrás, nos idos de 1920, justo quando Hitler ainda babava cerveja nos bares de Munique, que o Representante da República de Weimar, virando-se para Clemenceau, o “Tigre”, disse essa pérola sobre a questão da culpa pela eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial: “- O que em sua opinião  – perguntou este a Clemenceau – pensarão os historiadores futuros desse tema espinhoso e controverso?

Clemenceau respondeu: “- Isso não sei. Mas tenho certeza que eles não dirão que a Bélgica invadiu a Alemanha.”

Para Arendt, “seria preciso bem mais que os caprichos dos historiadores  para eliminar da memória o fato de que, na noite de 4 de agosto de 1914, tropas alemãs cruzaram a fronteira da Bélgica; seria necessário nada menos que o monopólio do poder sobre todo o mundo civilizado.”

Mutatis, mutanti, a despeito de tudo isso e agora principalmente com a invasão da Ucrânia, “tal monopólio de poder está longe de ser inconcebível, e não é difícil imaginar qual seria a sorte da verdade fatual se os interesses do poder, nacionais ou sociais, tivessem a última palavra sobre esses assuntos. Isso reconduz-nos à nossa suspeita de que pode ser da natureza do domínio político estar em guerra com a verdade em todas as formas, e, por conseguinte, à questão de saber por que mesmo um empenho com a verdade fatual é sentido como uma atitude antipolítica.”

Alguém poderá dizer, ou quem sabe poderá falsear que no dia 24 de fevereiro de 2020 foi a Ucrânia quem invadiu a Rússia?

Algo bem diferente da licitude, permissão ou ousadia de avançar via desforço físico, do que não é vedado, nem de todo proibido, afinal no Direito Internacional, que o digam “A Liga da Nações” do Presidente Wilson, a “Organização das Nações Unidas”, desde o 24 de Outubro de 1945, homenageando Sergipe, e muitas outras reuniões, como aquela de 1910, em que Rui Barbosa, se destacou em Haia, nunca vale o que ali é combinado, sem tiver a bala, convalidada, pela força da metralha.

Dito assim, vê-se agora o mundo arrepender-se de não ter se armado, de se bancar cordeiro escondendo as presas comuns de feras na luta por seus interesses econômicos.

O mundo se contempla agora em um “Fim de História” bem diferente do que pensara Fukuyama e reverberava Yuval Harari, com seu Homo Deus, sem Rei, Grei ou Lei, globalizado e manipulado, a marginalizar o cidadão puro e simples, espicaçado por uma Democracia, com eleições digitalizadas, a ensejar abstenções em maioria, contrariando os desejos individuais e até as nacionalidades, com essas nações federações, a suscitarem, por-quê-não?; secessões!

Ou seja: o mundo não anda feliz, embora se diga o contrário!

Aqui no Brasil, por exemplo, vivia-se radiante, porque “o que infelicitava a nossa pátria mãe-gentil eram os nossos militares”, só porque baniram pouco, muito pouco, os políticos safados e suas falcatruas.

Depois deles, nunca tantos surfaram nesse discurso, e o país restou pior, em décadas perdidas e gerações falidas.

Ah! Não foi bem assim! Sempre pode piorar!

Em sendo bons de bandalhas, o nosso destino sempre será o de perder batalhas, tendo o auriverdebrancoanil por mortalha, só para lembrar o melhor verso do poetar brasileiro, cujo povo prefere rugir, bestificado, na galera?

Já os Russos, longe do inverno, destroem tudo, e quem o cerquem…

Irá ganhar a guerra? Quem o sabe?

A longo prazo, todos perdem.

Tem muita gente querendo trocar fogo, e eu quero manter minha distância.

E a minha relutância, ou seria petulância?, de falar muito e viajar no tema, derrapando na maionese, porque era de livros, de dois deles apenas, que eu pretendia falar, todos dois relacionados com guerras, refregas daquelas bandas geladas agora em velhos conflitos renovados?

Numa guerra quem tem a razão?  Volta a pergunta.

O que dirão os Historiadores do futuro?

Dirão que foi a Ucrânia que invadiu a Rússia?

E a Rússia, deve ela ser enxotada longe dos mares Negro e Báltico?

Como não há santos nesse jogo, aguardemos seu desfecho, torcendo para nele não se meter.

Por aqui já nos bastam, todos contra o Bolsonaro, menos eu!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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