Debates eleitorais e pequenos partidos

A Lei n° 13.165, de 29/09/2015, que alterou a Lei das Eleições (Lei n° 9.504/1997), a Lei dos Partidos Políticos (Lei n° 9.096/1995) e o Código Eleitoral (Lei n° 4.737/1965), para, segundo sua ementa, “reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina”, produziu mais uma “minirreforma eleitoral”, como comentamos aqui na coluna de 28/10/2015.

Pois bem, a despeito de sua declaração solene de boas intenções, a Lei nº 13.165/2015 representa um retrocesso enorme no sistema eleitoral e partidário brasileiro.

Um desses retrocessos é o aumento da restrição de acesso de pequenos partidos políticos aos debates eleitorais organizados e realizados por emissoras de rádio e televisão.

Com efeito, a Lei das Eleições (Lei n° 9.504/1997) assegurava aos partidos políticos com qualquer número de representação na Câmara dos Deputados a participação em debates transmitidos por emissoras de rádio e televisão. Com a nova “minirreforma eleitoral”, somente candidatos de partidos políticos com número mínimo de dez deputados federais possuem a garantia de participação nesses debates (nova redação do Art. 46).

A participação de candidatos nos debates eleitorais organizados e transmitidos pelas emissoras de rádio e televisão tem sido, ao longo dos anos de experiência democrático-representativa, uma excelente oportunidade – sobretudo para os pequenos partidos (que já possuem menor tempo de exposição na propaganda eleitoral no rádio e na televisão) – para, em igualdade de condições, confronto democrático de concepções, propostas, trajetórias, biografias, na perspectiva do melhor esclarecimento do eleitor, com vistas ao seu voto soberano consciente e melhor qualificado.

Ressalte-se que, no caso da mudança trazida pela Lei n° 13.165/2015, há um evidente casuísmo. Essa mudança legislativa deve ter sido premeditada pela maioria parlamentar para excluir dos debates eleitorais os candidatos do PSoL, PV e REDE, partidos que contam, respectivamente, com cinco, oito e cinco deputados federais.

Recorde-se da última eleição presidencial e dos debates que ocorreram no primeiro turno, e recorde-se de quais foram os candidatos que mais se destacaram: Luciana Genro (PSoL) e Eduardo Jorge (PV). A vigorar a nova regra na eleição presidencial de 2018, não teremos, nos debates eleitorais realizados por emissoras de rádio e televisão, a presença de candidatos desses partidos, o que já ocorre na campanha eleitoral para Prefeito deste ano de 2016, na qual os candidatos Marcelo Freixo (PSoL) e Luiz Erundina (PSoL) despontam com boas chances de disputa nas pesquisas de intenções de voto no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente: estarão excluídos dos debates eleitorais, como Luiza Erundina já foi excluída do debate realizado pela Rede Bandeirantes na última segunda-feira (22/08).

Já havia restrição à participação nos debates eleitorais, pois partidos políticos sem qualquer representação na Câmara dos Deputados não possuíam essa garantia. Esse critério já era questionável, por várias razões. Com a nova “minirreforma eleitoral”, o quadro se agrava ainda mais.

Em primeiro lugar, esse estado de coisas impõe aos candidatos um tratamento desigual. Os candidatos que participam dos debates têm maior projeção na mídia, têm um espaço privilegiado de contato com o eleitor e difusão de suas ideias. Candidatos de partidos que não possuem deputados federais perdem essa excelente oportunidade. Há quem sustente que a legislação não poderia respaldar a participação em debates de candidatos não-representativos, pois são candidatos de “partidos nanicos”, que não possuem representatividade alguma. Mais ainda: que assegurar a participação de todos os candidatos inviabilizaria a própria realização dos debates, porque as emissoras de TV não teriam interesse em sua realização quando obrigadas a convidar mais de quatro candidatos, eis que haveria uma quantidade excessiva de candidatos, muitos dos quais seriam “inexpressivos”.

Ora, a República tem como um de seus fundamentos o “pluralismo político” (Art. 1°, inciso V da Constituição). O “pluripartidarismo” é critério a ser necessariamente observado no contexto da liberdade de organização partidária (Art. 17). De que adianta então a Constituição assegurar a criação e o funcionamento de tantos partidos quantos sejam livremente criados por setores da sociedade para a representação e defesa de determinadas concepções políticas se, na ora de disputar a representatividade eleitoral em mandatos, essa liberdade não se materializa em igualdade de oportunidades?

Se os partidos políticos legalmente criados e registrados não possuem deputados federais, terão mais dificuldade de tê-los quanto menos espaços e oportunidades tenham de acesso à mídia e ao eleitor. Grandes partidos brasileiros da atualidade começaram “nanicos” e cresceram na preferência do eleitorado também a partir da maior exposição, maior contato com o eleitor e propagação de suas plataformas por via da comunicação social.

A igualdade-proporcionalidade já se reflete na distribuição legal do tempo de televisão e rádio na propaganda partidária e na propaganda eleitoral, bem como no acesso aos recursos financeiros do fundo partidário. No horário eleitoral gratuito, quanto mais deputados federais, mais tempo possui o partido político. Já não é suficiente? É preciso que essa proporcionalidade se estenda também aos debates eleitorais, facilitando a concentração de projeção política em poucos partidos?

Penso que não. Penso que isso restringe a possibilidade de que novos partidos políticos possam vir a crescer e, com esse crescimento, otimizar o pluralismo político que a Constituição exige, como medida de abertura do debate democrático para concepções mais diversificadas. E que, no fim da contas, seja o eleitor – o verdadeiro soberano – a dizer quais partidos devem ter maior ou menor representação política, mas a partir do voto, e não por tutela legal do Estado, cuja disciplina tem favorecido um círculo vicioso de manutenção dos mesmos.

Em boa hora o STF pautou para a sessão de hoje a tarde o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade porposta em face do mencionado dispositivo legal; espera-se que, no mínimo, seja concedida medida cautelar,  para afastar a aplicação dessa norma, ainda a tempo de que nos próximos debates eleitorais dessa curtíssima campanha eleitoral, os pequenos partidos possam participar, expressando em igualdade de condições seus projetos, suas propostas, suas ideias, em democrático confronto com os grandes partidos, proporcionando maior esclarecimento ao eleitor soberano, para que forme com mais consistência a sua convicção quanto ao voto a ser proferido.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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